Oitocentos e 12 mulheres que padeciam de fístula obstétrica (uma lesão entre a bexiga e a vagina ou entre o recto e a vagina, provocada por um parto demorado) foram operadas no hospital Walter Strangway, na província do Bié, durante as campanhas massivas de cirurgias realizadas em três anos
Mais de 100 mulheres que padecem desta doença, que é considerada uma das lesões de parto mais graves e trágicas, vão ser operadas durante 10.ª campanha massiva de cirurgia, que teve o seu início na segunda-feira, revelou ao jornal OPAÍS o director-geral da instituição, David Abel.
O médico explicou tratar-se de senhoras, anciãs e crianças que terão a sua vida de volta ao normal, isto é, sem as anomalias que esta doença provoca. O responsável máximo do hospital Walter Strangway disse que só, no segundo dia desta campanha, que vai decorrer até ao dia 22 de Janeiro, já estavam inscritos 108 mulheres, na sua maio- ria vindas da província do Moxico.
De entre elas, 30 dirigiram- se ao hospital propositadamente para serem operadas. No entender de David Abel, o número de paciente tende a aumentar e, se a equipa médica não puder operar todas registadas até ao último dia, vai marcar-se uma outra campanha ainda no terceiro trimestre deste ano. Trata-se de um procedimento que se adoptou com vista a satisfazer as pessoas que procuram aflitas por ajuda médica especializada para este fim. “As campanhas têm tido impacto positivo nas senhoras, tendo em conta que muitas vivem com a fístula há mais de três, cinco e 10 anos.
Outras há que chegam a conviver com a patologia até 20 anos”, detalhou. De acordo com o especialista, muitas mulheres chegam a ser abandonadas pelos maridos e familiares por causa desta do- ente. Sublinhou que outras acabam tendo problemas psicológicos graves, já que quase todas perdem o emprego. No entanto, conta que, depois de serem operadas, tem sido notório o regresso da auto-estima de cada uma e a alegria estampada nos rostos.
“Ganham dignidade, recuperam a vida normal e voltam a trabalhar”, frisou. Em relação aos sintomas da doença, explicou que as pacientes com fístula obstétrica registam “perda de urina, de forma descontrolada ou continência urinária”. Para ser mais preciso, disse que normalmente as “pessoas com essa doença, quando vão para casa de um familiar, o sobrinho é que diz que a tia está a cheirar xixi. A doente, por sua vez, acaba por se afastar”.
Atendendo as dificuldades por que as senhoras com essa patologia passam no momento de executar determinadas tarefas, acabam por ser discriminadas e estigmatizadas, o que as força a isolar-se socialmente. David Abel salientou que, na sua maioria, as pacientes são jovens, com idades compreendi- das entre 15 e 19 anos, e chegam a tentar o suicídio. No entanto, já registaram a patologia em criança de 13 anos. Quanto às causas desta doença, o director-geral do hospital Walter Strangway apontou o casamento precoce como sendo uma das principais, apesar de a patologia também se registar em mulheres mais velhas, isto é, dos 30, 40 e, inclusive, de 60 anos.
Para fazer prova disso, afirmou que, no grupo de pacientes que estão a ser operadas, há duas senhoras que já se encontram na terceira idade. Sublinhou que a fístula obstétrica surge também devido à complicação do parto, bem como naqueles casos de mulheres grávidas em que a fístula provoca uma comunicação anormal entre o canal do parto e a uretra ou com o ânus. “O canal do parto se comunica com a uretra e a urina sai sem controlo”, explicou.
Zonas rurais com mais registo de fístula obstétrica
“Essas situações registamos com frequência em mulheres que vivem nas zonas rurais, onde os cuidados de saúde não são favoráveis. Há uma distância considerável entre a casa e o centro médico. Elas não têm acompanhamento pré-natal e o nível de escolaridade é baixo”, detalhou David Abel. Casos do género têm acontecido em mulheres que entram em trabalhos de parto muito prologando, isto é, que levam de três a cinco dias para darem à luz, ou ainda em situações designadas de partos obstruídos. Tal ocorre naqueles casos em que a cabeça do bebé é maior e regista-se dificuldade para passar no canal vaginal, pelo facto de a gestante ser menor de idade.
Porém, disse, o treinamento de parteiras a nível das comunidades deve ser mais abrangente, promover o planeamento familiar e educação para saúde; seguindo isto, a fístula será eliminada. “Actualmente, nos países desenvolvidos, não existe esta patologia”, sublinhou. De acordo com David Abel, por ser uma unidade de nível nacional, recebem pacientes provenientes de diferentes províncias como Cuando Cubango, Huambo, Cuanza-Sul, Benguela, Malanje, Luanda, Cuanza-Norte e Moxico. “Apelamos a todas as mulheres que padecem de fístula obstétrica a se deslocarem ao hospital Walter Strangway e lá serão acolhidas e verão resolvida a patologia”.
Quanto aos recursos humanos, Daniel Abel garantiu que todos os funcionários do hospital estão envolvidos na campanha, porém contam ainda com o apoio do hospital materno-infantil Azancot de Menezes, na província de Luanda, desde o princípio. Hospital Walter Strangway tem capacidade para 320 camas, conta com mil e 386 funcionários efectivos, 127 médicos internos de diferentes especialidades e 57 médicos especialistas angolanos e cubanos.