Com um acervo que possui obras com até três toneladas que retratam a cultura nacional, na sua galeria, e depois ter conquistado vários países africanos, europeus e americanos, Mpambukidi prepara-se agora para encantar os apreciadores da sua arte na Austrália, Grécia, Inglaterra e EUA
Tão logo os portões se abrem, a imagem de parte das mais de 400 esculturas fundidas a bronze, expostas na galeria “Espaço de Arte Mpambukidi”, se encarregam de alertar aos visitantes que se encontram num local “rico” em elementos da cultura angolana, em particular, e africana, em geral.
Localizada na Via Expressa, no município de Cacuaco, a galeria faz parte do atelier do artista angolano Mpambukidi Nlunfidi, erguido numa área de um hectare (mil metros quadrados) há cerca de 10 anos.
Além da oficina, uma sala de conferência e um restaurante estão entre os serviços que agregam valores às pessoas que por aí aportam, ávidas por conhecer a arte deste escultor cujas obras, de variados quilogramas, estão espalhadas em diversas partes do mundo.
Feliz com as suas realizações, Mpambukidi Nlunfidi conta que ambiciona preencher a galeria com mais de 500 peças ainda este ano.
Um processo complexo tendo em conta que a produção das obras, que pode levar vários meses em função da sua dimensão, é antecedida por um período de pesquisa sobre os elementos culturais que vão “eternizar” a sua arte.
Fora deste âmbito, o autor diz que “navega” também num estilo artístico moderno, considerado de abstracto, recriando a nossa própria realidade, através da sua visão artística.
Entre as obras expostas na galeria, destaca-se a Insígnia da República de Angola de dois metros e 20 centímetros, a maior escultura aí patente, que pesa três toneladas.
O mesmo acontece com uma escultura do Pensador, com um metro e 10 centímetro, cujo peso ronda os 200 quilos.
É uma obra com exemplares semelhantes em várias instituições fora do país, à semelhança do que acontece com as esculturas da Palanca Negra Gigante do Embondeiro que, segundo o autor, estão entre os símbolos da cultura nacional.
“Nós temos o Pensador a representar o país na sede das Nações Unidas, em Nova Iorque, levada pelo antigo Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, faleci- do em 2022.
Também, o camarada João Lourenço, quando entrou, levou [uma peça igual a essa] à sede da União Africana, em Adis Abeba, Etiópia”, contou com entusiamo ao jornal OPAÍS.
Apesar de não ter tido a oportunidade de oferecer uma das suas obras ao primeiro Presidente de Angola, António Agostinho Neto, Mpambukidi considera-o uma fonte de inspiração tanto para si como para muitos artistas por causa dos seus feitos.
Por esta razão, fez um busto do Poeta Maior, com um metro, em sua homenagem. Peça que diz servir de molde para outras produções.
As suas impressões digitais também estão patentes no busto do Comandante Hoji-ya-Henda, que fez a pedido da administração do bairro com este nome.
A imponente escultura “Mulher produtora”, com 1.500 quilogramas, dedicada a este género na sociedade pela sua árdua missão de educar, trabalhar no campo e gerar vidas, figura também entre as suas criações inspiradas no quotidiano angolano.
Estudando as várias configurações que marcam a cultura nacional, ao longo de um percurso de 53 anos de trabalho, o artista retratou, em esculturas, os penteados feitos por mulheres em diferentes regiões do país.
Ao abordar sobre a sua fonte de inspiração, Mpambukidi contou, a título de exemplo, como surgiu a ideia da criação da escultura “O mensageiro”, que pesa 400 quilogramas.
Diz que foi durante a sua passagem por uma das aldeias da província do Uíge, onde os moradores criaram métodos próprios para se comunicarem devido à falta de transporte.
A escultura ilustra o jovem com o tronco destapado a correr em direcção à aldeia vizinha para transmitir determinada mensagem, que pode ser alegre ou triste, isto é, de festa ou de óbito.
“O jovem tem de ir a correr para informar à outra aldeia o problema que se está a viver. Se o soba [líder da comunidade] solicitar o envio de mensagem, este é o procedimento”, frisou.
O poder tradicional das máscaras
A galeria também oferece aos visitantes a possibilidade de conhecer os vários tipos de máscaras que representam o símbolo de poder tradicional, com um papel crucial na ascensão e consagração dos diferentes ritos e cerimónias.
Esculpidas, segundo o autor, com as características específicas de regiões de diversas províncias, entre as quais Bengo, Uíge, Cabinda, Cuando Cubango e Cuanza Norte.
A flora e a fauna também estão retratadas em obras que dão um outro alento ao local.
Hipopótamo, elefante, rinoceronte, entre outras espécies abundantes nos parques nacionais no país, também ocupam o seu lugar na referida galeria.
Mpambukidi explica que todas as províncias estão representadas, através das suas características culturais, o que torna o seu acervo mais rico e atractivo.
Obras abstractas retratam vivências dos cidadãos
Os retratos dos vários momentos da vida dos angola- nos, feitos pelo nosso interlocutor, estão entre os que mais atraem cidadãos nacionais e estrangeiros que, muitas das vezes, procuram obras que transmitem tais mensagens.
São peças abstractas, mais complexas, idealizadas por ele colocando em prática a sua intelectualidade.
Mpambukidi disse que tem preferência por este tipo de arte, pelo facto de suscitar a curiosidade dos cidadãos em perceber a mensagem oculta nela., revelando que tem sido com enorme prazer que desvenda o “mistério nelas existentes, aproximando o mais dos seus admiradores que as consideram mais atractivas”.
“Este tipo de artes é mais intelectual, porque ponho nela a minha criatividade. Em tempos, um senhor do Governo que se divorciou veio comprar uma peça.
Falei-lhe de uma peça sobre separação e decidiu levar porque representava os problemas vividos nesta fase de divórcio”, contou.
O especialista em bronze faz também pintura, cerâmica e madeira, atendendo a solicitação dos clientes, mas deixa claro: “podemos até atender este tipo de pedido, mas entrar aqui é falar com o bronze”.
Galardoado no exterior e “esquecido” em Angola
Pela natureza do seu trabalho, baseado na criatividade e inovação, Mpambukidi possui vários prémios a nível nacional e internacional e é considerado como um dos melhores artistas africano, em função das distinções que lhe foram atribuídas em países como França e EUA.
Neste momento, para atender a encomendas que recebeu do exterior está a produzir 54 esculturas, entre elas algumas máscaras que serão comercializadas em países como Grécia, Austrália e Inglaterra.
Entre as obras em criação está aquela que, em seu entender, vai ser considerada a maior Palanca Negra Gigante no país, por atingir três metros de altura e vai pesar uma tonelada.
Uma encomenda que diz ter um carácter especial. Porém, Mpambukidi lamenta o facto de não ter sido ainda distinguido com o Prémio Nacional da Cultura e Artes, mesmo dando mostra do contributo que tem prestado na divulgação da cultura angolana no exterior.
“Há 47 anos de independência que estou aqui e a batalhar muito.
Fui tido como melhor artista em vários países, falta apenas no meu país. São vários prémios internacionais que mereci, mas estou à espera ainda deste prémio”, augurou.
Membro da União Nacional dos Artistas Plásticos de Páris, Mpambukidi está associado ainda a vários organismos que congregam fazedores de artes na África Central e Austral.
De Cacuaco para as grandes “montras” internacionais
Na sua oficina, em Cacuaco, Mpambukidi trabalha afincadamente com dois jovens para materializar as peças por si idealizadas com a finalidade de encantar os apreciadores da sua arte.
Ainda em Novembro deste ano, estas obras juntar-seão a outras já existentes que vão ser exibidas em exposições em Portugal, Brasil e nos EUA.
“Fui convidado a apresentar as minhas obras nestes países, onde sou muito aplaudido e reco- nhecido.
O angolano não valoriza muito a arte. Há muitos bloqueios. É muito triste, não estão a deixar os jovens trabalharem bem. Apesar das dificuldades, estamos a trabalhar”, alegou.
Ainda assim, salienta que na sua galeria estão obras que já foram apresentadas em vários eventos no país, como na FILDA, ANGOTIC, Hotel Continental, 1º de Maio, bem como em actividades da OMA em alusão ao “Março Mulher”. Quanto ao material que utiliza, diferente das máquinas (rebarbadora berbequim) que são importadas, sente-se satisfeito ao poder adquirir no nosso pa- ís o gesso, ferro, madeira e tijo- lo.
Factor que resulta da entrada em funcionamento de fábricas produtoras destes materiais. Como em todo tipo de trabalho, os fazedores desta arte também enfrentam alguns “inconvenientes, entre os quais os elevados preços dos produtos, o que têm encarecido o produto final.
Neste contexto, as suas esculturas, apesar de haver aquelas de pequeno porte, de três quilos, que podem custar até 500 mil Kwanzas, são mais adquiridas por cidadãos da classe media.
“A motivação para fazer estes trabalhos, primeiro, é saber que é a minha profissão. Durmo com a arte e acordo com ela.
Temos que aproveitar Angola. O Governo quer que nós produza- mos, que apostemos na produção nacional, na arte nacional. Nós estamos a produzir a arte nacional”, enalteceu.
Contributo da cultura no desenvolvimento do turismo
Sendo a arte uma forma de representatividade da cultura angolana, o artista gostaria que os governantes tivessem mais sensibilidade sobre a mesma, por entender que ao fomentarem a aquisição de obras de artes plásticas contribuiriam para a maior rentabilidade dos artistas.
“Há ministros que não possuem obras de artes nos seus gabinetes ou mesmo nas suas residências. Isso é falta de cultura.
Assim, como é que vamos fazer a promoção da nossa cultura, do nosso turismo, até mesmo do nosso desporto se não estamos a falar do Akwá, do Mpambukidi, do Matias Damásio”? questiona.
Entretanto, no seu ponto de vista, a falta de implementação dos projectos que devem beneficiar à população, como o aumento da produção nacional, fica ensombrado quanto ao seu real funcionamento.
“As pessoas não estão a ajudar o Chefe de Estado nos seus projectos, nas suas ideias. O Chefe de Estado quer que a agricultura seja uma base para os angolanos, para termos muita comida. Mas, há muita gente que está a travar es ses projectos.
Por isso não vamos ir a frente”, deplora. Na área cultural, em que há artistas com grande capacidade criativa, Mpambukidi manifestou que lhe inquieta as enormes dificuldades que atravessam, o que tem comprometido a contínua progressão das suas carreiras.
Para se alcançar melhores resultados, apela para que os angolanos tenha mais amor pelo país, Angola. Partindo da premissa de que a riqueza do país não se baseia apenas no petróleo, diamante ou café, o artista sublinha que o turismo deve ser também equacionado.
Tendo em conta a sua experiência, que inclui a participação em exposições de vários países, assim como a comercialização das suas obras além-fronteiras, afirma que no continente africano só existe poucos artistas com a sua dimensão por falta de abertura.
Por considerar ser uma situação que pouco ou nada eleva o desenvolvimento do país, apela aos cidadãos enquadrados nos vários sectores a ajudarem o Chefe de Estado na materialização de projectos que beneficiam a população. Isso porque, reitera, “há pessoas que estão a bloque- ar os projectos”.
“O angolano tem que amar primeiro o nosso líder, que é o Presidente da República, as ideias que ele tem, a sua visão. Na boca, na televisão e na rádio dizem que estão a ajudar o país, mas os documentos, nos gabinetes deles estão a travar o país. Há muita in- veja. Há travão. Não estão a ajudar o país a crescer”, apurou.
Ministro da Cultura convidado a visitar “Espaço de Arte Mpambukidi”
Num tom bastante ousado, ou até mesmo de insatisfação, o escultor lamenta a pouca atenção que recebe por parte do Ministério da Cultura e Turismo.
Na esperança de que se altere o quadro, aproveitou a reportagem do jornal OPAÍS para endereçar um convite ao ministro Filipe Zau para visitar a sua galeria, assim como outros projectos desenvolvidos pelos artistas para maior promoção da cultura nacional.
“O ministro está a dirigir o ministério há mais de um ano e nunca entrou aqui na melhor gale- ria de Angola. Visitar o maior produtor de arte, a melhor galeria, o maior espaço.
O ministro tem que visitar este espaço”, frisou. Acrescentou de seguida que “para a promoção da cultura nacional é obrigatório ele visitar todos os espaços dos artistas.
Ele tem colaborador. Eu estou triste, porque o Ministro não está a me visitar”, contou. Realça que, diferente de Angola, noutros países existe um cré- dito para os artistas, por parte das entidades bancarias, que facilita a realização dos seus projectos.
Trata-se, segundo o artista, de uma realidade diferente da nossa, onde estes profissionais têm tido enormes dificuldades por lhes ser solicitado folha de salário que confirma a recepção do ordena- do todos os meses.
Uma situação que o próprio artista diz viver há 40 anos. “Quero importar carro, mas não consigo porque me foi negado o crédito por estes motivos.
Até mesmo para comprar material que uso para o meu trabalho, não consigo. Estou a falar sobre isso há 40 anos. Estou cansado”, deplorou.
Por outro lado, ciente dos constrangimentos que a atribuição de crédito pode criar, reconhece que não deve ser cedido a quaisquer artistas, mas a quem tenha possibilidade de fazer hipoteca de obras correspondente ao valor solicitado. Com a possibilidade desta abertura, considera que se pode impulsionar o turismo no país.
Construção de escola de artes encrava por falta de financiamento
Entre os projectos em car- teira que não foram ainda realizados por falta de verbas, está ainda a construção de uma escola no seu atelier, em Cacuaco.
A mesma, além de formar artistas, pretende também doptar de conhecimento os cidadãos apreciadores das artes plásticas. Mpambukidi sublinhou que o espaço do género serve para a transmissão de legados às novas gerações.
Devido à necessidade urgente para ver funcionar esta situação, apela ao Governo para a criação de mecanismos que possam acudir os artistas diante desta situação, com envolvimento do Ministério das Finanças, do Planeamento, da Economia e o Banco Nacional.
Isso por considerar que o Ministério da Cultura estará desprovida de verbas para apoiar os artistas. “Quero construir uma escola privada de artes no meu espaço, onde pretendo realizar a formação de carácter especial, mas o banco não quer me dar dinheiro, porquê? Não sou angolano? Nós precisamos que o Governo veja o problema do crédito para os artistas que de facto trabalham.
Noutros países é assim”, assevera. Um exemplo prático, sobre esta questão de formação, é o caso dos trabalhadores que há cerca de 40 auxiliam na produção das obras.
Neste atelier há sensivelmente três anos, Jael Domingos faz o acabamento das peças, após retiradas da areia, utilizando rebarbadora, lixa e outros materiais.
Sobre este trabalho que desempenha, de acabamento, mereceu formação por parte de Mpambukidi, uma lição que disse levar para a vida toda. “ A peça de bronze depois de sair da área tem que ser trabalhada para brilhar e ficar lisa. Um trabalho que aprendi com o mestre Mpambukidi que gosta de ver os trabalhos bem acabados. Aprendi com ele a ter paciência e também diligência. Uma outra visão da vida”, referiu.
Formar um milhão de professores em artes plásticas durante cinco anos
Entre aquelas que são as suas ambições, Mpambukidi deseja formar um milhão de artistas angolanos na Casa da Juventude na Fubu.
Um trabalho que vai realizar com a parceria com a Fundação Pirâmide, num período de cinco anos, na área de pintura, escultura e cerâmica.
Trezentos professores serão formados numa primeira fase, provenientes de várias associações de Talatona, com os quais pretende passar o seu legado, para posteriormente serem encaminhados noutros municípios na cidade capital, Luanda, e formar outros profissionais.
Noutras províncias, o processo vai ocorrer noutros municípios, distritos e aldeias que estejam “repletos” de artista e contribuam para o engrandecimento da arte no país.
Sendo que o mesmo ainda carece de apoio, de materiais como rebarbadora, berbequim, madeira, telha, prego, argilas, entre outros, aguardam pelo apoio da administração local.
“O projecto vai arrancar este ano. Já realizamos as reuniões, está tudo acertado. Enviamos a carta e estamos à espera da resposta do administrador, Rui José Duarte.
Se não conseguirmos atingir a cifra de um milhão, diante das dificuldades, 500 mil teremos de fazer”, assegurou.