Cima a baixo, em vários pontos, são no to- tal mil e 774 famílias que vivem nos morros de Luanda. O medo de verem as suas vidas jogadas abaixo é constante. Mas elas insistem em morar nesses pontos por falta de condições. A Comissão Nacional de Protecção Civil agiliza estratégias de salvamento, enquanto o Governo Provincial diz estar de mãos atadas por não ter condições para albergar estes agregados
Num dos pontos críticos do Morro da Luz, Maria Cassule, 34 anos de idade, partilha a casa com cinco filhos, todos menores de 15 anos. A casa não é dela. Foi do falecido tio, irmão da mãe, que, antes mesmo de morrer, lhe deu como parte da herança. Desfavorecida e sem muitas opções, Maria aceitou lá morar porque não tinha outro sítio, sobretudo depois de o pai das crianças fugir à paternidade.
Desde que o marido se foi, já lá contam mais de quatro anos, igual período que ela abraçou o Morro da Luz para morar. Desempregada, Maria está consciente dos perigos que corre ao morar aí, ainda mais com crianças menores, que têm sempre o perigo à espreita a cada passo que dão. O tempo chuvoso é o período mais crítico porque o morro é escorregadio e a todo instante pedaços de pedras que compõem a zona fragmentam-se, representando, assim, enorme perigo. Por falta de condições, as crianças não podem brincar no interior da residência que tem parte da sua estrutura na eminência de desabar, cenário que não aconteceu até ao momento porque Maria considera estar a viver sob um milagre divino. “Se não caímos até ao momento, lá em baixo é porque Deus nos protege dia e noite. Senão, já estaríamos a passar no ‘Fala Angola’ ou no ‘Telejornal’”, desabafou a moradora.
No corre-corre das subidas e descidas pelo morro, Maria já per- deu a conta das vezes que os filhos tiveram quedas e ferimentos que, felizmente, não causaram lesões graves à semelhança de outros vizinhos em situações mais gravosas, os quais foram retirados forçadamente do local pelas autoridades. “Algumas pessoas que viviam mais aí em baixo foram retiradas porque já estavam mesmo muito mal. Deixaram-nos com a esperança de um dia nos retirarem, mas até agora nada. Se acordamos todos os dias, é graças a Deus”, frisou Maria, que implora que seja retirada daquele aguçado morro, situado no distrito urbano da Samba.
Mil e 774 agregados em risco
Ela não é a única nessas condições. À semelhança, são centenas as famílias que vivem cima a baixo dos morros de Luanda. Dados passados a OPAIS pela Administração Municipal de Luanda indicam que, só a nível do município de Luanda, o número total é de mil e 774 agregados que vivem sobre os morros. Na Samba (zona da Coreia) vivem 135, montanhas da Samba, 915, zona do Povoado, 327, Cabo Ledo, 115, Vala do Rocha Pinto, 57, e Cerâmica (rua da escola Heróis de Cangamba) com um número de 225 famílias. Todos esses agregados consideram que as suas vidas estão “quase por um fio” devido às condições precárias de habitabilidade nestes Morros, sobretudo no actual período chuvoso, em que os casos de incidentes, desabamentos e deslizamentos de terras são constantes e podem ceifar vidas.
Quanto aos registos dos últimos anos, em 2016 as fortes chuvas que se abateram sobre Luanda causaram vários estragos e desgraça às populações que vi- viam no morro da Samba. Além de ceifar vidas humanas, a chuva inundou residências na área da Cerâmica e destruiu parcialmente a estrada que liga o largo da Santa Bárbara, bairro da Coreia, passando pela área do Kim Ribeiro até ao bairro do Antigo Controlo, tornando- as intransitáveis. Na época, o cenário foi desolador e obrigou o desdobramento de forças e meios num ambiente triste cujas lembranças ficaram marcadas na memória dos habitantes daquela zona de Luanda. Avelino Francisco, 56 anos de idade, teme viver os mesmos cenários tristes que presenciou.
Foi no morro da Samba que há mais de vinte anos construiu a sua casa, que, hoje, se encontra parcial- mente destruída devido à força das chuvas, à precariedade da construção e ao terreno argiloso. O infortúnio bateu à sua porta no princípio do ano, tendo o desabamento causado a destruição da cozinha, do quarto do casal e da casa de banho. A casa está situada num dos pontos de maior perigo do morro e, num olhar leigo, pode perceber-se a proximidade do risco que Avelino e a sua família vivem. Ainda assim, eles insistem em estar aí porque dizem que não têm para onde ir. “Desde que a casa desabou, a minha família anda dispersa. Os miúdos tiveram de sair porque a casa ficou menor. O problema é que eu não tenho dinheiro para me mudar para um outro local nem mesmo para reabilitar as paredes que caíram”, lamentou.
A vida sofrida de Fernando Santos
De lamentações também anda a vida de Fernando Santos, 50 anos de idade, igualmente morador do morro do Samba. Quatro filhos e uma esposa, esta desempregada, compõem o agre- gado de Fernando, homem de estatura alta, físico magro e que ganha a vida concertando telefones, aí mesmo no morro. Diariamente factura, com os concertos, entre 3 e 5 mil kwanzas, valor que considera insuficiente para alugar uma casa ou comprar terreno num espaço mais seguro para albergar a família.
Todo o dinheiro que ganha vai para a cozinha, nem sobra, se- quer, para pagar as propinas dos filhos, parte deles fora do sistema de ensino. “Os lucros do telefone vão todos parar a cozinha. E mesmo assim não chega. É impossível conseguir juntar dinheiro para tirar a família deste local. Por isso é que até agora ainda continuamos a viver nessas condições de riscos. Tudo deixamos só já nas mãos do Governo. Só ele é que sabe quando vai nos tirar daqui”, apontou.