Afigura inconformada de António Filipe, “o Momo” interpretado por Costa Vilola, na série humorística “Cubico dos Tunezas”, espelhava realisticamente o desespero por que passam ainda hoje milhares de antigos combatentes devido às dificuldades que vivem. Com um subsídio tido por muitos deles como irrisório, as centenas — e algumas vezes aos milhares — observa-se muitos destes mais velhos, que durante anos preteriram da adolescência para lutarem pela independência do país.
Muitos deles já cansados e ainda assim inconformados têm no subsídio que lhes é atribuído como única fonte de renda para atender as necessidades básicas, entre as quais alimentação, saúde, renda das residências onde vivem e até mesmo as propinas dos filhos, embora se reconheça que se também tenham alguns benefícios atribuídos pelo Estado. Sempre que se está em pagamento os referidos subsídios, cujo valor será aumentado a partir de Janeiro de 2024, assiste-se a uma autêntica algazarra defronte às agências dos bancos.
Além dos mais-velhos, observa-se, igualmente, a presença de gente muito mais nova, algumas das quais pressupõe serem filhos, sobrinhos, irmãos ou netos de quem um dia esteve, verdadeiramente, nas matas, clandestinidade ou noutras áreas desenvolvendo acções que nos possibilitaram se ver livre do colonialismo português. Em muitos casos, as enchentes e os beneficiários destes subsídios sempre fez espécie, sobretudo num país onde o chico-espertismo e a paixão pela obtenção de dinheiro nos levou a conhecer, nos últimos anos, autênticos acrobatas de rapinagem que não vêem a meios para chegarem aos cofres públicos.
Ao que tudo indica, apesar de ser um subsídio que levaria muitos a se questionarem sobre o merecimento de quem deve ou não ter acesso, existem milhares de cidadãos que se fazem passar por antigos combatentes sem que, se calhar, um dia terão segurado numa simples arma de pau ou se tenham envolvido em acções que lhes habilite a serem dignos de tal denominação. De um total de 163 mil cidadãos cadastrados como antigos combatentes, apenas 66 mil foram apurados na prova de vida que vai sendo efectuada pelo Ministério da Defesa Nacional, Antigos Combatentes e Veteranos da Pátria.
Quer com isso dizer que existirão perto de 90 mil indivíduos que não sejam dignos de tal título, embora se possa acreditar que alguns que não tenham participado já não se encontrem no mundo dos vivos ou, por alguma impossibilidade, não consigam fazê-lo. Ainda assim, a discrepância entre o número controlado pelo Executivo e o que decidiu dar a cara para beneficiar os benefícios que serão acrescidos chama a atenção. O que pode desde já indicar que existam entre nós muitos indivíduos a viverem à grande e à francesa com os recursos que seriam para os antigos combatentes.
Segundo o secretário de Estado dos Antigos Combatentes, Domingos Tchicanha, muitos dos que se arrogavam merecer tal título nasceram entre 1963 e 1965. Ou seja, muitos deles estão com idades entre os 58 e 60 anos de idade. Quando se deu o fim da luta anticolonial e a proclamação da independência, por exemplo, muitos deles tinham entre 10 e 12 anos de idade, o que deixa estupefacto o governante. Ao que tudo indica, muita boa gente se beneficiou do pouco que os colegas do Momo reclamam ser irrisório, mas não travou o apetite dos chico-espertos de sempre.