O município de Chipindo, à semelhança da Jamba e do Kuvango, consta do mapa de localidades com este minério que atrai cidadãos da Namíbia, Zâmbia e da República Democrática do Congo.
A diferença dentre eles consiste no facto de o Chipindo acolher três empresas que se dedicam à exploração do ouro, nomeadamente Chicuamone, Sociedade Mineira do Chipindo e a OMATAPALO.
Esta última, com grande investimento no sector da construção civil, está ainda na fase de prospecção. Entretanto, o garimpo nas minas artesanais, desencadeada por centenas de jovens nacionais e estrangeiros, é apontado como a saída para o desemprego, alegadamente pelo facto de as referidas empresas não contratarem a mão- de-obra local.
O mesmo acontece nos municípios da Jamba e Kuvango, concretamente nas aldeias de Mupopo e Makova, respectivamente, onde não existe qualquer em- presa de exploração mineira.
Deste modo, um número considerável de jovens encontrou na exploração ilegal a saída para os seus problemas. Uma verdadeira quimera que deixa as famílias dos três municípios cada dia mais pobres, já que, para esta actividade, tiveram de abandonar as suas lavras.
Estima-se que 21 pessoas perderam a vida, na sua maioria jovem, e sete ficaram gravemente feridas desde o início da exploração ilegal de ouro nestes três municípios do leste da província da Huíla, em 2019, em consequência de deslizamentos de terra, nas minas artesanais dos municípios da Jamba, Kuvango e do Chipindo, segundo apurou o jornal OPAÍS.
Os últimos casos de acidentes graves foram registados na semana passada, no município do Kuvango, com um morto e cinco feridos, e da Jamba, com igual número de morto e dois feridos.
O comandante municipal da Polícia Nacional no Kuvango, superintendente-chefe Manuel Correia António Correia, disse que o jovem Rodrigues Jonatão Tchiteculo, de 31 anos, perdeu a vida na madrugada de domingo, 14, quando a terra caiu sobre si no momento em que se encontrava a extrair ouro na companhia dos seus amigos.
O caso ocorreu no bairro da Makova, que dista a 60 km da sede municipal do Kuvango. A informação sobre este deslizamento de terra, que feriu gravemente outros cinco jovens que se encontravam na mesma mina, com idades compreendidas entre os 23 e 34 anos, chegou por volta das 12 horas ao Comando Municipal do Kuvango da Polícia Nacional, através do Posto Policial do Manengo (MUMBA).
“O facto aconteceu quando os mesmos encontravam-se a explorar os recursos minerais [Ouro], num lugar que não apresentava segurança, porque estava com algumas rachas e também no seu interior havia muita água”, detalhou.
Manuel Correia contou que, de acordo com dados fornecidos pelas vítimas que se encontram feridas, ao se aperceberem do esta- do em que se encontrava a mina, já não pretendiam entrar mais.
Com tudo, no dia seguinte, o infeliz, que por sinal era o gerente do mesmo buraco onde veio a morrer, insistiu que trabalhassem mesmo assim, ao que os demais anuíram. “Minutos após terem dado início ao trabalho, o mesmo começou a desabar. Alguns tentaram safar- se, mas foram atingidos pelas pedras.
O infeliz não conseguiu sair a tempo e conheceu a morte no local”, frisou, salientando que os seus companheiros o desenterraram e levaram para Hospital municipal do Kuvango, mas sem sucesso.
Alunos trocam escolas pelo garimpo de ouro no Chipindo
O aluno lectivo 2023/2024 já está a terminar, mas os resultados podem não ser animadores no município de Chipindo, onde alunos dos três níveis que compõem o subsistema do ensino geral trocaram a escola pela exploração de ouro.
O professor Artur Lopes disse que as crianças, com idades compreendidas entre os quatro e os 14 anos, são levadas pelos seus tutores para as zonas de garimpo, sem, no entanto, se importar com a sua saúde física, muito menos com a formação.
Um sinal que, em seu entender, demonstra que os 11 compromissos do Estado para com as crianças aí não tem grande relevância. “As crianças, em vez de assistirem activamente às aulas, preferem ir ao garimpo, com a esperança de que podem trazer riquezas para as suas famílias, o que acaba por prejudicar e comprometer o futuro das mesmas.
Deixando de assistir aulas, não poderão transitar de classe e a idade escolar vai avançando”, disse. Na Missão Católica de Sangueve, onde recentemente o Governo construiu uma escola de sete salas de aulas, no âmbito do Plano Integrado de Intervenção nos Municípios (PIIM), os alunos abandonaram as aulas a meio do ano lectivo.
O superior da referida missão, padre Benedito Kapingala, disse ao jornal OPAÍS que, de formas a salvar o futuro das crianças, há necessidade de o Governo intervir, sem, no entanto, o uso da força ou da violência, como tem estado a acontecer nos últimos tempos. “Nós não temos alunos.
O Governo reabilitou uma escola grande de se- te salas de aulas, mas o que se pode encontrar são salas com quatro a sete indivíduos, porque todos estão a ir para as zonas de lavagem de ouro”, frisou.
Acrescentou de seguida que “costumo dizer [aos munícipes] que é lavagem de miséria, porque o que ocorre é que a população está anestesiada pelo ouro do Chipindo”.
Estrangeiros fomentam o garimpo com oferta de bens materiais
O garimpo de ouro no município da Jamba, a 315 quilómetros da cidade do Lubango, é feito na localidade de Mupopo, na comuna da Cassinga, onde foi instalado um dos maiores mercados informais no meio do mato. Neste mercado, comercializa-se de tudo um pouco, desde bens alimentares, roupas, electrodomésticos e até ouro.
O comércio deste recurso mineral estratégico é dominado por cidadãos provenientes da Zâmbia, Namíbia e da República Democrática do Congo que, por sinal, são os principais clientes dos garimpeiros que actuam no município da Jamba, na província da Huíla.
O soba grande do município da Jamba, Pedro Liandamo, disse ao jornal OPAÍS que estes cidadãos estrangeiros têm estado a patrocinar grupos de jovens para a abertura de poços para a exploração de ouro, com a oferta de motorizadas, bens alimentares e dinheiro.
Com a presença de gente de vários países no município da Jamba, a autoridade tradicional disse que aumentou consideravelmente o índice de prostituição e de criminalidade naquela circunscrição da província.
De acordo com o soba Pedro Liandamo, as mulheres que se dedicam à prostituição são provenientes dos municípios do Lubango, Matala, Kuvango e das vizinhas províncias do Huambo e do Cunene.
“O nosso município está mal. A prostituição aumentou muito. Hoje, já vemos crianças com 13 anos a se prostituir, isso tudo porque temos aqui muitos estrangeiros que estão a lhes dar dinheiro para dormir com elas”, frisou. Acrescentou de seguida que “o nosso medo é que isso possa trazer também muitas doenças”.
os marginais, que se dedicam a realizar assaltos à mão armada, têm como preferência os mototaxistas que trabalham nesta zona. “Os marginais andam armados, por isso, já não é possível andar- se sozinho numa motorizada numa distância de três a quatro quilómetros: vão matar-te”, revelou o líder tradicional.
Igreja Católica apela empresas exploradoras de ouro a investirem no município
O responsável superior da Missão Catolica de Sangueve no Chipindo, padre Benedito Kapingala, considera que a exploração ilegal de ouro pode ser a porta para a miséria das famílias naquele município, que possui um potencial agrícola que, bem explorado, pode servir para o combate à fome e à pobreza.
O sacerdote disse que as famílias camponesas abandonaram os campos agrícolas, ou seja, as suas lavras, para se instalarem nas zonas de garimpo “à procura da sorte de uma riqueza utópica”.
Entretanto, Benedito Kapingala disse, por outro lado, que as empresas que foram licenciadas pelo Governo para a exploração do ouro pouco ou nada fazem, com vista à melhoria das condições sociais dos habitantes doChipindo.“Oinimigoa abater neste momento é o garimpo.
É necessário que se acabe com esta prática. Mas, também, mesmo as tais empresas que estão a trabalhar na exploração legal de ouro deveriam nos dizer quanto é que já tiraram e quanto é que nos beneficia”, frisou.
No seu ponto de vista, urge a necessidade de tais empresas esclarecerem às autoridades e à sociedade civil local, se do volume de receitas que a exploração de ouro está a gerar aos seus cofres, quanto está a se reverter a favor das populações locais.
“Costumo dizer que o que fica aqui é só poeira”, desabafou. Por outro lado, Benedito Kapingala aponta como solução do problema do garimpo nas zonas afectadas a criação de cooperativas que possam ser acompanhadas e tributadas para o bem da economia nacional, uma vez que estas já funcionam, embora de forma não oficial.
“Nos últimos tempos, a população de Chipindo vai de poço a poço a ganhar miséria e doenças. Temos de encontrar uma solução. Não podemos continuar a vender o sonho de um ouro que acaba sendo a miséria da gente mais depauperada possível”, frisou.
Acrescentou de seguida que “alguém apareceu aqui a dizer que o Chipindo é ouro. Não podemos continuar assim”.O sacerdote afirmou que já sugeriu às autoridades que se apostasse no fomento à criação de cooperativas, “mas esta ideia nunca foi tida nem achada”.
Entretanto, o modo como alguns garimpeiros actuam em grupo é semelhante ao de funcionamento das cooperativas. “Se você for a Ndjepele, por estes dias, vais ouvir que estão em Tchiliva, organizados em grupos de indivíduos. Estes grupos são cooperativas. Eles, no final do dia, prestam contas a quem deu pá e quem deu comida”, detalhou.
Com base nessa experiência, Benedito Kapingala entende que, se estivessem legalizados em cooperativas, existiriam várias no Chipindo e as pessoas deixariam de aceitar com facilidade os incentivos que muitos comerciantes de ouros dão às pessoas que se dedicam ao garimpo.
Governo defende que combate ao garimpo deve chegar aos facilitadores da saída do ouro do país
“ Nós continuamos a atacar as consequências e nunca as causas, mas o compra- dor faz parte deste combate. Quem é que está a comprar? Quem é que ajuda a saída do ouro de Angola? Mas, para fazer este tipo de abordagem, é preciso ter muita coragem, porque se está a mexer com muitas sensibilidades”, detalhou Nuno Bernabé Mahapi Dala.
O governador provincial da Huíla fez estes pronunciamentos depois de ter realizado, nos últimos dias, visitas de trabalho nos municípios da Jamba, Kuvango e Chipindo. Nuno Mahapi Dala disse que o problema da exploração ilegal de ouro nestes municípios são de domínio do Governo Provincial.
No seu entender, este é um assunto que deve ser encarado com muita seriedade, tendo em conta as consequências que advêm desta prática, desde as económicas e as sociais, que enfermam não só o Governo, como as famílias.
Segundo o governante, é preciso atacar este problema a partir da base e não ficar apenas pelas consequências que o mesmo está a trazer para os municípios, de uma forma particular, e para o país de modo geral. “Este é um problema que, depois de escutar as lideranças dos municípios da Jamba e do Chipindo, percebemos que é muito sério”, frisou.
Para si, ao se analisar os bens que as pessoas que exercem essa actividade desde o início exibem, facilmente se chega à conclusão que tem sido rentável, daí que tenham surgido grupos devidamente organizados.