O baixo rendimento nas vendas, a ausência de clientes e de turistas, são apontados como os factores que tem contribuído para o mal estar no seio dos artífices, assim como o encerramento de alguns espaços de referência, em termos de obras na cidade capital
Esculpir o tronco de uma árvore, uma pedra, uma madeira ou juntar artefactos para transformar em obra de arte, não é tarefa fácil para quem o quotidiano é marcado por crises e correrias constantes, não obstante o desejo de continuar a trabalhar ou passar o seu legado aos mais jovens. São profissionais de várias idades e fazem da arte a maior fonte de sustento para as suas famílias.
Muitos deles aprenderam a profissão com o pai ou o avô, ainda pequenos, e com o passar do tempo tornaram-se excelentes fazedores. Vos falámos de alguns dos mais antigos escultores de Luanda, localizados nos mercados do Artesanato do Distrito Urbano do Morro dos Veados, da Samba, da Ilha, do Golfo 2 e de Viana.
A maioria desses profissionais tem mais de 50 anos de idade e 30 ou 40 de actividade activa. Quanto se sabe, uma boa arte deles foi durante vários anos responsável pela formação de vários jovens em oficinas ao vivo realizadas a céu aberto, no antigo Mercado do Artesanato do Benfica, da Samba, da Ilha e do Golfo 2.
Hoje, assombrados pela crise, dizem sentir-se abandonados ou pelo menos esquecidos pelas entidades ligadas ao Sector da Cultura e do Turismo, por nada fazerem para divulgar os espaços de venda do artesanato na capital e estes profissionais são obrigados a montar postos avançados a poucos metros das suas bancadas para atrair possíveis clientes às suas bancadas.
Trata-se de um procedimento que na maior parte dos casos tem levado alguns vendedores aos extremos, que muitas vezes terminam em agressão física ou verbal entre si.
O trajecto até ao local de venda
A azáfama começa ao amanhecer, com correrias nas suas zonas residenciais, com dificuldades no acesso ao transporte, os famosos táxis, Azul e Branco ou turismos, para a área de labor, a que se juntam diariamente extorsões de passagens pelos senhorios destes veículos e o orgulho do encurtar de rotas, subindo a corrida.
O cansaço e o aborrecimento é constante e toma conta de todos artífices, pese embora uns tentem disfarçar. É visível a tristeza no rosto de cada um, e para quem as dificuldades se manifestam logo à partida, para o local de trabalho, o regresso a casa torna-se ainda pior.
A nossa reportagem neste sentido incidiu sobre estes espaços de venda de artesanato, que por sinal, são muito reduzidos ou quase inexistentes, sobre o dia-dia dos artesãos e as peripécias por que têm passado.
Tendo em conta o actual clima que se vive, muitos foram os escultores que se remeteram ao silêncio, escusando-se a omitir os seus pontos de vista, alegando que muito já se falou sobre o assunto e nada melhorou, e, neste caso particular, um interlocutor poderia falar por todos.
C o m e ç a – mos no maior Mercado do Artesanato de Luanda, localizado no Distrito Urbano do Morro dos Veados, município de Belas, junto ao Museu Nacional da Escravatura, justamente, na área da escultura, a primeira e a maior daquele espaço, onde podemos observar um conjunto de peças representando a fauna, os reis de Angola e a biodiversidade.
É possível encontrar ainda nesta área, instrumentos musicais, como o reco-reco, o batuque, a marimba e o kissanji. Juntam-se a estas, máscaras diversas, mapas, estátuas feitas de troncos de árvores, entre outros artigos.
Segue-se a bijuteria com colares em pedra verde, pulseiras, entre outras obras, mas, que não tem tido tanta saída em termos de vendas. Neste sector, abordamos o artesão, Tiki Ty, Mestre há 52 anos e um dos mais antigos escultores e vendedores do mercado.
Indagado quanto ao quotidiano dos artesãos e impacto dos proventos adevindos das suas criações, Tiki Ty, referiu que pouco ou quase nada se tem adquirido, uma vez que os turistas que movimentavam o mercado deixaram de frequentá-lo, muito antes da pandemia da Covid – 19 estar generalizada em todo o planeta.
O artista admitiu existir uma queda enorme em termos de venda de obras, situação que, no seu entender, criou, nos últimos tempos, um mal estar entre colegas, forçando alguns deles a renunciarem a arte.
Persistir na arte para sobreviver
O escultor recordou que os poucos colegas que ainda persistem na preservação da arte já não produzem grandes peças, semelhantes às que se viam anteriormente nas suas bancadas, nas exposições, nos catálogos ou em revistas, uma vez que ninguém as compra.
Preocupado com a situação, o artista realçou que para garantir o pão e as passagens diárias de táxi, a maioria dos colegas optou por executar peças em miniatura, enquanto de maior dimensão permaneçam em manutenção até que a situação se estabeleça.
“Não paramos porque temos famílias sob nossa responsabilidade. Ao ficar em casa de braços cruzados, acabaríamos por criar outros problemas”, desabafou, Tiki Ty, acrescentando que certas vezes os artífices passam semanas ou até mesmo meses sem vender uma peça.
Questionado ainda quanto ao destaque da produção em miniatura, Tiki Ty salientou que as atenções incidem, sobretudo, para os famosos hipopótamos, crocodilos, embondeiros, tartarugas, elefantes, estátuas da Rainha Njinga, dos bailarinos, mapas, entre outros artigos.
“Como se deve ter apercebido, aqui, o clima é de relativa tristeza. Não se vende nada. Veja em que situação chegamos”!, desabafou o escultor, acrescentando, que certas vezes, para espantar o stress do dia, alguns colegas partilham o pouco que conseguem para ajudar os outros em termos de passagens, para garantir o regresso a casa e vice-versa.
O artista realçou, igualmente, que a falta de clientes tem provocado um mau estar entre colegas e certas vezes, uns ao perceberemse da chegada de alguém, vão ao seu encontro correndo e puxamno para junto das suas bancadas. Esta situação, segundo o nosso interlocutor, tem levado alguns colegas a extremos que certas vezes terminam em conflito.
“Somos homens, viemos ao mundo e não vamos chorar todos os dias por falta de turistas. Entregamos tudo a Deus. Faltam turistas e faltam também clientes. Não soubemos que rumo tomará o país.
Portanto, Deus decidirá”, sustentou. O escultor de 64 anos, lamentou também o facto de muitos profissionais da área estarem a passar por momentos difíceis e sem recursos para inverter o quadro que se agrava a cada dia.
Pouca divulgação do espaço
Um outro aspecto manifestado por Tiki Ty, e que muito preocupa não só os artesãos, assim os poucos turistas, que de forma tímida se vão arriscando a chegar ao local, devese à falta de divulgação do espaço, o estreitar da via, assim como o engarrafamento, associado à fraca presença de entidades ligadas aos sectores da Cultura, Turismo e do Ambiente.
O escultor apontou ainda a localização do mercado naquela circunscrição como um dos factores que tem contribuído para a ausência do público, o que de certa forma, não permite a que se tenha uma visita regular.
“Vivemos distantes e a localização do mercado nesta zona não permite a que todos o alcancem de forma privilegiada”, disse Tiki Ty, acrescentando que a situação agravase ainda mais com a falta de interesse das entidades de direito, e, continuar assim, ficariam esquecidos no tempo.
Via de acesso ao Mercado de Artesanato ‘afugenta’ visitantes
Quanto pudemos constatar ainda no local, além do fracasso nas vendas, a falta de protecção das peças que se encontram fora das bancadas continua a ser um dos principais problemas.
Para ampará-las, os escultores, servem-se de uma lona deteriorada e pedem a administração do mercado, no sentido de resolver a situação, de modo a evitar que estas se deteriorem com os efeitos nocivos do sol e da chuva. Indagado sobre a situação das bancadas, o escultor referiu que estão muito bem organizadas.
Têm um tecto à altura e nela as peças estão seguras. Mas, segundo argumentou, a parte exterior desta tem tirado o sossego, devido à degradação acentuada da lona e quando chove entram todos em desespero.
“Quando a chuva estiver a cair, a lona improvisada para amparar as peças é arrastada pelo vento. É uma situação que tem criado inúmeras dificuldades na sua protecção”, disse.
Para dar maior comodidade às referidas peças e devolver dos anfitriões, o escultor desafiou o ministro da Cultura e outras entidades ligadas à hotelaria e turismo, a visitar o mercado para se inteirar do seu estado e encontrar soluções para inversão do actual quadro. “As pessoas reclamam da distância e desistem.
Não há divulgação do mercado. É necessário que se promovam actividades culturais ao redor do mercado para que se tenha maior afluência do público”, sustentou.
Questionado quanto à manutenção do acervo, o artista referiu que o processo é observado à Segunda-feira, em casa, de modo a evitar custos na transportação regular, de casa para o mercado e vice-versa.
Prosseguindo, a nossa visita estendeu-se a área têxtil do mesmo recinto, onde encontramos panos diversos, com destaque para a Samacaca, quimones, pano do Congo, calçados tropicais feitos no local, chapéus diversos e bandeiras, a preços bonificados.
Dando sequência chegamos à área reservada à cestaria, por sinal, uma das mais movimentadas em termos de actividades ao vivo, que por sua vez, chama a atenção com um acervo constituído por seus chapéus enormes, para trabalhos de campo, pasto, esteiras, tabuleiros, bolsas, garrafeiras feitas com caniço, berços para criança, abanos, mas também, com saída tímida.
Espaços desarticulados criam oportunidades para os burladores
Nos outros espaços, como da Samba, do Golfo 2 e de Viana, pouco ou nada podemos colher, por se encontram desactivados. Uns por força das chuvas, outros por falta de clientes. Sabe-se, no entanto, que o pouco acervo que eventualmente ali aparece é comercializado de forma isolada.
Mas, o baixo nível de vendas está de facto associado à ausência de clientes nesses espaços. Na pitoresca Ilha de Luanda a situação não difere muito a do Mercado do Artesanato do Morros dos Veados.
Enquanto se mantém a ausência de clientes, os proprietários de algumas obras aproveitam a presença de alguns visitantes para deleitá-los com histórias de cada uma das peças exibidas nas suas bancadas.
Aproveitam também o momento para alertá-los a prestarem maior atenção na compra de algumas peças, uma vez que burladores ou piratas há que se fazem passar por mestres, enquanto não o são.
E, quando lhes são colocadas ferramentas para executar uma obra, fogem, alegando falta de tempo. Muitos desses indivíduos compram peças e vendem-nas como se fossem autores, fazendo-se passar por mestres, uma situação, que, no entender de alguns artífices, já está controlada.