A conversa em casa do José Santana Vouco foi em torno das autarquias. Era apenas sobre isso no longínquo ano de 2018, momentos depois de o Presidente da República, João Lourenço, se ter debruçado sobre a possibilidade da sua realização tempos depois.
Naquela fase, o meu interlocutor mostrava-se apreensivo. Não quanto à realização destas eleições, indispensáveis para a vida do país e das suas comunidades, mas principalmente sobre outros males que pode também propiciar, à semelhança do que vamos assistindo em muitos países com democracias mais consolidadas.
Não vão as aves do mau agoiro praguejar-me por entenderem nas suas entrelinhas que seja contra as autarquias. Nada disso.
Apenas se levanta a possibilidade de nos começarmos também a preparar para, num determinado momento, o surgimento em municípios ou até mesmo comunas de famílias reinantes, em termos políticos e económicos, que se poderão assenhorar dos destinos e dos negócios que estas circunscrições vão trazer.
Quem acompanha a política brasileira e portuguesa, por exemplo, saberá do que se fala.
Por estes dias, com o assunto da Madeira na berlinda e outros, poucos se lembrarão da existência de outros caciques nas municipalidades ou freguesias que se habituaram a fazer negócios com eles próprios.
Angola, com os males que já advêm de um passado que pretende ver expurgado, não será excepção alguma.
Aliás, dizia o companheiro José Vouco que as autarquias significarão, igualmente, uma espécie de municipalização da própria corrupção.
Ele teve como base, seguramente, os maus exemplos que partem dos territórios com os quais estamos ligados quase que umbilicalmente.
A chegada das autarquias implicará a repartição do poder político. Há quase unanimidade de que não haverá um único que dominará todas as circunscrições mesmo em caso de gradualismo.
Porém, entre novos e velhos senhores, aparecerão sempre aqueles que se sentirão deslumbrados com o poder e as benesses que sempre lhe acompanham, podendo mais tarde penetrarem no tráfico de influência para as empreitadas e outros serviços, assim como ao compadrio.
Ontem, por exemplo, por causa das makas no Programa Integrado de Intervenção aos Municípios (PIIM), em Malanje, ficámos a saber que parte das empreitadas em atraso estão ligadas a uma mesma empresa.
Qualquer um se poderá questionar que instituição é esta que tenha recebido dinheiro e não concluiu, mas ainda assim os seus responsáveis circulam como se nada se tivesse passado? Trata-se de um caso em que a Procuradoria-Geral da República já foi chamada, esperando-se que os resultados sejam apresentados brevemente.
Na época das autarquias, quando lá chegarmos, se Deus quiser, teremos muitos pratos do género que nos serão servidos pelos autarcas e seus próximos.
A não ser que sejamos mesmo um povo especial, como se disse há bastante tempo.