Apresente abordagem tem como objecto de leitura analítica a música do angolano rap Gang “Chuva de comida” e da obra literária, A queda do cão cidadão, do escritor angolano Dias Neto.
Aproveitamos, desde já, para sublinhar que embora sejam objectos de natureza distinta, por exemplo, a primeira, isto é, a música de estilo kuduro de forma geral, é menos exigente a nível da sintaxe que privilegia o improviso, animação e a criatividade, portanto, não implica que os seus fazedores não tenham domínio da língua portuguesa.
Já a segunda, a obra literária dá azo à sintaxe e a semântica dos seus géneros e subgéneros sem pôr em causa à criatividade, à imaginação, à ficcionalidade dos seus cultores e outros vectores que concorrem para efectivação psicocrítica da obra artística.
O dito, na presente abordagem, não se circunscreve à pirâmide da hierarquização, à da esteira da valoração nem abre acepções de juízos sob as lentes da ética entre uma e outra.
Pois que, a presente comunicação, por um lado, prende-se à aferição do discurso alegórico que se serve da ficcionalidade para sinalizar, por meio da palavra cantada, o mote de abundância, de esperança e, sobretudo, do contra as condições do tecido socioeconómico e seus valores morais.
Por outro lado, em Dias Neto, aferição sociológica sobre o lugar do homem na sociedade angolana, suas condições humanas que abrem acepções de representações metafóricas que implicitamente comparam a vida do cidadão a do cão e plurissignifica – lhes aquando da aglutinação figurativa reducionista “cão cidadão”.
O Professor Doutor Paulino Soma, 2015:22, recorda-nos que não podemos esperar que uma língua seja exactamente a mesma em contextos socioculturais e geográficos diferentes. Tal proposição sustenta a criatividade sociolinguística, vejamos: vida de cão para cão cidadão.
E aproveitamos fazer uma colação: tem padrinho na cozinha para cágado no executivo Elas manifestam-se como práticas representativas em que há uma consciência colectiva impregnada na singularidade da expressão da obra literária ou da musical.
Assim sendo, servimo-nos de práticas e representações para subscrever o pensamento sociológico de Almeida, 1994:229, que nos alerta que as representações são avaliações cognitivas que os indivíduos e grupos fazem sobre qualquer aspecto das condições de existência.
E nesta senda, tanto em “chuva de comida” como em título “a queda do cão cidadão”, assiste-se a representações semânticas do imaginário e histórico angolano sua plurissignificação.
Isto é, vimos a nossa existência social e necessidades, tendo em conta a pirâmide de Maslow, a serem interpretadas com recurso à psicanálise em que todo o desespero estagnado no nosso consciente é abalsamado e aceitado pelo nosso inconsciente. Daí que, negamos a realidade e acreditamos fielmente numa chuva de comida como solução.
A representação estende-se às crenças, por se crer que a chuva seja um acto divino depositamos a continuidade da nossa existência social a Deus.
Ambas obras, a primeira sob o prisma da palavra cantada em que se privilegia alegoria como mecanismo de conscientização da actual esteira socioeconómica e impute de dias melhores, a segunda sob o da palavra escrita estabelece uma relação panorâmica entre o ideal e o real, partilham o mesmo contexto, o mesmo processo histórico, o mesmo tecido social e cultural com as suas devidas similitudes e peculiaridades.
Porém, partem de realidades dicotómicas e recorrem aos mecanismos de manifestação artística no sentido de evidenciarem a função social das artes. Por ora, o descrito está sujeito às correções, às leituras actualizadas e apresenta-se como uma abordagem inacabada.
Outrossim, desejamos a todos os membros do Movimento Cultural do Cunene, aos seus parceiros e a todo colectivo do jornal Opaís festas felizes e um ano novo próspero!
Por: HAMILTON ARTES