No centro de São Paulo, no início da Avenida da Liberdade existe um lugar que todos sabem onde fica, mas que poucos sabem o que realmente é, foi e sobretudo quer ser: a Casa de Portugal.
Fundada em 1935, a “casa” levaria 20 anos a se instalar em um majestoso solar talhado em austero granito, dizem que inspirado por um discurso proferido pelo gênio revolucionário do arquiteto português Ricardo Severo, responsável por projetos de impacto na cidade de São Paulo, nomeadamente a Faculdade de Direito do largo de S, Francisco.
Primeiramente criada com a intenção de servir de assistência à comunidade lusa, muito cedo passaria a atuar como “Casa Mãe”, na defesa da língua portuguesa e na divulgação dos valores e das tradições do país europeu.
Desde a sua fundação, a Casa se afirma “a” instituição da Comunidade Luso-Brasileira e, também por isso, no melhor e no pior, tem sido espelho formador da opinião que os paulistas têm das gentes da terrinha. De Eusébio a Ronaldo.
De Zambujo e Leal. Hoje talvez poucos se lembrem, mas a imagem de Portugal e dos portugueses, até há pouco tempo, não era das melhores.
No século 20, Portugal e o Brasil coincidiram em uma década em ditadura (1964-1974) e, todos sabem, nada melhor que uma ditadura, como aliás recentemente se provou aqui, para inventar mentiras e escrever notícias falsas.
Embora Portugal tenha realmente tido um atraso estrutural, vítima de seu anacrônico Estado Novo (estabelecido em 1928) aquela caricatura antiquada, mulheres de bigode vestidas de preto e homens baixotes e pouco inteligentes, também se deve ao discurso oficial da ditadura brasileira, que apreciava essa gesta tosca, como alvo fácil e mobilizador.
Como em política percepção é tudo e, como a redemocratização no Brasil aconteceu em um momento bem mais moderno (1986) que a revolução dos cravos (1974), esse discurso acabou perdurando no tempo. Mas o ranço com que o brasileiro comum fazia piada de “portuga” até a primeira metade do século 21, devia-se fundamentalmente a muita desinformação e ainda maior desconhecimento.
Também por isso, esse Portugal europeu— seguro, moderno, escolarizado, culturalmente rico e sofisticado, liderante em tecnologia, capaz de albergar eventos de dimensão global e de se tornar um dos mais reconhecidos destinos do mundo— continuou invisível e escondido dos paulistanos por mais uns anos.
Mas hoje tudo é diferente, andando pelas ruas, nos táxis e em edifícios públicos, falando com homens de negócios, políticos e servidores, estrelas de televisão, autores, atores, poetas e escritores, você aí lendo esse texto, nos deparamos quase unanimemente com a mesma sentença: eu amo Portugal.
Na última década o Brasil descobriu esse Portugal diferente, filho da revolução dos cravos e que hoje é um lugar desejado por cada vez mais brasileiros. Hoje, em pleno século 21, fazendo juz ao seu legado, a mesma Casa de Portugal que representou essa imagem anacrônica dos tempos se prepara, de novo, para ser futuro.
Antecipando o ano das celebrações da liberdade lusa a “casa” inaugura um inovador ciclo de debates. Na mesma mesa, o escritor e ativista Tom Farias, biógrafo de Carolina Maria Carolina e o representante máximo do Estado de Portugal em São Paulo, o embaixador António Pedro Rodrigues da Silva. O tema é o futuro comum dos povos da língua portuguesa.
Essa conversa (11/9) que acontece na mesma semana em que o governo brasileiro regulamenta a concessão de visto de autorização de residência a nacionais da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, marca uma nova era. Belos tempos se anunciam para as austeras colunas sonhadas por Severo.
Por: JOSÉ MANUEL DIOGO