O secretário da Federação dos Sindicatos da Administração Pública Saúde e Serviços faz vincar a posição anteriormente manifestada de não adesão à greve convocada pelas três centrais sindicais e não vê razão de se avançar para esse caminho. Custódio Cupessala adverte que não se deve olhar apenas para «umbigo» dos professores, deixando de fora trabalhadores de outros ramos, como sugerem alguns sindicalistas à frente das reivindicações, pelo que os chama atenção “que o Governo deve resolver problemas de todos” e não apenas de uma minoria. Nesta entrevista ao O PAÍS, ele, apegando a estudos de especialistas da Federação, sugere um salário mínimo de 100 mil kwanzas, contrariando os 250 mil das centrais sindicais. Formado em Direito, Cupessala, de 54 anos de idade, refere, porém, que a luta desencadeada pela sua Federação, no âmbito da actualização de categorias, permitiu que funcionários com formação superior saíssem de míseros 34 mil para mais de 400 mil Kz. Convidamo-lo(a), desde já, acompanhar a conversa com um sindicalista que chama para si o mérito de ter encabeçado, sozinho, várias greves em Benguela
Queremos agradecer ao senhor falar para nós em grande entrevista. Quais são os argumentos de razão da sua Federação para insistir na tese de se demarcar da greve?
Ok. O nosso muito obrigado. Eu, na qualidade de líder da Federação dos Sindicatos da Administração Pública, Saúde e Serviços de Angola, nós começamos a negociar com o Executivo desde 2018. Foi naquele ano que nós apresentamos o caderno reivindicativo. Em função das negociações, em 2021, conseguimos assinar um memorando de entendimento para a actualização de categoria dos funcionários públicos do regime geral. Em 2022, o Governo começou a aplicar aqui- lo que nós negociámos. Em 2023, aquilo que foi o acordo entre os três ministérios, os das Finanças, do Território e Reforma do Estado e o ministério da Administração Pública Trabalho, Trabalho e Segurança Social, terminou. E nós fomos de novo bater na tecla para que prorrogasse a data, uma vez que a maioria dos profissionais do regime geral muitos deles não haviam sido beneficiado.
Assim sendo, senhor secretário, objectivamente, o que é que já se cumpriu e o que é que o Governo falta cumprir, no âmbito desse processo?
Dia 6(de Março), nós fomos convidados pelo Ministério da Administração Pública, Trabalho e Segurança Social, na pessoa de sua excelência secretário de Estado, para fazermos um balanço daquilo que o ministério já cumpriu e aquilo que falta por cumprir. Chamou um dos membros do Ministério das Finanças que dizia ‘tudo está a ser feito, em função da capacidade financeira que o país atravessa’. Bem, para nós, para o bem nunca é tarde.
Esse cumprimento de que fala, pressupõe dizer que já se estão a beneficiar de actualização de categorias?
Balanço que se fez, no dia 6 de Março de 2024, estávamos em Luanda reunidos, onde nós foi apresentado o que já foi feito. São 41 mil funcionários do regime geral. E o Ministério da Administração Pública, Trabalho e Segurança Social foi peremptório em dizer que, até neste momento, já conseguiram cumprir com 29 mil 435 funcionários. Esse processo – alguns podem não nos perceber – é que há funcionários que eram auxiliares de limpeza e já tem a formação académica e não sei o quê, saíram de 34 mil para mais de 100 mil …. É uma luta que nós fizemos. As três centrais sindicais têm razões de ser, nós não estamos contra, estamos solidários. Mas nós como acordamos em função da lei, nós só poderíamos aderir à greve se fosse depois de 31 de Junho (de 2024). Neste momento, todos os secretários provinciais dos trabalhadores do ramo de actividade disseram que ‘não podem aderir à greve, porque nós temos um acordo que vai até ao dia 31 de Junho’.
Diz que os secretários provinciais se revêem na posição que o senhor tem estado a manifestar publica- mente, a de demarcação da greve. Mas as centrais sindicais insistem em dizer que essa é uma decisão unipessoal, não reflectindo a vontade do colectivo. Como é que o senhor responde a isso?
Não é verdade. Eu chamo-me Custódio Cupessala. Eu ligo quase todos os dias para todos os secretários provinciais do ramo de actividade. A única província (a) que eu não ligue é Cabinda. Todas as províncias foram unânimes. Disseram-me assim: ‘Faça um pronunciamento, para não estragarmos aquilo que nós conquistamos. Só estou a cumprir aquilo que eles estão a mandar.
Garante que tem guiado por aquilo que os seus pares lhe dizem?
Naturalmente. Porque a Federação não tem trabalhadores filiados directos. Os trabalhadores filiados directos estão com os sindicatos provinciais. Eu sou secretário provincial do Sindicato Provincial da Administração Pública Saúde e Serviços de Benguela. Esse sindicato tem filiados , outros sindicatos também têm filiados, mas Federação não tem. Nós agimos a mando dos secretários provinciais, em função da reacção dos trabalhadores filiados. Em nenhum momento, eu viria ao público fazer um pronunciamento como esse sem o consentimento dos secretários provinciais de todos as províncias do país. Porque eu não faço greve, quem faz greve é o trabalhador. Então nós estamos a dizer assim: ‘Em função daquilo que foi a orientação de todos os secretários provinciais, todos os funcionários do regime geral não devem aderir à greve em função do acordo que nós temos.
Então, no seu ponto de vista, o que é que terá pesado para que as três sindicais partissem para a greve, aprazada para o dia 20?
Esse é um novo processo que começou. As três centrais sindicais surgiram mais tarde. Nós começamos em 2018, é um processo que está a levar muito tempo.
Não tomaram parte das vossas negociações?
Não. Digo claramente que os líderes das centrais sindicais todos são professores – sempre só defenderam o professor. O trabalho que a federação está a fazer está a ajudar todos. Todos os trabalhadores administrativos de todo o sector do país: Educação, agricultura…Estão a se beneficiar, até na Presidência da República.
A vossa acção é que está a resultar nesses feitos?
A nossa acção. Mas os líderes dessas centrais sindicais são todos professores. Nunca ajudaram, nunca olharam para essa franja. Há 23 anos. Graças ao nosso protagonismo, sobretudo a partir de Benguela, que conseguimos atingir aonde atingimos. Agora, nós não que- remos estragar aquilo que nós já conquistamos. Não estamos contra aquilo que é a posição das três centrais sindicais. Dia 6 estávamos em Luanda, conversamos com o secretária de Estado da Administração Pública Trabalho e Segurança Social e ele dizia bem ‘a proposta que foi apresentada pelas centrais sindicais não foi bem feita’. Porque as centrais sindicais devem saber que o Governo não é só dos funcionários da função pública. Tem que ter em conta as empresas públicas e privadas. A proposta que apresentaram as empresas públicas e privadas não vão conseguir. Há algo que aí que não percebemos o que é que concretamente eles querem para o país.
Está a sugerir que, neste momento, não há condições objectivas para que os 250 mil kwanzas como salário mínimo nacional, proposto pelas três centrais sindicais, seja efectivado?
O Governo não vai aceitar essa pro- posta. Aliás, a proposta apresentada pelas três centrais sindicais é o aumento de salário na ordem de 250 por cento. Depois vem outros pontos que constam do caderno reivindicativo que fala do salário mínimo. O Governo não está de acordo porquê? Primeiro é que vai fazer com que a inflação complique o país e também vai complicar a vida daquele que trabalham nas empresas públicas e privadas. Eu sou secretário provincial dos Trabalhadores da Administração Pública, Saúde e Serviços a nível de Benguela. Nós temos filiados nas empresas privadas e públicas.
Essas empresas estariam em condições de praticar um salário mínimo dessa natureza?
Até hoje, há muitas empresas privadas que não conseguem pagar o salário mínimo nacional. Não conseguem. Os 34 mil kwanzas. Não conseguem. As negociações que nós temos estado a fazer, naturalmente, os empregadores dizem ‘epá, nós não conseguimos. Se for assim, o que podemos fazer é diminuir o pessoal e ficar com duas ou três pessoas ‘. E nós não queremos desemprego. Essa é a nossa posição, é só isso.
Essa alegada incapacidade das empresas, apesar de terem ouvido as entidades empregadoras e tudo, como afirmou, o senhor diz com base em um estudo feito pela federação?
A nossa Federação da Administração Pública, Saúde e Serviços de Angola tem pessoas peritas em todas as áreas de formação. Nós temos o conhecimento de algumas empresas que não têm capa- cidade financeira. Dependem daquilo que produzem. Com excepção da Sonangol e as empresas lá dos diamantes, o resto de empresa sobrevive em função daqui que se arrecada. Então, tudo passa por uma negociação para evitarmos desemprego. Só isso. Mas, nós não estamos contra a posição das três centrais sindicais, até porque os líderes deviam optar por uma negociação, no sentido de que o Governo devia lançar a mão na cesta básica. O aumento de salário não vai resolver problema, vai complicar o país. O Governo não tem capacidade.
Quais seriam as implicações?
Repito aqui, estávamos a conversar com o secretário de Estado do Ministério da Administração Pública Trabalho e Segurança Social e diz, concretamente, que ‘o Governo até pode pagar dentro de três meses no valor que se está a pedir, mas, depois de três meses, vamos passar cinco a seis meses sem receber salário. A realidade é essa, o país não tem condições para o efeito, neste momento.
Isso implicaria, naturalmente, como disse, que, até as micro empresas praticassem aqueles valores. O senhor, que é sindicalista, teria capacidade, por exemplo, para pagar 250 mil kwanzas a um funcionário seu?
É assim, vou revelar aquilo que não devia falar aqui. Eu tenho uma hospedaria, no município do Cubal, tenho lá quatro funcionários. Não estou a conseguir pagar os 34 mil kwanzas para os funcionários. E falta ainda, até aqui, os inscrever na Segurança Social, porque a Segurança Social não aceita aquele não paga o seu funcionário o salário mínimo nacional. São situações que nós devíamos resolver. Problema nesse sentido tem de haver uma negociação.
Entre quem e quem?
Entre o Ministério da Administração Pública Trabalho e Segurança Social, na qualidade de emprega- dor do Estado, e, por sua vez, o em- pregador entrar em contacto com o Ministério das Finanças, porque ele é que o detentor das finanças. Só a actualização de categoria, até ao momento que nós reunimos, dia 6, disseram que 29mil 435 é que foram actualizados. Mas um membro das Finanças, que representou o secretário do Orçamento, dizia que ‘há situações que, às vezes, não dá fazer de uma vez, tem que ser de forma paulatina’. Então, nós devemos perceber isto. Mas, nós estamos solidários, a greve deve ser completamente sem problemas nenhum. Acredito que são mais os professores, que sempre fazem greve, são os mesmos que têm direito…Mas o trabalho que nós fizemos beneficiou quase todos os sectores e, nesse balanço que nós tivemos, foi-nos dito que o maior número de funcionários beneficiários são da Agricultura. Esses funcionários são nossos filiados os da Educação, que se beneficiaram, não são nossos filiados. Bem, nós estamos a fazer para todos. Então, estamos claro, e ninguém deve nos perceber mal.
Tem estado a assumir essas posições publicamente de demarcação da greve, isso não lhe cau- sou alguma problema com outros sindicalistas?
Eu recebi, através do whatsApp, acho que deve ser da página da UNTA, onde dizem que o ‘Custódio Cupessala nunca foi funcionário público e nunca será’. E não é verdade isso. Eu quando saio do funcionário, fui professor, na escola 10 de Fevereiro e colaborava na escola do Partido ( entenda-se, MPLA). Na altura, na escola do partido, sua excelência, que já está numa outra dimensão da vida, Kundy Payahama, foi meu aluno. Os que dizem isso não conhecem a pessoa. Eu já trabalhei na Delegação Provincial das Finanças como inspector. Pelo facto de eu discutir com o de- legado das Finanças, na altura, o delegado me despediu. Na altura, o senhor governador era o falecido (Dumilde das Chagas Simões) Rangel. Eu fui me queixar lá. Depois de terem contacto com o delegado, ele dizia que ele ‘só dependia do ministro (das Finanças)’. Foi na altura em que o senhor governador Rangel tirou o Departamento de Orçamento das Finanças para o Governo. Então os que dizem contra mim que eu não fui da função pública não me conhecem.
Acredita que, em função dos seus últimos pronunciamentos, passou a haver uma campanha de desacreditação da sua pessoa, pondo causa, inclusive, a sua idoneidade?
Sim. Não me conhecem, mas estamos firmes. Os trabalhadores que quiserem aderir , por sua livre vontade, devem aderir, mas as consequências vão ter que assumir. Há um processo que está a ocorrer, nós devemos cumprir com aquilo que nós acordamos. É só isso.
“A UNTA não se devia aliar às duas centrais sindicais”
O senhor, na qualidade de membro da UNTA-CS, isso não belisca, em certa medida, a sua posição junto dos seus pares?
Eu penso que, naquilo que nós pensamos, a UNTA sabe, perfeitamente, qual é a posição da Federação do Sindicato da Administração Pública Saúde e Serviços de Angola. Ele sabe. Não pode nos complicar porque algo vai sair mal, não. A UNTA não se devia aliar às duas centrais sindicais.
Por que não ?
A UNTA tem uma linha. O secretário-geral da UNTA se desviou desse processo. As duas centrais sindicais têm outras profissões.
Que linha é essa, senhor secretário, de que a UNTA se terá desviado?
Não vou revelar aqui (risos). Não posso dizer. Mas, esta junção é muito boa, vai despertar o Governo, no sentido de fazer algo para os cidadãos. Mas tem que ser no todo e não é só o funcionário público. O Governo não deve só resolver o problema do funcionário, deve resolver para todo o cidadão. Essa é a nossa posição.
Como é que respondeu às alcunhas a si atribuídas de que era ‘sindicalista’ do Governo?
É o que eu estou a dizer. Eu não faço greve, eu dirijo greve. As grandes greves que aconteceram aqui em Benguela quem dirigiu sou eu. Quem faz a greve é o trabalhador, mas ele tem que ser orientado em função daquela que está a liderar a federação. Então, nesse sentido, nós não estamos contra a posição das três centrais sindicais, podem fazer. Nós, quando começamos a lutar, para conquistar o que nós conquistamos, nunca apareceram.
‘A máquina que faz funcionar tudo é o do regime geral’
Quantos membros tem a Federação?
A Federação controla os sindicatos provinciais do ramo de actividade. Cada sindicato provincial, tem um controle dos trabalhadores filiados. Eu só devo controlar cá, a nível da província de Benguela, acima de 8 ou 10 mil funcionários.
Esses milhares de funcionários se revêem na sua posição?Estão solidários com o senhor?
Alguns trabalhadores ainda são cépticos daquilo que nós estamos a falar. Mas, nós dissemos assim ‘aqueles que quiserem aderir, são livres. O que vier, depois, nós não assumimos, porque não é fácil eu, como líder, todas as vezes ir a Luanda, em péssimas condições, em nome da maioria. Nós só estamos a cumprir aquilo que foi dito de forma unânime dos secretários provinciais da Administração Pública Saúde e Serviços. Então, a mensagem é esta que fica. As três centrais sindicais podem avançar com a greve, sem problemas nenhum. Eu sei que a máquina que faz funcionar o país são os do regime geral. Para nós conseguirmos a assinatura do memorando, que levou à actualização de categoria, eles perceberam se, realmente, essa franja de trabalhadores parar, o país pára na totalidade.
Está a transmitir a ideia de observância de uma certa cautela, é isso?
Naturalmente. Os professores podem greve, outros podem fazer greve, mas não haverá impacto se, de facto, o regime geral aderir. Ainda não podemos entrar em conflito com a lei, porque temos um acordo.
Desde que assumiu essa posição de se demarcar, manteve algum contacto com outros sindicalistas?
Tenho tido contacto com algumas províncias. Cultura, MINARS e outros sectores e eles abraçam a nossa posição.
Falando da agricultura, esse sector seria capaz de praticar o salário mínimo nacional exigido ao Governo?
De facto, os salários que se aufere, actualmente, não são suficientes, mas é preciso nós apresentarmos alguma proposta que vai de encontro com todos os sectores, quer da função pública, quer das empresas públicas e privadas.
E qual seria a proposta de salário mínimo nacional para a Federação, de acordo com estudos feitos?
Dia 6, que estivemos reunidos, o secretário de Estado disse que, se ainda avançasse, com 20 ou 25 por cento o Governo podia ainda contar. Nós como Federação não somos apologistas desta forma de salário em forma de percentagem, porque isso só beneficia aqueles já auferem salários maiores. O Governo o que devia fazer é dizer as- sim: ‘Nós vamos alterar o salário, mas cada funcionário vai receber se é 20 mil kwanzas ou 10 mil ou 30 mil kwanzas. Tudo que se faz em forma de percentagem, prejudica aqueles que auferem salários baixos. Nós não estamos de acordo com isso, mas também não estamos de acordo com os 100 por cento. Nós só estamos a cumprir aquilo que nós acordamos. Depois do período determinado terminar, e fazermos o balanço se, de facto, o Governo resolveu ou não resolveu.
Então, objectivamente falando, a Federação ainda não tem uma proposta?
Para situação das necessidades que os funcionários atravessam hoje, o mínimo devia ser 100 mil kwanzas. É o mínimo. Mas depende da capacidade do próprio Governo também. Nós estamos em contacto com os nossos colegas que têm a formação em economia. Se nós formos, para salário de milhões, o país não vai para longe. Vamos passar a comprar um pão a cinco mil. Isso não será possível. Vamos apresentar proposta que o Governo consegue resolver, e é para todos, porque o Governo não é só função pública. É o Governo de todos os cidadãos do país.
São as conclusões a que chegaram os vossos especialistas?
Naturalmente. Até que o Governo encontre mecanismos para resolver o problema do país, porque, neste momento, está em causa a questão da cesta básica. O Governo devia lançar mão na subida e baixa da cesta básica. De resto, podemos aumentar, cada um receber 10 milhões, 20 milhões, só vamos criar conflitos.
POR: Constantino Eduardo