É amplamente conhecido o seu currículo de excelência enquanto nacionalista, desportista, músico, académico e político, currículo que figura naturalmente no centro das diversas abordagens que temos acompanhado desde que se abateu sobre nós a notícia do infausto acontecimento do passamento físico de Ruy Mingas, meu cunhado, pessoa por quem sempre nutri profundo afecto, respeito e admiração.
Mas, do que quero falar é de um outro aspecto da sua personalidade, absolutamente marcante e que tem a ver com o culto que fazia dos valores da família e da amizade ao ponto de não aceitar, por exemplo, interferências políticas no seu relacionamento com familiares e amigos.
Tinha o entendimento raro de que as diferenças políticas não justificavam afastamento, menos ainda, conflitos entre familiares e entre amigos.
Ao não aceitar que divergências políticas prejudicassem o relacionamento entre familiares e entre amigos, demonstrava uma atitude tolerante, dialogante e democrática; ao reconhecer que as pessoas são mais do que as suas preferências políticas, e que é possível conviver e cooperar com quem pensa de forma diferente, estava também a contribuir para a causa da democracia, por promover dessa forma uma cultura de paz, de pluralismo e de cidadania activa.
Além disso, evitando a discriminação, a exclusão e o conflito baseados em diferenças políticas, reforçava o princípio de inclusão social e política, princípio imprescindível para o reconhecimento de todos os cidadãos como membros da sociedade. Vivenciei isso na forma como geriu, então, o seu relacionamento com a irmã, minha esposa e comigo.
Com efeito, depois da tomada do poder pelo MPLA, nos primeiros anos de independência, na sequência do processo de consolidação do regime ditatorial, instalou-se claramente no país um sistema de pensamento único.
Quem não seguisse a orientação ideológica e política do regime era considerado reacionário e uma vez rotulado inimigo do povo e agente do imperialismo, seria no mínimo condenado ao ostracismo.
Eu próprio, Amélia Mingas, minha esposa e os demais membros da Revolta Activa (RA), entre outras correntes de opinião, não escapamos à onda avassaladora de isolamento social e de hostilidade política que caracterizou o sistema de partido único.
Em consequência, contactos connosco eram evitados pela generalidade das pessoas por medo de serem incluídas no círculo de pessoas suspeitas e acto contínuo, serem de imediato marginalizadas pelo regime o que era prática comum.
Quando fui detido por ter feito parte da RA, a referida atmosfera tóxica não foi suficiente para dissuadir Ruy Mingas de me visitar na cadeia uma, duas, três, n vezes.
É, sem dúvida, um tipo de comportamento completamente fora dos padrões da ordem estabelecida, uma extraordinária lição de humanidade e um exemplo de cidadania que o tornaram uma das pessoas especiais com quem convivi.
Obrigado, meu Cunhado pelos laços de fraternidade plena que soubeste criar e fortalecer entre nós. Descansa em paz.
Por: JOTA CARMELINO