Enéas Carneiro, polímata, adversário de Lula da Silva nas eleições presidenciais do Brasil em 1994, era categórico quando dizia que na sua perspectiva, um candidato à presidência da República devia, obrigatória e criteriosamente, possuir um mínimo de preparo intelectual e profissional para tornar-se elegível a posição de Chefe de Estado, em detrimento da seriedade e exigências inerentes àquela posição cimeira.
É uma perspectiva digna de profunda consideração. Acredito que o mesmo devia ser exigido dos artistas musicais.
Uma condição inegociável que se lhes devia ser imposta para serem considerados músicos é a de que soubessem tocar no mínimo um instrumento musical.
Os artistas contemporâneos na sua esmagadora maioria monopolizam as músicas com as suas vozes. Esquecem-se, ou talvez não compreendam a importância de ceder parte do protagonismo aos instrumentos musicais.
Reprimem e não os dão permissão para se expressarem e destilarem as suas melodias.
A música contemporânea usa e abusa do auto-tune, é demasiado plástica e robotizada. Benditos sejam os artistas que percebem a importância e dão protagonismo aos instrumentos musicais nas suas obras.
Só quem já atendeu a um concerto ao vivo com banda percebe a magia, o impacto e o deleite que se sente ao estar em tais ambientes de sons puros, vívidos e pulsantes.
Entendem bem a importância desta matéria artistas como o Duo Canhoto, no caso da música “Agora Eu Sei”, das minhas favoritas, a qual é repleta de belos acordes profissionalmente aplicados e emitidos pela guitarra, num perfeito enlace harmônico entre voz e instrumento.
Em “Dangwa”, quarta música do icônico álbum “Soul Makossa” de Mano Dibango, há uma panóplia de instrumentos que ganham voz e falam profusamente, numa combinação de ritmos e melodias essencialmente produzidos pelo saxofone, batuque e guitarra que refrigeram a alma.
Há mais instrumentos do que voz em “Dangwa”, e é esta razão fundamental que torna a música atemporal.
Ed Sheeran é um dos expoentes da música secular contemporânea que parece perceber o quanto é importante dar voz aos instrumentos, fazendoo em maior parte das suas composições.
Exímio guitarrista, em “Tenerife Sea”, o artista dá mais vida a música ao permitir que a guitarra falasse livremente, emitindo melodias que adornaram e complementaram a sua voz.
Através da combinação de música erudita com estilos como o Rock, Pop, música africana e oriental, Ludovico Einaudi, pianista e compositor italiano, descobriu uma fórmula musical divina.
O artista desafia a norma e o padrão musical dos tempos hodiernos, os quais monopolizam o uso da voz e terceirizam o protagonismo dos instrumentos musicais.
Este desafio se reflete em uma atitude ousada e radical: fazer música onde o piano é o único protagonista e a única voz emitida, vez ou outra acompanhado pelo violino e o violoncelo, porém, nada de voz humana.
Ludovico Einaudi tem essa capacidade de transportar a alma para um plano etéreo e metafísico, o qual não se submete às leis do tempo.
Um plano incorpóreo de gravidade zero, onde a alma flutua, a matéria se dissolve e tudo se desintegra em partículas microscópicas.
Einaudi eleva a alma para um nível profundo de introspecção do qual se sai percebendo tudo sobre tudo e mais alguma coisa.
Neste plano astral onde as almas têm residência, somente a paz reina. Não há lugar para pensamentos destrutivos.
Não admira que muitos dos seus ouvintes afirmem ter superado doenças que afetam a alma como a depressão, decepção amorosa e/ou a perda de um ente querido por intermédio das suas músicas, sendo por isso benéficas para a saúde mental, à semelhança das sensações e sentimentos causados pelas clássicas composições do eterno Tchaikovsky.
Quando se ouve Ludovico Einaudi uma coisa é certa: não há lugar para o que for que seja supérfluo. Tudo quanto nos separa, antagoniza e opõe é reduzido a nada.
O artista escusa-se a falar com os homens uma vez que percebe que estes são peritos em erigir fronteiras, tanto físicas quanto ideológicas.
Por essa razão, dirige-se as suas almas e com elas enceta um profundo diálogo. Não se trata, porém, de um diálogo prosaico, regido por palavras ou gestos.
Antes sim, é contemplativo, e aquilo a que Ludovico Einaudi nos convida a contemplar por intermédio das doces melodias cuidadosa e delicadamente emitidas conforme os seus dedos sensíveis tocam nas teclas do seu piano nada mais é do que o cosmos, os átomos e a eternidade.
Como se diz por aí, super recomendo.
Por: EDUARDO PAPELO