O tempo marca as nossas vidas dos dias aos séculos. É compasso das sinfonias que somos capazes de criar. Poeira da memória. Senhor impiedoso que nos escraviza.
Mas também espaço de sonhos e grandezas.
Vivências que jamais se apagam. Pela Pátria fomos à guerra. O tempo fez de nós guerreiros, quando sonhávamos com a paz.
Nunca mais esqueci a primeira embocada em que caí com os meus camaradas. Jamais esquecerei que não morri graças à camaradagem do combatente Antero Luís Cid(Gorila).
Tanta luta, tanto tempo, tanta amizade e tanto luto. Esse glorioso combatente não viu Angola em paz.
O meu eterno agradecimento ao meu salvador.
O tempo ainda não apagou da memória o meu Comandante David Moisés (Ndozi), o que estava sempre na frente, com os seus camaradas.
Comandante ao comando. Comandava! Prometi-lhe que havia de combater pela Pátria até ao último instante da minha vida.
A promessa está a ser cumprida. O tempo ainda não varreu da memória os meus companheiros do percurso. Comandante Gugú !
Obrigado por teres apostado pois o conhecimento continuará a consagrar gerações. Sérgio Raimundo! Um dia tens que contar tudo sobre as peripécias da nossa viagem no voo da Aeroflot-há 43 anos.
Desse percurso maravilhoso, a voracidade do tempo já nos roubou alguns companheiros. Foram para nova dimensão da vida. Uns continuaram os estudos.
Outros nem tanto. Mas evoluíram e singraram na vida.
Alguns tiveram boas fezadas, mas viraram costas aos seus companheiros de trincheira e caserna. Todos os percursos são assim. Todo o tempo é feito de fidelidades e traições.
São coisa da vida. Coisas da vida fazem-me recordar o longínquo ano de 1978, no Cine Império (antes de Atlântico).
Um filme que contava as façanhas heroicas de “partisans” Iugoslavos que defenderam com sangue e suor a Pátria de Josef Bros Tito. Heróis vivos e anónimos existem em todos os países, uns reconhecidos e outros nem por isso.
Angola não é excepção.
Temos heróis vivos e anónimos espalhados por essa imensa Angola.
O tempo colocou-me frente a frente com um herói que após ser fustigado pelos anos, o inclemente rolar do tempo, sobrevive como segurança num restaurante em Porto Amboim.
Ninguém vê naquele corpo franzino, vergado ao peso dos anos, um combatente da Pátria. Um homem que deu a vida pela Soberania Nacional e a Integridade territorial. Estava ali, guarda do restaurante.
Quando é ignorado sente-se feliz. Pior é quando se sente humilhado e vilipendiado.
O meu herói anda ali, guardando bens alheios, expondo o peso dos anos até à zombaria das crianças. E o tempo, implacável, vai-lhe corroendo a vida.
Quem és tu, guarda franzino e vergado ao peso da idade? Este homem de Porto Amboim foi Capitão Comando das Forças Armadas.
Com provas dadas em vários teatros operacionais. Combatente da Pátria. Preparou e instruiu jovens que hoje seguem a carreira militar.
Fala-me deles com orgulho e a consciência do dever cumprido. De quem pagou uma boa parte da dívida que todos os filhos de Angola têm para com a Pátria.
O Capitão Comando de ontem está aqui, à minha frente, num restaurante de Porto Amboim.
Quando olho para o seu rosto sofrido, o seu corpo franzino fustigado pelo peso dos anos, tenho um pensamento terrível: Eis a Pátria em morte lenta!
O tempo mágico de Porto Amboim juntou no mesmo espaço, na mesma aventura, o Capitão Comando e seu camarada quando foi cumprir o serviço militar.
Mais de 30 anos depois, duas gerações diferentes foram colocados frente a frente.
O General Cruz, segundo comandante do Exército, aprendeu com Capitão Bananal as primeiras técnicas e os valores militares.
Tanto tempo, tanto vento, tanta esperança perdida, tanto luto, tanta vitória ao serviço da Mamã Angola.
O reencontro do General Cruz com o ex. membro do Batalhão Operacional de Comandos agora guarda de um restaurante, fica para sempre na minha memória.
O tempo é meu amigo. Meu camarada. Meu companheiro de luta.
Aos que amam Angola deixo um pedido: Valorizemos os nossos heróis, respeitemos os outros não pela aparência, estatuto social ou posicionamento.
A paz que desfrutamos teve preço e esse preço foi pago com sangue, suor e lágrimas de muitos anónimos cuja situação social não é das melhores.
Existem muitos anónimos por aí que combateram pela Pátria Angolana.
Um deles foi o Capitão Comando Rúben Martinho (Bananal) que hoje precisa de ser guarda de um restaurante para sobreviver.
Não viremos costas aos nossos heróis. Eles defenderama Pátria!
Por: ALBERTO KIZUA
Tenente General