Com cinco unidades de produção, uma oferta superior à procura, o preço do saco de cimento continua a subir no mercado. Importação de equipamentos, matéria-prima e recrutamento de capital humano estrangeiro, tudo com recurso a divisas, pode estar na base da subida dos preços. Clinquer é o que não falta no mercado
Edificar ou comprar uma casa ficou ainda mais caro nos últimos dias. É que o preço dos materiais de construção, com enfoque no cimento, regista aumento mensalmente. Se nos últimos dois meses o saco de 50 quilos podia ser comprado por 3.800 kwanzas, agora custa 4.800 em Cacuaco, podendo variar de lugar para lugar. O custo de transportação tem um peso grande na formação do preço quando o produto chega ao consumidor final.
No mercado do Kifica, por exemplo, o saco de cimento pode ser comprado a 5.000 kwanzas. Nos últimos seis anos, o saco de cimento de 50 quilos não passava dos 1.800 kwanzas. O que grande parte dos vendedores diz é que o custo de vida, mor- mente a subida dos preços de outros bens também impactou no cimento, um produto que Angola atingiu a sua autossuficiência faz alguns anos. Para já, entendidos no mercado cimenteiro argumentam que não há razões para a subida exponencial do preço, uma vez que estão criadas as condições para que esta indústria trabalhe sem problemas. “Temos clinquer suficiente para abastecer o mercado.
E não se trata de uma matéria-prima importada. Pode ser encontrada internamente, pelo que não se justifica a subida constante do preço do cimento”, considerou António Albino “Carnaval”, que foi administrador da Nova Cimangola. O antigo gestor de uma das maiores cimenteiras do país referiu ainda que, na cadeia produtiva e de valores o cimento não possui elementos que podem impactar bastante no preço, uma vez que até os sacos são de fabrico nacional. “Tudo quanto sei é que a Nova Cimangola não produz sacos, mas compra no mercado nacional. Portanto, temos aqui condições suficientes para termos um produto com preço estável e capaz de ser abastecido no mercado sem problemas”, disse.
Para sustentar a sua posição, Albino António refere que “se tivéssemos falta de cimento ou de matéria-prima não estaríamos hoje a exportar para os países vizinhos, fundamentalmente para o Congo Democrático”, defendeu. As fábricas da Nova Cimangola, em Cacuaco e no Sequele, respectivamente, possuem uma capa- cidade instalada actual que permite uma produção anual superior a um milhão de toneladas de clinquer. A própria Cimangola está vocacionada para a venda de clinquer, cimento e outros agrega- dos no mercado interno e também para exportação, como pode ler-se na página da empresa. A empresa conta com dois moínhos horizontais de bolas com uma capacidade instalada total de 6.000 toneladas por dia (seis mil toneladas). Por sua vez, a CIF-Luanda possui uma capacidade instalada superior a 1000 toneladas por dia, mas não consegue atingir estes níveis por razões de vária ordem, sobretudo energética, entretanto, sem prejuízo para o mercado que possui outras opções.
“Outros factores interferem na cadeia produtiva”
Apesar da estabilidade em termos de produção, a alta do preço do cimento é uma realidade. Sobre o assunto, o administra- dor Comercial da Fábrica de Cimento do Kwanza Sul (FCKS), detentora da marca Yetu, Panzo Nteka, refere que os preços não estão relacionados com a autossuficiência ou não, mas com outros factores que interferem na cadeia produtiva. “Não vemos uma relação directa entre o preço de um bem e o facto do país tornar-se autos- suficiente na produção desse mesmo bem. Existem factores que determinam o custo da produção do bem e depois o seu preço de venda.
Muitos dos insumos utilizados no processo de produção do cimento são adquiridos no mercado externo com recurso às divisas, e todo o mundo sabe o que tem estado a acontecer com o câmbio. Essa indústria importa também serviços técnicos especializados que são pagos em moeda ex- terna”, justificou. Quanto às formas de mitigar esse e outros problemas, Panzo Nteka avança que a FCKS já tem estado a mitigar porque nunca subiu os preços de venda de cimento na proporção da subida dos preços dos insumos, e isso porque a mesma assumiu o compromisso de trabalhar ao lado do Executivo para ajudar a sociedade a ter acesso a este bem que é útil para o processo de reconstrução do país.
Explica que a FCKS tem estado a trabalhar na reengenharia financeira para procurar controlar, na medida do possível, os custos de produção para manter os preços a níveis aceitáveis. Sublinha que os preços praticados no nosso país são os mais baixos da região e isso é fruto de um sacrifício. Com uma produção anual de 47.000 mil toneladas e uma quota de mercado de 23%, a FCKS não tenciona aumentar a sua capacidade de produção. E o seu administrador explica as razões: “Face à tendência da demanda, não tencionamos aumentar a produção. A menos que haja sinais claros de melhoria na demanda dos nossos produtos”, acautelou.
Para ele, o maior constrangimento é a falta de demanda. Realça que o cimento não é produzido para fazer stock, produz-se em função da venda. “O outro constrangimento tem que ver com a subida dos preços dos insumos consumidos na produção”, indicou. No entanto, a principal matéria-prima, o clinquer, é que não falta. “Temos sim clinquer. Há produção do clínquer suficiente para atender as cimenteiras locais e até para exportar”, afirmou. Face ao cenário que apresentou, marcado por ausência de demanda, Panzo Nteka diz não se justificar investimentos adicionais em moageiras face à incapacidade do mercado consumir a produção actual, num mercado competitivo, na visão da FCKS, onde os melhores “sobrevivem”.
Com uma força de trabalho de 1.000 empregos (directos e indirectos) a FCKS está com uma presença significativa do cimento Yetu em Luanda e no Huambo. “Temos ainda uma presença aceitável nas províncias do Bié, Cuando Cubango, Kwanza Sul, Kwanza norte, Benguela, Huila, Namibe, Malange, Moxico e nas Lundas. Existem distribuidores que levam o cimento Yetu além fronteira (São Tomé e RDC), estando a direcção da empresa a trabalhar para entrar nos outros mercados da região da SADC e não só”, anunciou.
Cinco fábricas, mais de 8 mil toneladas por dia
Cinco cimenteiras disputam o mercado nacional, duas em Luanda, concretamente a Nova Cimangola e CIF-Luanda, Secil Lobito e Cimentfort, na província de Benguela, e FCKS, no município do Sumbe, na província do Cuanza Sul. Com as cinco cimenteiras o país pode produzir até 8 milhões de toneladas de cimento por ano, dando resposta às necessidades do mercado nacional, havendo, inclusive, excedente que é exportado, sobretudo para a República Democrática do Congo. O clínquer pode ser definido como cimento numa fase básica de fabrico, a partir do qual se fabrica o cimento Portland, habitualmente com a adição de sulfato de cálcio, calcário e/ou escória siderúrgica.
O cimento é composto principalmente de clínquer e de adições, sendo o clínquer o principal componente presente em todos os tipos de cimento. Existe como mercadoria independente, transacionada mundialmente, porque não é tão sensível à humidade como o cimento Portland e, como tal, facilita a sua armazenagem, manuseio e transporte. No processo de fabricação do cimento Portland, o clínquer de cimento Portland sai do forno a cerca de 80°C, indo directamente à moagem, onde é adicionado ao gesso e, imediatamente, ensacado em sacos de papel, podendo chegar aos depósitos de distribuição ainda quente.