Na semana em que se comemora o Dia Mundial do ‘UN-Habitat’, políticos e membros de Sociedade Civil analisam as políticas gizadas pelo Governo angolano, para a inclusão e promoção de habitação, todavia, as políticas para o efeito estão desajustadas face ao actual contexto como manifestaram ao jornal OPAÍS, membros da sociedade civil e políticos
O Governo angolano reiterou o seu compromisso em continuar a promover políticas públicas de inclusão social e garantir o direito básico dos cidadãos terem habitação adequada. A declaração surge por ocasião da semana de reflexão em torno do Dia Mundial do UN-Habitat, que desde 2014, se assinala na primeira Segunda-feira do mês de Outubro.
À margem da efeméride, o Ministério das Obras Públicas, Urbanismo e Habitação de Angola refere que o acesso à habitação condigna deve-se estabelecer nos pressupostos do desenvolvimento ordenado do território, crescimento urbano sustentável e elaboração de instrumentos de ordenamento do território. O Governo angolano recorda, por esta ocasião, que o ordenamento do território visa alcançar os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), tornando as cidades e comunidades mais fortes, inclusivas, seguras, resilientes e sustentáveis.
Nesse particular, destaca-se o Projecto de Autoconstrução Dirigida, impulsionado pelo Presidente da República, João Lourenço, cuja fase piloto encontra- se em execução, com a finalidade principal de disponibilizar lotes de terrenos infraestruturados, constituindo-se uma das alternativas para a criação de zonas habitacionais mais saudáveis que respeitem a dignidade humana.
A declaração do Governo avança que Angola, enquanto membro do Conselho Executivo do UN- Habitat, principal órgão deliberativo da agência especializada da Organização das Nações Unidas (ONU), está ciente das suas obrigações internacionais e está foca- da nos compromissos assumidos com os cidadãos em trabalhar todos juntos, para que se criem cada vez mais oportunidades para as famílias angolanas.
Para assinalar a presente efeméride, o Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (UN-Habitat) promove, anualmente, o “Outubro Urbano”, com jornadas de reflexão sobre as cidades e assentamentos humanos, que começa na primeira semana de Outubro e encerra no dia Mundial das Cidades, a 31 do mesmo mês. Neste ano, a reflexão para assinalar o Dia Mundial do UN-Habitat está virada para o lema “Economias urbanas resilientes: Cidades como motores de crescimento e recuperação”, enquanto para o Dia Mundial das Cidades, o lema é “Financiando um futuro urbano sustentável para todas pessoas”.
Políticos apelam mudança nas políticas habitacionais
Os representantes de partidos políticos pedem ao Governo para que faça uma reflexão profunda em torno das políticas habitacionais que tem gizado, a fim de se efectivar um dos direitos fundamentais dos cidadãos, o acesso à habitação condigna. O porta-voz da UNITA, Marcial Dachala, refere que a problemática de habitação que os angolanos ainda enfrentam, só se irá resolver com a institucionalização das Autarquias Locais, um assunto que está, por ora, encalhado na agenda da Assembleia Nacional.
“Ao falarmos de habitação em Angola, temos que ser honestos, porque as pessoas aqui vivem em condições humanamente chocantes. Temos que encontrar soluções. Nós pensa- mos que uma das vias para se resolver os vários problemas que ainda afectam os angolanos, é começarmos a institucionalizar as Autarquias Locais e a sua entrada em funcionamento, o mais breve possível”, disse Marcial Dachala, alegando que a política habitacional em Angola está longe de dar o mínimo de conforto aos cidadãos. Por sua vez, o presidente do Partido de Renovação Social (PRS), Benedito Daniel entende que, actualmente, não existe no país uma política de inclusão nem de promoção de habitação para os angolanos, e, espera que o Estado mude o seu “modus operandi”.
“Em Angola, a promoção de habitação para os cidadãos é uma dor de cabeça, na medida em que ainda existem muitas dificuldades. Vejamos, só para que um cidadão consiga legalizar um direi- to de superfície, não é tarefa fácil”, apontou. Relativamente à inclusão, o político considerou importante questionar, primeiramente, o rendimento dos angolanos, e afirma que a maior parte desses angolanos está muito aquém de construir ou comprar uma casa condigna. “Como é que se vai promover a habitação? A maior parte dos que constroem as casas são as empresas privadas, e os preços destas casas são elevadíssimos.
As casas sociais também não são baratas, isso para não falar do próprio concurso para aquisição das referidas casas”, sublinhou. Já o secretário-geral da FNLA, Aguiar Laurindo, considera que as políticas do Executivo deveriam passar por uma revisão, por entender que as actuais, não resolveram e nem estão a resolver as necessidades habitacionais dos angolanos, sobretudo da camada juvenil, a classe que mais precisa.
“Os bancos, por exemplo, deviam dar créditos para compra ou construção de casas. Temos vindo a acompanhar toda política habitacional que vem sendo implementada, até aqui não resolveu nada. A nível de Luanda, por exemplo, temos vários bairros na periferia em que os seus moradores poderiam ser alojados em centralidades e aproveitar aquele espaço para a construção de outros edifícios que seriam colocados à disposição dos cidadãos”, disse.
Sociedade Civil aponta desequilíbrio entre as políticas do Executivo e as práticas no terreno
O presidente da Associação Justiça, Paz e Democracia (AJPD), Serra Bango, lembra que o acesso à habitação condigna é um direi- to consagrado na Constituição, e, considera necessária a existência de um plano de ordenamento do território para facilitar o Executivo na elaboração de um plano de investimento imobiliário. O responsável considera, por outro lado, que as políticas de pro- moção de habitação em Angola são manchadas por uma prática corruptiva, afirmando que a habitação tem sido transformada em momento oportuno para promover negócio a todos os níveis.
“Esse problema de habitação não é só em Luanda. Nós percorremos o país, encontramos várias províncias com projectos habitacionais financiados com fundos públicos em que as casas estão a degradar-se, porque não se sabe quem são as pessoas que vão lá viver. Por isso, nós temos um grande problema de habitação em Angola”, disse. Por sua vez, o presidente da Associação Acção de Apoio às Iniciativas Colectivas e Individuais das Comunidades (AAAICIC), André Augusto, apesar de enaltecer o compromisso do Executivo angolano em continuar a promover políticas que garantam acesso à habitação para todos os angolanos, referiu, por outro lado, que as mesmas políticas favoreceram apenas pessoas de determinadas classes sociais, desfavorecendo as classes mais pobres.
“Há esse desequilíbrio entre as políticas que o Governo vai traçando e as práticas do Executivo no terreno. Nós vimos isso durante a construção de alguns projectos habitacionais como o Nova Vida, o Talatona e outros que resultaram na retirada do direito de superfície a muitos cidadãos desfavorecidos. Isso sem esquecer os vários episódios de demolições de casas que continuamos a assistir. É necessário que estas políticas beneficiem todos os angolanos”, destacou. O responsável apela para uma reflexão séria por parte do Poder Executivo e dos governadores provinciais, no âmbito dos seus compromissos com a comunidade internacional. Considera também fundamental que a Assembleia Nacional fiscalize as acções do Executivo, para que as suas políticas sejam, realmente, aplicadas.
“Executivo tem falhado na classe social destinada a ter acesso às moradias”
O analista em governação local e políticas públicas Osvaldo João reconheceu que o Governo tem tido iniciativas para estabilizar a situação social, no que respeita ao aceso à habitação, na medida em que procura criar condições para permitir que os cidadãos concretizem o sonho da casa própria. Mas, considera que “esta é uma realidade que está muito longe daquilo que é o pretendido”. Para o especialista, falar de casa própria é ainda um sonho para muitos angolanos. Referiu que, apesar de se criar mecanismos para a execução de projectos habitacionais para os angolanos, o Governo tem falhado naquilo que é a classe social destinada a ter acesso a essas moradias.
“Temos visto que a política de aquisição das casas varia de acordo com o salário que o candidato aufere. Mas, quando é que uma zungueira vai ter uma casa própria? Há uma necessidade de rever as políticas de acesso à habitação. É preciso que haja de facto inclusão, porque todos nós somos angolanos e precisamos de uma casa própria, e as zungueira são uma das maiores fomentadoras do empreendedorismo e são grande parte de contribuintes para as receitas do Estado”, disse. Considerou fundamental priorizar aqueles que pouco têm, por entender que, um cidadão com um salário entre um milhão ou mais tem maior possibilidade de conseguir uma casa própria fora dos ajustes do Governo.
“No âmbito desta reflexão, seria fundamental o Governo reflectir sobre a questão da taxa de natalidade que está em crescimento a cada dia, e há maior necessidade de ocupação de espaço, de construção de centralidades e de políticas que possam ajudar os angolanos na aquisição de uma habitação condigna, porque cidadãos felizes podem trazer respostas positivas para o país, do mesmo modo que cidadãos insatisfeitos podem dificultar a estabilidade do país”, concluiu.