A palavra é lâmina nas mãos de um neófito. A noite é ritual nas mãos de um artista feito. Congelo a minha parte do tempo no tempo, quando me ocorre que as horas de cada dia servem a todos.
De lá partiu o hino do tempo. Há um tipo de vulcão que acalma as almas: o medo. E dei a cristo 22 anos de pensamento para o primeiro milagre que veio 33 anos mais tarde.
Uma coisa são os desejos, outra, muito diferente, é o plano da fenomenologia. Há eventos que nem os mares desviam.
Somente precisei de menos de 49 segundos, feita a travessia à noite, para abrir os canais que tratam minhas águas laboratoriais.
Podem crer, poetas, que nem todos os versos estão soltos na metrópole. Aqui, no chão tétrico da língua curta, a semântica é um milagre divino, uma forma de dar descanso a deus, para aproveitar fazer uma visita breve aos que o esquecimento é companhia eterna: os enfraquecidos pela correnteza dos grandes.
Sinto que a música dos pássaros desenha uma conexão entre o asfalto de areia e os pés que abrem velocidade astronómica.
O ser humano, quando não deseja assumir a culpa de seus actos, gosta de aventar versículos de uma narrativa qualquer, viver à luz do salmo que medita um remorso oculto e construir sonhos na folha húmida do amanhã.
Ser humano é um exercício profundo, considerando que há, na terra, criaturas cuja vida lhes passa à sombra do sono propositado e carimbado por uma estrutura educacional.
De qualquer maneira, dar-teemos, meu narrador afiado e eu, o gosto da noite expressa que atravessou os meus ouvidos, aí no azul-branco, apertado entre o calor e a condição de mutilado momentâneo.
Quem anda à procura de sentidos para a vira, no seu mais fundo, sabe que, às vezes, é preciso ser o «grau zero da escrita», reiniciar a existência e submeter-se à esfera mais neófita do saber: «o conhecimento está aí nas partículas minúsculas».
De soslaio, pentrou-me a sentença do meu narrador sisudo, agora que começo a meditar as sílabas complexas da minha falta de paz espiritual, como nos diria o escritor Fridolim, que me reluz a um encontro com a pessoa que habita aí no departamento introspectivo da minha vida.
Não estou no escritório, onde me acalenta o clima fresco. Não estou na bancada para lamentar os meus delírios políticos. Não estou na rádio para decifrar o poema da inocência sistemática.
Estou aqui neste bairro de capim, em cima de uma torcida, com o mesmo rosto de há quase 20 anos, a indagar aos meus nervos se a inspiração só se apanha à mesa, aí no Hotel mais caro de Saulimbo.
Pelo contrário, diz-me o meu narrador, muitas vezes, é preciso fugir a cidade e construir uma cidade em nós; é necessário deitar a esferográfica do compromisso de honra e usar o carvão, para escrever no espaço desejos e pensamentos.
Sobre esta ponte recente, como um cão perdidamente abandonado, reencontrei-me, depois de longo tempo em que a Cidade tomou boa parte de mim.
Poetas, acordem: os poemas estão aí mesmo nos dedos, nos lábios e, muitas vezes, nas línguas. Usemnos e bebam a água da vossa nascente!
Por: Salvador Ximbulikha