Angola está a enfrentar um desafio significativo, pois, cada vez mais, poucas pessoas estão dispostas a assumir responsabilidades pelas suas acções.
Essa falta de responsabilidade e compromisso com a transformação positiva da vida individual, da vida dos outros e do ambiente em que vivem, fazendo com que estejamos num sistema contínuo de culpas tem raízes profundas na história política contemporânea de Angola.
Digamos que é uma herança marxista-leninista que moldou a mentalidade de muitos angolanos durante anos. Durante esse período, o Estado assumiu o papel de provedor, que cuida de todas as necessidades da população. Esta situação fez emergir uma dinâmica na qual as pessoas acostumaram-se a depender do Estado como se fossem crianças que dependem eternamente dos seus pais.
A responsabilidade pessoal foi, em grande parte, transferida para o Estado, o que minou a iniciativa individual e a motivação para assumir o controlo das suas próprias vidas.
O longo período de guerra civil que assolou Angola teve um efeito também a considerar. Durante a guerra, as pessoas viviam sob constante ameaça e incerteza, tendo a percepção que tinham pouco ou nenhum controle sobre as suas vidas e o seu futuro.
Tal experiência traumática contribuiu para uma mentalidade de desamparo e falta de confiança na capacidade de moldar o próprio destino. Nos últimos anos, já nesta fase da paz, a politização excessiva e retrógrada dos principais problemas que assolam Angola é o factor que mais contribui para a falta de responsabilidade.
Isso é mais perceptível especialmente aqueles que aspiram algum dia assumir o poder político, ficam satisfeitos quando os problemas sociais e económicos do país são destacados na órgãos mediáticos.
Eles veem estes problemas como munição para os seus discursos políticos e críticas, em vez de oportunidades para buscar soluções eficazes.
Enfim, está estabelecida em Angola uma cultura onde o mais importante para cada um não é a autorresponsabilização para encontrar uma solução (ou ter controle) da sua vida, para a vida dos outros ou seu meio circundante. Mas sim, identificar alguém para responsabilizar: O culpado. Podemos facilmente encontrar vários exemplos.
O mais recente é o vídeo que se tornou viral nas redes sociais, de uma jovem a reclamar sobre o descaso que a sua irmã, que está no estado de gestação, foi vítima quando pretendia procurar atendimento médico num hospital público.
Ou seja, não tinha recebido assistência médica adequada, não por razões justificáveis como a falta de condições técnicas ou por falta de profissionais qualificados no sistema de saúde pública.
Mas sim, a falta de autorresponsabilização dos profissionais e/ou agentes de saúde daquele hospital, que não atuaram neste caso especifico como agentes de transformação positiva, pois agem na lógica de crianças que precisam de um provedor, não têm controle sobre nada e não terão nenhuma responsabilização política, civil ou criminal da sua omissão ou dolo. Pois, sabem que, no final das contas, é sempre mais fácil culpar o mais alto mandatário do país.
Foi realmente isto que aconteceu. A reclamação da jovem foi usada massivamente como arma de arremesso político, razão pela qual, foi disseminado em tudo quanto é plataforma dos opositores do Presidente João Lourenço. Em contraste, a solução encabeçada pela ministra da saúde para que a jovem fosse adequadamente atendida, já não é tão interessante para eles.
Assim como estes profissionais do sector na saúde, verificamos muitas pessoas comuns que não conseguem olhar para si mesmos como responsáveis de más decisões que tenham tomado ao longo das suas vidas.
Num olhar clínico ao exemplo que referenciamos, testificamos que a culpa não estava no discurso do Estado da nação, na falta de investimentos no sector da saúde ou no medo de cada cidadão exprimir livremente o que pensa. Em contrapartida, o sistema referencial de culpas que está a utilizar-se para solucionar o problema, também não é o mais adequado.
Pois, este referencial para a solução entende que o sistema de culpas é um conjunto de regras e princípios que regem a responsabilidade civil e penal por actos ilícitos.
A culpa é vista como um elemento subjetivo da responsabilidade, que numa abordagem redutora, se refere exclusivamente à conduta negligente, imprudente ou imperita de elementos ligados ao poder, destacadamente o Presidente da República.
Esta posição é equivocada. Como base nestes pressupostos, a Ministra da Saúde, Sílvia Lutucuta, exonerou a Directora Clínica da Maternidade Lucrécia Paím, onde, no passado dia 18 de outubro, a jovem foi rejeitada após ter sido transferida de outra unidade sanitária.
Ela ainda destacou que Ministério da Saúde vai agir com tolerância zero em relação aos actos de tratamento desumanizado de pacientes e outros utentes dos serviços nas unidades sanitárias e demais instituições.
Nós consideramos que este referencial não é o mais adequado, pois, isso vai agir como um colete de forças, tendo em conta a história política de Angola contemporânea.
Portanto, a solução deve vir dentro das pessoas, os angolanos têm que ter consciência que cada um, independentemente das funções que desempenha, é crucial para proporcionar as transformações positivas para as suas vidas, para as vidas de outras pessoas e no seu meio circundante como um todo.
A partir daí todos os vícios inerentes ao sistema culpas serão dissipados, principalmente a politização de todos os problemas pontuais, não serão a regra como é hodiernamente.
Por: EDMUNDO GUNZA