Está há pouco mais de um mês na direcção desta instituição. O plano curricular que encontrou se ajusta aos desafios que se pretende para o sector do turismo hoje?
Aqui nesta escola só existe uma formação, que é a de gestão turística. Hoje em dia, o plano curricular desta formação não tem o impacto positivo para formar quadros que podiam dar uma visão rápida para o sector do turismo. Na verdade, o plano curricular para esta formação está obsoleto e, neste momento, estamos a modernizá- lo para responder aos desafios actuais. O governo e o Chefe de Esta- do, em particular, está preocupado com o desenvolvimento deste sector e, por esta razão, estamos a fazer tudo o que for possível para irmos para frente. Uma faculdade de turismo que não tem um hotel escola não pode existir.
É o caso da vossa instituição?
É nosso caso, e eu não sei como é que isso veio a existir. Uma escola de turismo tem que ter um padrão e a existência de um hotel escola é indispensável. Em Angola não existe nenhum hotel de cinco estrelas dirigido por um angolano, não existe. Todos hotéis até de quatro estrelas são dirigidos por repatriados, porque não encontram nacionais capacitados para dirigir estas unidades. Mas permita-me explicar porquê: por exemplo, estou a dar uma disciplina de introdução ao turismo numa turma para licenciatura e aqui só tem teoria. Para fazer prática temos que enviar num hotel e, quando chegam lá, quem dá aulas de recepção são indivíduos com uma pequena formação profissional. Não acha que é uma humilhação um indivíduo que está a fazer licenciatura receber aulas de uma pessoa que tem formação profissional de recepcionista? E não há um hotel escola porquê? Porque o mesmo professor que dá teoria, com a existência de um hotel escola seria ele a dar a aula prática.
Não é possível fazer isso nos hotéis em que os estudantes se dirigem?
Vão correr com o professor porque certamente vai interromper os trabalhos. São questões que deviam ser resolvidas. Existe aqui um hotel INFOTUR que está a cair e apodrecer, então porque não há este casamento? O Ministério do Ensino Superior é o único que está apostado em formar quadros e o Ministério do Turismo não tem esta competência. E o curioso é que os quadros que se vão formar nesta instituição é o Ministério do Turismo quem vai consumir. Então, o Ministério tem os hotéis do INFOTUR e o INFOTUR não está autorizado para formar quadros, e pode haver esta simbiose. Sou um simples professor que está a dirigir uma escola, mas se existe essa possibilidade, penso que a modernização de um hotel para servir a escola não terá muitos custos.
Está pedir que um dos hotéis INFOTUR seja transformado em hotel escola?
Sim. Se nós queremos ter um turismo amanhã, temos de enfrentar desafios e digo para minha pátria que em três ou quatro anos vamos lançar quadros de elite no sector do turismo. E toda nação angolana poderá se beneficiar. Porque na questão da gestão dos hotéis que me referi, por exemplo, que estão a ser geridos por estrangeiros, nas actuais condições de quadros que estão a ser formados nesta instituição, nenhum proprietário de hotel vai colocar a sua unidade a ser gerido por um angolano com um vazio. O turismo não pode ser considerado um sector fácil para gerir, porque é muito complexo, é uma ciência e quem se foca no turismo sabe o que estou a dizer, porque, actualmente, ultrapassou a indústria de automóvel e a indústria de armamento na sua contribuição para o PIB de cada país…
Pode explicar melhor isso?
Por exemplo, hoje a França recebe 106 milhões de turistas anuais, a Espanha recebe cerca de 99 milhões de turistas e Portugal recebe cerca de 30 milhões de turistas por ano. O PIB português são aproximadamente 25 mil milhões de Euros e nós em Angola recebemos da indústria petrolífera o equivalente a 24 mil milhões de dólares. Vejam só, e Portugal já não tem quase nada a oferecer, senão sol e praia, mas vai fazendo inovações completas. E nós temos áreas virgens por explorar no sector do turismo. Temos que ter um modelo angolano e não copiarmos modelos de fora, e que não funcionam.
A vossa escola devia ministrar quantos cursos?
Muitos cursos e os mais importantes são estes que eu acabei de citar. Estas formações já tinham que estar aqui. Claro, vamos respeitar o que foi feito até aqui, mas gestão turística é muito limitada, gestão hoteleira é um dos produtos turísticos mais importantes no estudo do turismo, e é isso que devia ser incorporado. Mas, vamos trabalhar e, no próximo ano, se tudo correr bem, já teremos a formação aqui de gestão hoteleira, gestão de marketing e meio ambiente e turismo. Já estamos a terminar os planos curriculares dos cursos e espero que o senado e a própria Reitoria quando receberem as propostas agilizem os trabalhos.
E onde vai encontrar os professores para leccionarem se diz que há falta de quadros na instituição?
É fácil encontrar professores. Aqui mesmo em Angola temos muitos. Eu sei aonde os encontrar. Temos muitos mestres em turismo que mudaram a sua profissão para serem taxistas formados em Marrocos, Espanha, Portugal, Áustria, o que é muito perigoso. E não se precisa só de professores com a formação em turismo, mas em História de Angola, por exemplo. E nós temos no país professores altamente qualificados. Vamos respeitar isso. E eu sei onde vou bater as portas para encontrá-los. Quadros? Vamos procurar no mercado. Talvez o anúncio da regulação dos professores com a nova remuneração poderá animar os professores, porque se um professor não está estimulado dificilmente forma bem um quadro.
Os professores universitários estão desanimados?
Se você é meu aluno e estudas de noite, as aulas terminam depois das 22h e vivemos no mesmo bairro, você tem carro e eu como professor não tenho passo a apanhar a tua boleia. Qual é a moral que terei de te reprovar se eventualmente estiveres reprovado? O professor tem que ter um estatuto especial, porque seja quem for, ministro ou deputado, passam nas mãos do professor. Por isso, estou a dizer publicamente se aceitarem as nossas propostas em três ou quatro anos vamos ter quadros de elite. Caso contrário, eu vou demitir-me. Se não haver condições para formar quadros na proporção que desejamos, vou-me demitir. Estou sendo honesto, vou-me embora. Estou esperançado que, como o governo está interessado no turismo, vai apoiar. Acredito que o sector do turismo vai receber mais apoio que a Sonangol e a Endiama, porque as minas acabam e o turismo se renova todos os dias. Nos estados europeus, ninguém tem petróleo ou diamante, mas estão ali.
O mesmo acontece se não lhe cederem um hotel escola?
Falo abertamente, vou-me embora. São elementos que estou a colocar para a formação, porque não vou estar aqui a passear. Eu vim aqui para implementar os meus conhecimentos científicos e técnicos, porque sou cientista, sou investigador e não trabalho por palavras, mas por modelos científicos que dá resultados. E quando aquilo não dá utilizo outra metodologia científica.
Quantos estudantes tem a escola e com a abertura de mais três cursos qual é a previsão?
Actualmente, temos 190 estudantes. Há tempos tínhamos ensino nocturno, mas tivemos que rescindir por causa das dificuldades e o risco de vida que os estudantes corriam. No próximo ano académico, pretendemos multiplicar este número, caso sejam aceites os planos curriculares dos novos cursos, e nos seja dado um hotel escola e uma outra infra-estrutura, porque aqui estamos no mesmo espaço três instituições, a Escola de Artes, Escola de Educação Física e nossa Escola de Hotelaria e Turismo. Mas, tenho certeza que teremos um número de estudantes maior, porque os cursos que pretendemos dar são muito importantes para o que se precisa hoje no país.
O Chefe de Estado está muito apaixonado com o meio ambiente e o turismo, então precisamos formar quadros qualificados para estas áreas, a fim de serem exploradas as áreas de conservação turística e as relações que deve existir entre o meio ambiente e o turismo, por exemplo, a zona do Alto Zambeze é teoricamente ambiental, mas é o turismo que tem que criar condições para que ela funcione. Há áreas que os turistas só podem ir uma vez por semana para não danificar o meio ambiente, mas é necessário quem conhece, quem estudou para determinar estas situações.
Quais são as linhas mestras para desenvolver o nosso turismo?
É necessário a criação de infra-estruturas mínimas para o seu funcionamento, mas como o Estado não é capaz de criar estas condições rapidamente, a medida imediata devia ser a implementação de portagens para se entrar em qualquer província, nem que for 200 ou 500 Kwanzas. A empresa que estiver a gerir tem que ter como objectivo principal a reparação de estradas. Eu pergunto, quantos carros entram no Bengo diariamente, no Cuanza-Sul, Benguela, Luanda e outras?Com esse dinheiro, as situações que acontecem nas nossas estradas teriam solução rápida, como buracos, capins ao longo da via, porque se não se soluciona aquilo vai aumentando a cada dia, e chega um momento que já não haverá mais solução. E já sugeri isso várias vezes. Não precisa se cobrar caro na portagem, pode ser um preço simbólico. A ponte da Barra do kwanza às vezes fica dois ou mais anos sem manutenção, o dinheiro todo da portagem vai aonde? Em Espanha que têm províncias muito pequenas e muitas separadas uma das outras por 30 Km, paga-se portagem e as pessoas se sentem orgulhosas em conduzir numa estrada sem problemas.
“Nunca encontrei nenhuma enciclopédia deixada pelo colono que fala sobre o turismo”
Como académico e investigador, acha que começou a se pensar tarde no turismo como fonte alternativa para arrecadação de receitas? Vou roubar um pouco de tempo para te responder isso. Em primeiro lugar Angola nunca teve uma tradição turística, nunca encontrei aqui nenhuma enciclopédia deixada pelo colono que fala sobre o turismo, nesta parte os portugueses não deixaram nada. Duma forma realista o próprio Estado angolano nos anos 80 criaram direcções de hotelaria e turismo, mas o que se explorava era os hotéis porque o turismo era impossível fazer-se por causa da situação de guerra.
O primeiro Ministério do Turismo só foi criado em 1992 com o Governo de Unidade e Reconciliação Nacional (GURN) em que foi nomeado Jorge Valentim, que no meu ponto de vista foi um ministério de equilíbrio político entre o MPLA e os outros partidos. Depois do Valentim passou o Chingunji, mas a pessoa que teve mais foco e algumas perspectivas para o desenvolvimento do turismo foi eterno vice-ministro, Paulino Domingos Baptista que tinha grandes projectos para o turismo.
Não podia impor as suas ideias na condição de vice-ministro, mas conseguiu pelo menos impulsionar a elaboração do Plano Director Nacional do Turismo e crescimento e melhoria do sector hoteleiro. Mas tivemos também a falta de quadros, e muitos tiveram que ir se formar fora com custos próprios. Eu por, exemplo paguei os meus três mestrados e doutoramento e não recebi nenhum Kwanza de ninguém. Trabalhei e paguei os meus estudos. Voltei em Angola porque sinto que depois de formado tenho uma dívida com o meu país e tenho que dar o meu contributo científico.
Indo para a questão que lhe coloquei…
Sim, o Presidente da República está preocupado com o turismo. Nota que em quase todos os seus discursos direcciona uma palavra para o turismo. Eu me pergunto, quais são os relatórios que chegam a mesa do Senhor? Porque se andam a lhe dar informações falsas essa gente devia ir presa imediatamente. Por outro lado, em cinco anos tivemos cinco ministros do Turismo.
Qual lhe parece ser as razões?
Aí está. É necessário buscar as razões por que há pessoas que têm conceito errado de turismo e pensam que é uma coisa qualquer. Quem estudou turismo compreende a coisa de outra forma. Só o médico que estudou medicina compreende o que o doente tem e passa receita. Com o turismo é a mesma coisa. O fracasso maior do nosso turismo está ali, quer dizer a escolha errada de pessoas que devem estar em locais estratégicos para o seu desenvolvimento. Por isso é que tudo que se inventa fracassa.
Acha que o Presidente da República tem sido mal-aconselhado?
Eu não posso classificar as coisas deste jeito… Mas para essa questão do turismo em particular… Eu só questionei quais são os relatórios que chegam à mesa do Senhor, porque se o Chefe de Estado reclama todos os dias que queremos ter um turismo melhor, avançado, moderno e ter receitas devemos nos questionar o que se passa. Não sou ninguém para dizer que se é ou não mal-aconselhado. Eu sirvo a academia e quem me questiona é o reitor.
“Disse ao novo ministro que se escolher assessores que lhe lambem botas não vai a sítio nenhum”
Esteve no último fim-de-semana a participar na Bolsa Internacional do Turismo (BITUR), na Huíla. Com que impressão ficou?
Foram muito importantes as decisões iniciais e finais que se tomaram lá e agradeço o convite que nos foi endereçado. Temos um novo ministro que considero muito novo e tem muito dinamismo para o sector, apesar que leva dias para algumas coisas darem certo. Mas eu fui muito claro com ele: ‘Se escolher assessores competentes ou mais competentes que você, serás um herói. Mas se escolher assessores que vêm para te bajular serás o pior ministro do turismo’. Conversamos durante cerca de 30 ou 40 minutos só nós os dois e lhe disse isso. Aconselhei-o a buscar assessores que sabem e estudaram isso e congregar também as associações, investigadores e outros. ‘Mas se vais ter indivíduos ali para te lamberem as botas e te bajularem não vais a nenhum sítio’.
Que contribuições a Escola de Hotelaria e Turismo levou à BITUR?
Nós fomos convidados e em representação do Ministério do Ensino Superior. Aproveito dizer que a ministra do Ensino Superior é uma mulher batalhadora e se dedica muito para a melhoria das coisas. Pode haver críticas, mas na sua posição como ministra é uma mulher muito trabalhadora e nós o admiramos por isso. Continuando sobre a BITUR nós fomos convidados e não tínhamos sequer recursos para montar um pavilhão que seria, no mínimo, 2 milhões de Kwanzas, para além dos custos de alimentação, transporte e alojamento. Desde que estou aqui a verba máxima que já vi, mas que ainda não caiu, são 4 milhões de Kwanzas. Estamos a sobrevir com os cursos que fizemos de extensão que servem para pagar as empregadas de limpeza e segurança. Aqui não entra praticamente nada, mas como o Presidente da República está preocupado com o turismo eu acredito que vão dar apoio para responder às exigências. Quem sabe com um hotel escola vai dar mais atenção à Escola. Eu, que sou director da escola, com a categoria de catedrático e as formações que tenho, venho de táxi.
Como é que um professor com o estatuto que tem sobrevive nessas condições?
Quando um indivíduo mantémse aqui é pelo amor que tem pelo país, a profissão e os princípios que tenho pela pátria não pode mais esperar por um estrangeiro para vir dirigir isso. As pessoas sabem que nesta instituição não há nada, mas não me sinto humilhado com isso, sinto-me na obrigação de fazer isso porque fui nomeado para resolver problemas.
A gastronomia que os hotéis e similares nos oferecem vai de encontro as expectativas de quem nos visita?
A nossa gastronomia é rica e poderosa em comparação a outras que eu já vi em países em que passei, a nossa é incomparável. Mas pode melhorar ainda mais com a formação, porque a gastronomia melhora com a criatividade das pessoas. Numa bebida de maruvo pode sair outro maruvo derivado e quem faz esta criatividade é indivíduo que está preparado. Temos a matéria-prima, mas nos falta a formação.
“Os turistas já não gostam de ficar em hotéis dentro da cidade, feitos de betão”
Como devemos aproveitar o nosso potencial turístico? Nós temos bambus, temos palha de capim e isso é o essencial para construirmos vários resorts. Essa produção é mais barato do que construir um hotel dentro da cidade e os próprios turistas internacionais já não gostam de ficar em hotéis dentro da cidade feito de betão, querem ficar em outros locais como bangalons e o custo de produção é mais baixo e dá possibilidade de se criar o empreendedorismo. A zona do leste é uma com chuvas quase regulares e terras férteis, sendo a zona mais propícia para o agro turismo com os próprios fazendeiros. A comida sai da fazenda e o que um não tem troca com outro fazendeiro.
Este turismo podia se desenvolver rápido com o objectivo de levar os jovens que andam ali e não estudam, porque nestas províncias as crianças quando nascem depois de algum tempo a única coisa que lhes vem a cabeça é o garimpo, por isso é a zona com mais baixo nível de escolaridade e o turismo podia resolver este assunto. As empresas que vão investir lá deviam ter isenção de imposto durante cerca de 20 ou 30 anos. Veja que os países que só tinham desertos, como a Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos estão a cultivar no deserto e nós que só precisamos de atirar as sementes no chão estamos a dar tantas voltas. Somente a vontade pode determinar onde queremos ir, mas a história está a passar e nós temos que aproveitar agora.
Qual é o sonho de uma pessoa que dirige uma instituição que diz não ter nada, mas que pode ter um grande potencial?
Quero ver uma Angola em que grande parte da sua população viva do turismo, que todos angolanos que não têm emprego sejam absorvidos ali e se sintam bem com dinheiro suficiente para apoiar a família. Quero ver Angola de destino turístico mais importante em África e no mundo, que sejam um sector que faça os angolanos esquecerem os diamantes e petróleo. Um turismo de massa e de negócio, convencional que faça com que alguém possa sair de um ponto para outro em pouco tempo, um turismo de investigação científica porque temos este espaço, sem esquecer o turismo religioso. A mãe natureza nos deu de tudo e com tudo: praias, quedas de águas.
Perfil
Miguel Fernando é Professor Doutor em Ciências Económicas e Empresariais, pela Universidade Complutense de Madrid-Espanha, em estudos sobre economia do Turismo e com três mestrados, todos ligados ao sector da hotelaria e turismo. Para além de leccionar em várias universidades públicas e privadas do país, Miguel Fernando é professor convidado na universidade de Cancún (Republica Federativa de México), onde lecciona no Curso de Mestrado em Turismo o Módulo de Impacto do Turismo na Economia Africana.
Professor Catedrático na Universidade Agostinho Neto (UAN), o interlocutor de o OPAÍS é autor do primeiro livro de investigação científica (didáctico) na área do Turismo em Angola, com o título: Turismo em Angola, «Caso Específico da Planificação do Mussulo», lançado em 2015. É também autor do Plano Estratégico do Desenvolvimento do Turismo no Município de Mbanza Kongo, Património Cultural da Humanidade da UNESCO; autor do Compêndio sobre: O Turismo em angola PósCovid-19 – Ferramentas e soluções; Compêndio sobre: Agro-indústria Pos-Covid-19 – Ferramentas e soluções; e de outros artigos científicos. Há cerca de 45 dias, assumiu o cargo de director-geral da Escola Superior de Hotelaria e Turismo (Universidade Agostinha Neto).