Falsos pastores e líderes religiosos escondem-se nas vestes de “bons samaritanos” e fazem cada vez mais vítimas, abusando sexualmente das fiéis, dentro e fora da igreja. Aquelas que procuram resolver os seus problemas na igreja estão a ser ludibriadas e a sair destas com mais problemas. O MASFAMU, o MININT e os psicólogos lutam para que estas pessoas sejam desmascaradas e não façam mais vítimas
O escândalo sexual tomou conta da Igreja Pentecostal Renascer em Cristo Jesus, no bairro Seis Cajueiros, em Viana, quando três mulheres, em Março de 2023, decidiram vir a público denunciar, na TV Zimbo, os abusos sexuais que sofreram por parte do líder religioso.
As mulheres, que estavam com problemas de vária ordem, como “infecção que não curava”, “estar a ver espíritos”, entre outros, viram a igreja como o local certo para a solução. Entretanto, conversas de sexo, pedido de beijos nas crentes e tentativa de estupro fizeram com que as jovens desconfiassem das intenções do pastor, a quem chamam de “papá”.
Partilharam a informação com as outras jovens da igreja e tomaram conhecimento de que existiam outras vítimas, inclusive de alguém chegou a ficar grávida do pastor e obrigada a abortar a gravidez. O caso espoletou uma reunião com os demais líderes da igreja, que não ficaram surpresos porque sabiam que o “papá” tinha tais desvios.
Casos como estes se tornaram comuns em muitas igrejas e ceitas religiosas, como nos confirmou a directora nacional para Equidade e Igualdade do Género do Ministério da Acção Social, Família e Promoção da Mulher (MASFAMU), Conceição Nhanga, tendo acrescentado que o número é maior nas ceitas, e são cobertos de complexo, uma vez que na maior parte dos casos são os próprios membros a protegerem o agressor.
O Centro de Aconselhamento Familiar de Referência, um órgão do MASFAMU, onde registam todo o tipo de violência doméstica, e não só, tem anotado as violações sexuais a nível das igrejas e ceitas também. Embora não tenham o registo do número específico de casos, uma vez que juntam todos os tipos de violência, quando recebem, e encaminham para os parceiros como a Polícia ou o Serviço de Investigação Criminal.
“A violência sexual no contexto das igrejas tem sido repugnante e preocupante, isto porque a igreja é parceiro do Estado, nós trabalhamos com o CICA, e devia ser diferente. Quando registamos estas denúncias, procuramos suporte ao CICA para saber como estão a tratar a situação a nível desta organização”, disse. Defende ainda que há necessidade de se aumentar a fiscalização das igrejas, colocar um travão no surgimento de ceitas, principalmente, com culturas muito diferentes das nossas.
Seguimento dos casos para dar segurança às vítimas
Nestes tipos de casos, o MAS- FAMU acompanha psicologicamente a família e a vítima, as- sim como o processo criminal, de modo que a lesada não regresse ao centro pedindo apoio no seguimento do caso junto das autoridades, tendo em conta que o agressor, muitas vezes, continua (ou já foi) solto, por exemplo. Antes disso, disse que o trabalho do MASFAMU tem sido também sensibilizar as comunidades no sentido de se manterem atentas relativamente às práticas nocivas de alguns pastores.
“Muitos, por causa da crença ou da fé, não conseguem identificar quando é que uma prática do líder espiritual se traduz em abuso sexual contra a criança, menina, menino e/ou mulher”, sublinhou. Todos os dias recebem denúncias de violência sexual e, de entre elas, casos que envolvem os pastores ou líderes religiosos, segundo a entrevistada.
Nos crimes de violência sexual, quando denunciados, o agressor é logo de- tido, contudo, seja qual for a medida cautelar que lhe for aplicada pelo juiz de garantia ou o procurador, a prisão preventiva tem sido a medida mais frequente, sobretudo para o abuso a menores de 12 anos. Porém, a prisão preventiva tem um determinado limite, por isso, Conceição garantiu que, enquanto decorrem os trâmites legais, mesmo depois de o indivíduo ser solto, o MASFAMU aguarda e acompanha o desfecho no tribunal.
Pastor convence que menina com epilepsia estava possuída pelos espíritos
Um caso recente que o MASFAMU acompanhou é de uma senhora que veio de uma outra província, especificamente para cuidados do pastor aqui, em Luanda, e durante este processo o pastor começou a abusar dela sexual- mente. Quando a senhora fez a denúncia, activaram o Serviço de Investigação Criminal. A senhora foi mandada de volta à província de origem pela própria ceita, para que esta não seja acompanhada pelo MASFAMU ou o caso ficasse arquivado.
O pastor era o líder da ceita e esta foi a medida que alguns fiéis adoptaram para abafar o escândalo. A entrevistada contou um segundo caso, de uma menina, de 11 anos de ida- de, que sofria de epilepsia e, segundo o pastor, a crise epiléptica era um demónio que se encarnava nela, pelo que para a cura esta de- via fazer banhos no santuário da igreja, completamente nua. “Há um trabalho muito grande a ser feito, de educação, pois algumas famílias entendem que, quando têm um problema, a solução está nas mãos dos pastores.
Se o problema estiver com uma menina de 10 ou 11 anos, deixam a me- nina à mercê do pastor. São as próprias mães que facilitam isso. Temos que trabalhar na mudança de mentalidade com o apoio de todos”, apelou Conceição Nhanga. Na cidade de Luanda, os municípios de Viana, Cazenga, Cacuaco e Belas são os que mais engrossam os balanços dos casos de abuso sexuais.
“Alguns casos são abafados na igreja. Devemos aumentar a cultura de denúncia”
Para o director do GCII da Delegação do MI- NINT Luanda, Hermenegildo de Brito, alguns casos, prova- velmente, são abafados na igreja e, inclusive, no seio familiar por vergonha ou por outra razão. As- sim, tem sido difícil medir o que ocorre, uma vez que têm a denúncia como o mecanismo para tal. O MININT apresentou o registo apenas de três casos, no ano passado, de abusos sexuais contra menores de 14 anos ocorridos nas igrejas.
O Ministério sabe que podem ter ocorrido mais casos, mas as forças do MININT tratam apenas dos que chegam aos seus piquetes por meio de denúncia. O entrevistado refutou que o grande calcanhar de Aquiles tem sido a ausência de denúncia. “Havendo denúncia, os casos tendem a diminuir. Sem denúncia, ficará muito difícil e teremos crianças com grandes traumas. Não se de-nuncia e, por conseguinte, a vítima fica entregue à sua sorte”, sublinhou. Hermenegildo de Brito disse ainda que muitos abusadores tiram proveito da sua condição ou posição social para perpetrarem este delito, por um lado.
Por outro, apontou a vulnerabilidade da vítima e a falta de conhecimento. Há os que não denunciam o pastor com medo de represálias por parte da comunidade religiosa e, em consequência, a criança padece de traumas porque a família tem medo de denunciar. A delegação do MININT tem trabalhado com as igrejas no sentido de disseminar e contar com o apoio espiritual para iluminar e purificar as almas. “O que nos inquieta é que nalgumas dessas igrejas por onde passámos ocorreram casos de abusos sexuais. Não conseguimos perceber como aquele que deve aconselhar, deve dar colo, é quem pratica o abuso? Chegamos a pensar que as crianças e adolescentes não estão seguras onde deveriam ter afecto e protecção”, sustenta.
O entrevistado defende que esta luta é hercúlea e a Delegação do Ministério do Interior em Luan- da vai continuar com esta campanha, até o dia em que não se fale com naturalidade que uma criança foi vítima abuso sexual. “A responsabilidade é de todos e de cada um”, disse. Importa frisar que o jornal OPAÍS contactou também o INAC para ver se nos fosse disponibilizado apenas dados de violências sexuais ocorridas no seio da igreja e tivemos a mesma resposta dada pelo MASFAMU: não estão estratificados, têm dados de violência no geral.