Atravessando inúmeras dificuldades, agravadas com a actual situação financeira que o país atravessa, os fazedores de cestarias tradicionais, espalhados por diversos pontos de Luanda, procuram formas de persistir e se reinventar para manter viva a arte que garante os seus sustentos
Rostos suados, facas nas mãos, troncos finossobre o colo, sentados ou inclinados sobre um aposento, é a forma como os artesãos se apresentam nos seus locais de trabalho, transformando os “galhos” secos em obras de arte que terminam em cestos, candeeiros, celeiros, baús, assentos e tantos outros móveis domésticos.
Pelos diferentes pontos da cidade capital, a arte de produção dos cesteiros tradicionais é transversal a várias idades e gêneros, apesar de os homens serem a maioria, com os mais velhos experientes a passarem as técnicas aos mais novos que se mostram aptos e dinâmicos na absorção do conhecimento.
Expostos ao sol abrasador de Luanda e à poeira das periferias, os artistas arranjam formas de manter a arte viva, apesar das inúmeras dificuldades e a considerável redução no número de clientes que preferem produtos importados feitos de plástico, metal, prateado ou bronzeado, ao invés do “tradicional que é mais durável e menos dispendioso”.
André Bengui, de 49 anos de idade, é artesão nesta área há mais de 20 anos e considera que a sua arte está a vivenciar os momentos mais difíceis dos últimos 15 anos, fruto da crise financeira que o país atravessa desde 2015, agravada ainda mais com a depreciação da moeda nacional, o que torna os custos de aquisição de matéria-prima cada vez mais alto.
À equipa de reportagem do jornal OPAÍS, o artista conta como decorre o processo de execução da arte, desde a aquisição dos “juncos”, que é a matéria-prima base, à conclusão do trabalho artístico.
“Estes juncos, que em kikongo chamamos “mbamba”, vêm das províncias de Malanje, Zaire, Uíge e Cuanza-Norte.
Eles são retirados das matas, de seguida cascados, postos a secar e, posteriormente, são colocados nas motorizadas que os transportam até às localidades-sedes dos municípios, de onde são transportados por camiões que vão levar para o mercado”, começou por detalhar.
Segundo o artista, a este processo juntam-se elevados custos, desde a mão-de-obra para a retirada dos juncos das matas, a colocação nas motorizadas e disponibilização nos mercados municipais por meio dos camiões, acrescentando-se as elevadas taxas que são pagas para que os produtos cheguem a Luanda.
A situação, segundo Simão João Muwa, outro artesão, de 51 anos de idade, tem feito com que muitos fazedores destas obras desistam e decidam abraçar outras áreas menos dispendiosas.
Na profissão desde os seus 15 anos de idade, “Mestre Simão”, como é popularmente tratado, conta que já vivenciou bons momentos nesta carreira, mas que nos últimos tempos as coisas têm-se tornado cada vez mais difíceis.
“Hoje nós fazemos este trabalho só mesmo para garantir o nosso sustento, já não conseguimos trabalhar para organizar a vida ou aumentar a produção.
As coisas estão muito caras e os clientes desapareceram. Só não trocamos de profissão porque é isto que nos criou e não temos mais idade para nos aventurarmos noutras áreas como os jovens”, expressou.
Falta de mercado específico é outro “entrave”
A par das dificuldades financeiras e materiais, uma outra preocupação manifestada pelos artesãos é a escassez de mercados específicos para a venda dos produtos do seu trabalho, sendo que em Luanda, com mais de 9 milhões de habitantes, existe apenas uma única praça artesanal, situada bairro Ramiros, município de Belas.
Segundo os artistas, o espaço não oferece condições suficientes para acomodar o elevado número de artistas existentes na capital do país, sublinhando que a mesma é dominada maioritariamente por pintores e escultores.
“Existem muitos artistas desta área em Luanda, e apenas uma praça não é suficiente para todos nós vendermos lá.
É preciso que o governo crie mais praças deste tipo, mas estas precisam estar em zonas bem localizadas e não lá bem distante dos locais turísticos, porque a maioria dos compradores são os cidadãos turistas que vêm visitar o nosso país”, disse José Mutondo.
Vendas rendem mais em épocas festivas
Apesar das dificuldades que assola o mercado, mestre Mutondo explica que as vendas têm o seu melhor período em épocas de festas, concretamente em finais de Novembros, Dezembro e princípio de Janeiro, altura em que as empresas acorrem aos artesãos para aquisição de cestos para cabaz.
Nesta época, explica, o fluxo de trabalho triplica devido ao excesso de clientes e pedidos, facto que permite a contratação de mais ajudantes em função da quantidade de trabalho a executar.
“Por causa das encomendas que são muitas na época de festas, nós chamamos reforços.
Contratamos alguns jovens, às vezes trazemos os nossos filhos e sobrinhos para ajudar, porque os pedidos aparecem em grandes quantidades e são muitos os clientes que solicitam”, avança o artesão, com um sorriso esperançoso.
Jovens têm na arte o seu ‘ganha-pão’
Embora seja uma arte em que a maioria dos artistas está acima dos 45 anos de idade, tal como constatou a de reportagem do jornal OPAÍS, existem também alguns jovens que encontram nesta profissão o seu “ganha-pão”.
É o caso de Neymar dos Santos, de 23 anos de idade, residente no município de Cacuaco, que diariamente sai de casa, no bairro Belo Monte, para se deslocar à sua oficina situada na Corimba, distrito da Samba, onde trabalha como mestre auxiliar na produção de cestos, celeiros, bancos e baús tradicionais, há mais de três anos.
Na mesma oficina, trabalha também Adão Ricardo, de 21 anos, igualmente mestre auxiliar há pouco menos de dois anos.
Os jovens mostram-se entusiasmados por desenvolverem uma arte humilde que garante os seus sustentos e o das suas famílias, assegurando que fazem com muito orgulho e determinação.
“Apesar de ainda estar aqui há poucos meses, já pude aprender muito e desenvolvi uma paixão por esta arte.
Gosto do que faço e é a partir daqui que tiro o meu sustento e também ajudo nas despesas de casa”, disse Pedro António, de 16 anos de idade, que desempenha a função de ajudante há seis meses.
Mulheres também ganham jeito e habilidade na área Numa arte onde os homens se assumem como os principais protagonistas, Cristina Tchivangulula é uma mulher que se impõe e mostra que tem jeito e habilidade para desenvolver a arte que aprendeu com o seu tio enquanto ainda era adolescente.
Com 29 anos de idade, a jovem, que se mudou de Benguela para Luanda em busca de oportunidades e melhores condições de vida, é artesã profissional há pouco menos de três anos, e demostra, por meio do seu trabalho, que tem capacidade para se afirmar no mercado e, por isso, vai aos poucos conquistando o seu espaço.
“É um pouco difícil ver mulheres a fazerem este trabalho que eu faço, mas isso não me impede de continuar.
Aprendi esta arte na minha mocidade e desenvolvi as minhas habilidades já aqui, em Luanda, com a ajuda do mestre que trabalha comigo”, adiantou.
Na sua pequena galeria, situada na zona do Benfica, Cristina expõe diversos produtos feitos por si e pelo seu colega mais experientes, o mestre João Moisés, de 58 anos.
Dentre os produtos feitos pela jovem artesã constam chapéus, abanos, porta-lâmpadas, baús, bancos, cestos, vasos decorativos e vários objectos de decoração caseira.
Questionada se já foi vítima de alguma discriminação por ser a única mulher a trabalhar naquela arte, em especial naquela oficina, Cristina afirma ser focada e determinada, e, por isso, não dá espaço para qualquer tipo de barreira que o impeça de progredir. “Sou forte e determinada.
Tenho filhos para sustentar, por isso não ligo para a vaidade e me dedico seriamente àquilo que faço”, salientou.
Dia internacional do Artesão Recorde-se que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) instituiu o 19 de Março, como o ‘Dia Internacional do Artesão’, data escolhida por ser o Dia de São José, santo reconhecido como padroeiro dos artesãos, trabalhadores de um sector responsável por manter as culturas das comunidades vivas e presentes apesar da barreira que a modernização vão se constituindo para estes profissionais.
Por: Bernardo Pires