A Estratégia Nacional de Prevenção e Repressão da Criminalidade (ENAPREC), visa combater a corrupção e a criminalidade associada através de uma abordagem integrada, estruturada em três eixos principais: Prevenção, Detecção e Repressão.
O documento, ora aprovado, apresenta como principais eixos estruturantes a Prevenção, a Detecção e a Repressão.
No capítulo da “Prevenção”, recomenda a adopção de políticas educativas focadas na ética e cidadania para promover integridade.
Já no capítulo da “Detecção”, sugere a melhoria dos sistemas para identificar os actos corruptos, protegendo denunciantes.
Já no tocante à “Repressão”, propõe medidas institucionais e legislativas para agilizar os processos judiciais e recuperar activos.
A ENAPREC tem como principais objectivos “reduzir a corrupção, promovendo a integridade e transparência; “envolver os cidadãos na prevenção, detecção e repressão” e “melhorar a prestação dos serviços públicos”.
Para além disso, propõe a “transparência e a responsabilização”, com reformas para uma cultura de ética, especialmente nos sectores de alto risco e garantir o acesso à informação pública.
E para a sua melhor eficácia, sugere medida educativa e culturais de integridade, a partir da educação anti-corrupção nos currículos escolares e formação contínua para funcionários públicos e privados, assim como incentivar a denúncia e tolerância zero à corrupção.
Já no que refere às reformas institucionais e legislativas, a ENAPREC traz à modernização e digitalização dos procedimentos administrativos e normas para limitar as contratações simplificadas e aumentar a supervisão dos contratos públicos.
Ainda na proteção de denunciantes, com mecanismos para proteger e incentivar os denunciantes, garantindo a sua segurança e anonimato.
Finalmente, a estratégia elenca a promoção da boa governação, a partir da adopção de boas práticas de governação nos sectores público e privado, e o alinhamento com as melhores práticas internacionais e recomendações da ONU.
Críticos apontam entraves à implementação
Como era de se esperar, a aprovação da ENAPREC tem gerado acirrados debates entre líderes políticos e especialistas no que refere a sua potencial eficácia, a começar pela resistência institucional.
De acordo com o jurista Leonardo Katari, por exemplo, há uma resistência natural dentro de algumas instituições à mudança de práticas estabelecidas, especialmente aquelas que podem ameaçar os interesses pessoais ou de grupos enraizados, por um lado.
Por outro lado, o jurista enfatiza a necessidade de se entender o crime como um fenómeno social, demandando uma análise das causas subjacentes para se alcançar os efeitos desejados.
“Um dos crimes mais comuns entre gestores públicos é o peculato, que reflecte a subtração de bens públicos. A falta de educação e patriotismo entre gestores públicos é evidente”, explicou Katari.
O causídico criticou, também, os critérios de nomeação para cargos públicos, que se baseiam na confiança pessoal em vez da meritocracia, promovendo práticas corruptas.
Já Marcial Dachala, porta-voz da UNITA, destacou a educação como a raiz do problema. “Para termos uma sociedade isenta de corrupção e com baixos níveis de criminalidade, é necessário investir seriamente na formação do homem, não apenas criar instrumentos para reprimir”, afirmou Dachala, questionando a eficácia de estratégias anteriores e manifesta cepticismo quanto aos resultados da ENAPREC se a base do problema não for resolvida.
Por sua vez, Benedito Daniel, presidente do Partido de Renovação Social (PRS), ecoa este sentimento, argumentando que o combate à corrupção e criminalidade é uma questão de consciência. “Procurar estratégias para combater a corrupção é desnecessário.
O ponto de partida é a educação e a transparência. Não se pode acreditar que a corrupção vai acabar se a estratégia for aplicada por corruptos”, ponderou Daniel, sublinhando a desconfiança generalizada da população nas instituições.
Para o sociólogo José Lourenço, moralizar e educar a sociedade através de programas mais eficientes é a estratégia mais eficaz para se combater a criminalidade em Angola.
Apesar de reconhecer a importância da Estratégia Nacional de Prevenção e Repressão da Corrupção (ENAPREC), defendeu que a educação orientada deve ser priorizada ao invés da repressão.
Salientou que a implementação de programas educativos voltados à ética e a cidadania podem criar uma base sólida para uma sociedade mais justa e menos propensa à criminalidade.
Estes programas, disse, deveriam ser integrados ao sistema nacional de educação e envolver todas as camadas da sociedade.
Perto de USD 19 bilhões em activos recuperados
Nos últimos anos, o Estado angolano tem intensificado seus esforços no combate à corrupção, resultando na recuperação de uma vasta quantidade de activos.
De acordo com dados do Serviço Nacional de Recuperação de Activos (SENRA), até agora, foram recuperados em dinheiro, participações sociais, imóveis e outros bens móveis, mais de 7 mil milhões de dólares – com outros 12 mil milhões de dólares apreendidos ou arrestados, aguardando decisões judiciais.
Entre os activos recuperados estão imóveis de alto valor, tanto em Angola quanto no exterior. Em Angola, incluemse fábricas, fazendas, minas, estabelecimentos comerciais, edifícios e hotéis.
No exterior, a lista inclui moradias luxuosas no Algarve e Lisboa, em Portugal, e outros apartamentos em São Paulo e Rio de Janeiro, no Brasil.
Mais de 400 processos instaurados
Até 2023, o combate à corrupção em Angola resultou em 448 processos de inquérito instaurados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) entre 2018 e 2022. Destes, 88 foram remetidos para instrução preparatória, resultando em 20 condenações e 84 foram arquivados.
Os esforços no combate à corrupção incluíram a recepção de 24.541 denúncias, das quais 286 estiveram relacionadas a operações suspeitas de branqueamento de capitais e criminalidade conexa.
Figuras visadas
O combate à corrupção em Angola tem levado vários gestores públicos a enfrentar processos judiciais. Entre os rostos mais conhecidos estão ex-ministros, governadores provinciais, e altos dirigentes de empresas públicas.
São os casos de Manuel Rabelais, ex-ministro da Comunicação Social, foi condenado por peculato e violação das normas de execução do plano e orçamento; Augusto Tomás, antigo ministro dos Transportes, recebeu uma sentença de 14 anos por peculato, branqueamento de capitais e associação criminosa; José Filomeno dos Santos (Zénu), ex-PCA do Fundo Soberano de Angola e filho do ex-Presidente José Eduardo dos Santos, foi condenado por fraude e peculato no caso dos “500 milhões de dólares”.
Ainda Isabel dos Santos, empresária e irmã de Zénu, continua sob investigação por práticas corruptas e desvio de fundos na Sonangol e outras holdings; Carlos São Vicente, empresário luso-angolano, condenado a nove anos de prisão e com os seus activos na Suíça a serem alvos da PGR.
Outros gestores públicos como Joaquim Sebastião, ex-director do INEA, é acusado desvio de fundos públicos e má gestão de recursos; Arcanjo do Nascimento, antigo embaixador de Angola na Etiópia, tem o acórdão agendado para o final deste mês, acusado de peculato; e Ernesto Kiteculo, ex-governador da Lunda-Sul, condenado a cinco anos de prisão por peculato e outros crimes.
Desde 2017, medidas emergenciais, como a entrega voluntária de bens e a recuperação de activos, resultaram em progressos nos índices internacionais de percepção da corrupção, com Angola a subir da posição 167 em 2017 para a 116 em 2022. A ENAPREC visa consolidar estes ganhos e avançar com uma abordagem mais sistemática e integrada.