Terá sido já no final da década de 90. Lembro-me de ter presenciado uma discussão saudável entre dois amigos por causa das escolas internacionais e o facto de inúmeras entidades angolanas terem matriculado os seus filhos nestas instituições.
Nada contra. Aliás, a busca por uma melhor educação para os filhos faz com que se aja desta forma, embora não olhe com bons olhos, por exemplo, que entidades públicas com responsabilidades acrescidas no aparelho do Estado não sejam sequer solidários com as escolas que muitos deles ajudam a construir e apregoam melhorar a sua qualidade dia após dia.
Sem se descurar a qualidade que algumas apresentam, um dos contendores dizia que ficava difícil perceber como é que algumas das crianças acabassem por perceber desde cedo muito mais sobre a cultura europeia e americana do que a africana, em geral, e angolana em particular.
Em jeito de brincadeira, dizia um dos companheiros, muitos destes rapazes e raparigas quando crescessem, sendo ou não angolanos, estariam predispostos em tudo fazer para defender os interesses destes países europeus e americanos. Muitos deles conheceriam melhor o rio Sena, mas nunca perceberiam sequer onde nasce o Kwanza, que até dá nome à moeda, ou ainda os rios Lucala, Cuando ou Mbridge.
E feito homens, dirigentes, deputados ou até cidadãos comuns tendem a defender os hábitos e costumes destes países ocidentais, locais onde alguns esperam rumar depois de exercer funções públicas e transferem os valores arrecadados. Sejam eles lícitos e pior ainda se forem ilícitos, se tivermos em conta os vários exemplos que nos têm chegado.
E hoje Dia Mundial do Turismo, com certeza, também não teríamos muitos cidadãos predispostos em promo- ver e apostar no turismo interno. Ultimamente, têm sido mais os forasteiros, provenientes até de países com os quais não possuímos grandes vínculos, que mais apresentam ao mundo as grandes potencialidades de Angola. Os seus mares, as suas montanhas, vilas, cidades, rios e florestas.
Em sentido contrário, é possível divisar muitos do que supostamente pensávamos estar apostados em fazer deste sector turístico uma verdadeira arma anti-crise a exibirem as suas fotografias na Torre Eiffel, nas cataratas de Iguaçu, exibindo-se nos melhores restaurantes lisboetas e de outras partes do globo, não se vendo em seus perfis ou até mesmo em conversas familiares qualquer referência sobre as áreas que lhes tenham deixado encantados em Angola.
Muitos deles não têm sequer noção do que representaria uns 10 ou 20 por cento da fortuna que investem em férias no exterior se esse valor fosse aplicado a nível interno. As deslocações oficiais, por exemplo, têm demonstrado que a presença de uma comitiva ministerial ou até mesmo presidencial acaba por movimentar todo o sector turístico numa determinada província.
São os hotéis que saem a ganhar. Os restaurantes, os locais turísticos e todos aqueles que lá labutam. O Estado de forma directa é beneficiado por intermédio dos impostos. Se olhássemos menos para o avião em direcção à antiga metrópole e outros destinos, conseguiríamos inverter o quadro negro que se pinta no sector turístico no país.
Trata-se de um desafio ainda. Quem sabe um dia não alcancemos. Mas é pena que para muitos, sobretudo aqueles que podem viajar nestes tempos difíceis, gastar e até ajudar a promover de facto as nossas belezas naturais, os seus começam a ser educados desde cedo a amar inicialmente o Sena, apaixonar-se por Hollywood, sentar-se em Veneza e olhar para o futuro apenas a partir de uma certa torre em Paris. Enquanto isso, Angola e as suas riquezas continuam adormecidas em projectos e desígnios para um futuro que um dia irá, certamente, chegar.