Por estar localizado a meio da entrada para o Mussulo, via terrestre, os condutores de camiões-cisternas, que se dedicam à venda de água potável, não aceitam rumar a este bairro, o que torna a situação dos habitantes mais complicada
Residentes do bairro costeiro denominado Farol, na comuna do Mussulo, município de Talatona, em Luanda, estão a registar sangue na urina e fezes, devido ao consumo de água imprópria.
Segundo as senhoras que OPAÍS abordou, primeiro começaram a notar a ocorrência nos seus filhos mais pequenos, tendo, pouco tempo depois, verificado em si próprias.
Inicialmente, as mulheres do referido subúrbio associavam as ocorrência à febre tifóide, de que dizem padecer com normalidade, mas o aumento das dores nos órgãos genitais e da coloração da urina fizeram-nas recorrer a alguns postos médicos do vizinho bairro do Buraco, onde lhes foi anunciada a relação da doença com a água que consomem diariamente.
“Isto já está a acontecer há mais de dois meses, mas nós achamos que já tínhamos sintomas de uma doença que não conhecemos e, agora, chegou a gravidade da situação”, disse Cândida, tendo apontado como causa da endemia a água que ela e seus vizinhos utilizam para o consumo, lavar e lavarem-se.
Cândida revelou que os moradores desses bairros costeiros (Buraco, Farol,Tapo, Destaque e Palmeirinhas) estão cansados de pedir para se instalarem projectos efectivos de água potável, de modo a diminuírem-se as possibilidades de contracção de doenças derivadas do uso de água salobra.
As crianças que estão afectadas com a suposta bilharziose mostram-se completamente assustadas, pelo facto de verem, diariamente, a sua urina ensanguentada.
Os homens adultos preferem não falar do fenómeno, para não serem conotados como vítimas da doença. Entretanto, algumas senhoras revelaram que os seus esposos também estão afectados.
“E eles rejeitam ir às consultas, pedem-nos para irmos só nós com os filhos, para, depois, eles tomarem o mesmo remédio que nos for receitado”, disse uma moradora sob condição de anonimato, alegando que não pretendia sofrer retaliações, por parte do seu parceiro.
Embora as mulheres com a doença relatem sobre consultas médicas efectuadas nos postos de saúde dos bairros vizinhos, em nenhum momento elas fizeram referência ao facto de estarem a tomar algum medicamento convencional.
Falam de chás caseiros e adição de folhas desconhecidas na água de consumo.
Fontes de água sob riscos constantes
Segundo constatou a reportagem deste jornal, nessa localidade do bairro Farol, as fontes principais de aquisição de água da população são as cacimbas escavadas em terrenos arenosos com características marinhas.
A água captada nesses depositários naturais é teoricamente salgada e turva.
Segundo os moradores do Farol, quando chove, na zona, a quantidade de salinidade do líquido captado nas cacimbas baixa, consideravelmente.
Entretanto, nessa altura, os residentes utilizam pouco a referida água, porque preferem captá-la directamente da chuva.
“No tempo chuvoso, a situação melhora um pouco, porque nós, as donas de casas, preferimos aproveitar água da chuva.
Aquela que cai directamente para as nossas bacias ou baldes, utilizamos para beber e cozinhar.
Já as que captamos pelos tectos das nossas casas, usamo-la para lavar”, revelou a moradora Rosa Manuel, que recorda terem tido alguma tranquilidade no tempo chuvoso passado.
De noite, as senhoras tapam a abertura das cacimbas com qualquer objecto que se ache viável, mas sabem que, da noite para o dia, um animal ou pessoas estranhas podem descobrir a fonte e atirar qualquer objecto.
“E essa situação também pode provocar ainda mais riscos de saúde, porque nunca sabemos que substâncias, de concreto, se terá misturado com a água”, disse a moradora, tendo adiantado que, pelo facto de o bairro ser muito aberto, é difícil impedir que tal aconteça.
Por essas e outras ocorrências, Rosa Manuel e suas vizinhas acham que a população do Farol está sob constante ameaça de saúde pública.
Líquido preenchido com bactérias
O enfermeiro Garcia Muacaiengue, que se dedica mais ao atendimento de mulheres e crianças, disse que, por mais que os moradores se desdobrem a cobrir ou aplicar outras medidas de protecção das cacimbas, as mesmas estão expostas ao ar livre, sob o sol, a poeira e o contacto com outros líquidos (subterrâneos), bem como com outros agentes da natureza nocivos à saúde, como é o caso dos insectos.
“Então, essas águas que eles utilizam para todos os fins está preenchida com bactérias e outros agentes que vão sempre comprometer a sua qualidade, ao ponto de provocar doenças, como a possível bilharziose”, disse o técnico de saúde, para quem as mulheres e as crianças acabaram por ser as vítimas directas da situação.
Questionado se não existe alguma medida que transforme essa água em consumível, o enfermeiro declarou que, pelo facto de a mesma ser de origem marinha e possuir uma concentraçã o de salinidade, é um pouco arriscado recomendar lixívia ou qualquer produto químico que pode melhorar o referido líquido.
“Pois, o problema estará na insegurança da população em cumprir com as doses aplicáveis, em águas dessa natureza”, realçou o técnico de saúde, que defende a criação de um programa de distribuição diária de água potável à comunidade do Farol e aos bairros dessa zona da comuna do Mussulo.