Sérgio Dundão é mestre em Ciência Política e Relações Internacionais pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Preside a Associação Angolana de Ciências Políticas. Na véspera da abertura de mais um discurso sobre o Estado da Nação, o jovem cientista político fala sobre o novo ano parlamentar, o que espera ouvir do Presidente da República, defende uma remodelação governamental e um consenso entre o MPLA e a UNITA antes de se partir para as autarquias, um dos temas que de- verá mobilizar argumentos dos deputados nos próximos dias
Abre no próximo dia 16 de Outubro, contrariamente ao dia 15, como estipula a Constituição, o novo ano parlamentar. O que pensa que vai ser este novo ano?
Penso que será um ano parlamentar que será desafiante para o Executivo e, ao mesmo tempo, para a oposição. Ainda estamos na ressaca das eleições de 2022 e os parti- dos ainda estão com muitas questões eleitorais que de certa forma não foram ultrapassadas. Algumas das questões levantadas no processo se mantém. Por exemplo, a questão da revisão constitucional que se mantém em voga, as autarquias, os poderes do Presidente. São questões que ainda estão na ressaca eleitoral. Tirando estas questões, há alguns desafios que o próprio Executivo vai ter que adoptar. Um dos desafios é a adopção de uma agenda para a o futuro, ou seja, qual é o discurso do poder executivo para o futuro.
Há um projecto que acho que está quase na fase final que é o PIIM, agora está a passar para orçamento participativo, que é um dos mecanismos de democracia participativa, que visa auscultar também o sentimento que a população tem. Da parte da oposição é continuar com a sua narrativa de apresentar algumas propostas de alternância da parte do próprio Executivo. No entanto, a nossa oposição tem muito de apresentar falhas da execução do próprio Executivo. Vamos ter um ano acirrado neste debate. No entanto, penso continuarmos a falar de velha questão, que já não é nova do que os partidos têm do processo de revisão constitucional. Parece que o país precisa de uma nova constituição. É daquelas questões que não tem muito substrato. A questão da governação e a constituição não é uma relação directa.
Pode explicar?
É obvio que há aspectos na constituição que podem melhorar o pro- cesso de governação, mas não existe nenhum autor que diz mudança ou revisão da constituição e uma alteração das condições económicas, sociais e políticas de um país. Entretanto, é uma questão que se coloca permanentemente – e vai se manter-, a questão das autarquias é uma agenda que a oposição vai continuar a bater, porque sabe que é uma promessa eleitoral não cumprida e vai tentar explorar este aspecto. É um desafio que se vai colocar ao próprio Executivo, qual a resposta que vai dar em relação à implementação das autarquias. São temas que se podem arrastar até 2027 se não forem resolvidos.
O ano parlamentar abre com um celeuma em relação à data. A constituição aponta para o dia 15, que calha no próximo Domingo, mas a abertura vai ocorrer no dia 16, Segunda-feira, o primeiro dia útil da semana para a realização do discurso do Estado da Nação por parte do Presidente da República, João Lourenço. A UNITA diz que não participará caso aconteça na Segunda-feira. Há razões para tal?
Eu penso que, às vezes, geramos polémica onde o bom-senso deve imperar. Se Domingo é um dia em que normalmente na nossa cultura, não olhando para a questão constitucional, as pessoas vão à igreja, reúnem-se em família e têm muito mais para si do que olhar para a questão da política nacional, um consenso entre os partidos poderia passar para Segunda-feira. O que vai acontecer é só passar de um dia 15 para 16 e o Presidente na mesma vai aparecer. O mais agravante era se o Presidente faltasse ao acto e não fizesse o discurso presencialmente. Ai seria um desrespeito ao que estava estabelecido na constituição. A alteração de um dia é uma questão que não deveria gerar tanta polémica, porque é apenas uma questão de bom senso. Mas também percebo um pouco o que a UNITA faz, mas penso que é um risco que chamo sempre a atenção em Angola.
O que a UNITA está a fazer neste momento?
Nós temos muito o hábito de estabelecer regras e constitucionalizar regras, como por exemplo a data das eleições, de abertura, ao invés de termos datas abertas que permitem maior concertação. Como está lá dia 15, e a constituição estabelece dia 15, então a UNITA diz que tem que se cumprir o que está estabelecido na constituição. No entanto, digo que as constituições quanto mais rígidas e detalhadas têm este problema. Quando está um dia estabelecido e não se cumpre, então as pessoas dizem que há uma violação da Constituição.
Por isso é que há países que não têm datas tão rígidas. Eles definem exactamente um período e permitem que na concertação parlamentar os grupos definem a abertura do ano. A abertura iria sair da concertação, não iria sair só do conflito institucional. Há dois aspectos que tem que se entender na política: o conflito e o consenso. Uma sociedade vive sempre do conflito e do consenso. Quando o nosso parlamento não consegue sequer criar um consenso para uma data, que não vai ferir do ponto de vista prático o interesse de A nem de B, demonstra logo como é que o nosso sistema político está a ser construído com base só no conflito e não na capacidade de consenso.