Helequena, um nome com origem numa língua na região Songo, que traduzido em português significa ‘Sem dó nem piedade’, encontra-se há mais de 10 anos encarcerado numa das celas de uma prisão em Malanje. Não pude conhecê-lo numa das viagens que fiz à região Songo. Mas a curiosidade era tanta. Afinal, não é todos os dias que se pode conhecer um serial killer, daquelas que só aparecem nos grandes filmes de Hollywood e com milionárias receitas de bilheiteira.
Dizia-se, há mais de uma década, que Helequena terá morto mais de sete mil pessoas, uma versão que até as próprias autoridades do Luquembo e de outras partes de Malanje e arredores corroboraram. Pessoalmente, até hoje, depois de ter escrito esta reportagem, não me revejo nos números apresentados. A serem verdadeiros, estaríamos perante um dos maiores criminosos do mundo, embora uma única vida já retirada de maneira fria seja capaz de colocar o seu autor no pedestal das acções deploráveis.
O certo é que o nosso suposto serial killer, já entre os anos de 2010 e 2014, usava um expediente que consistia em dar de beber um produto aos cidadãos acusados de práticas de feitiçaria para que pudessem comprovar as suas inocências ou então verem certificados de que fossem na verdade o que se dizia. A verdade, pasme-se, é que a maioria acabava por morrer. E não poderia ser diferente. São poucos os que resistiriam a uma mistura quase explosiva de produtos derivados da junção de derivados de camaleão, sapo e electrólito que se ofereciam aos populares, que dado ao obscurantismo viam neste falso curandeiro solução para encontrar os populares que supostamente eram feiticeiros.
Atribui-se a este fenómeno de mortes o nome de ‘Mbambo’. Pasme-se, exactos 10 anos depois, mais de 45 pessoas tenham morrido depois de ingestão de um outro produto, desta vez, apelidado de ‘Mbulungo’, também para suposta descoberta de feiticeiros. E existe um denominador comum: a província do Bié, onde as mais de quatro dezenas de pessoas morreram entre Dezembro de 2023 e Fevereiro deste ano. Trata-se de um acto animalesco que deve merecer a pronta resposta das autoridades e da própria sociedade.
Não se pode, nem a brincar, permitir que o analfabetismo, pobreza e obscurantismo leve a que alguns se aproveitem a ponto de fazer da vida das pessoas um mero objecto de diversão. Assim como o Helequena, que hoje ainda deve estar nas masmorras em Malanje, é preciso que se encontrem os seus seguidores no Bié, onde por sinal o ‘Sem dó nem piedade’ foi encontra- do há uma década.