Há dias, fui convidado para assistir a uma gala de encerramento do ano lectivo numa escola do primeiro ciclo do ensino secundário.
Foi uma gala no verdadeiro sentido do termo, com os alunos e professores vestidos a rigor, boa música e muita comida.
Estranhei o convite porque não sabia que já se faziam galas com tanta pompa para alunos que estavam a terminar ciclos de ensino tão básicos em que a transição é quase obrigatória.
A gala começou com cerca de três horas de atraso, o que foi também um espanto porque, numa das paredes, em letras quase gigantes, estava uma frase que dizia que na escola se ensina o respeito à pontualidade.
Durante o tempo de espera, conversei com vários encarregados de educação que me transmitiram uma preocupação quase comum: a de conseguir uma vaga para os seus educandos no novo ano lectivo.
Compreendo a preocupação, matricular um filho, nos tempos que correm, sobretudo no segundo ciclo do ensino secundário e no ensino superior, é uma tarefa que, cada vez mais, vai adquirindo contornos que roçam o impossível.
Para maior desespero dos pais, a gala praticamente começou com a triste notícia de que os certificados, que se esperava que fossem entregues durante o evento, não estavam prontos.
Ficou, no entanto, a promessa da entrega a qualquer momento, mas sem uma data definida. Bem definidos mesmo são os prazos para as novas matrículas, para as quais os certificados são condição indispensável.
Portanto, mais uma dor de cabeça para os pais que, mesmo assim, foram obrigados a celebrar.
Penso que o problema antigo dos certificados que nunca são emitidos a tempo e que todos os anos empurra milhares de jovens para fora do sistema de ensino pode facilmente ser resolvido com um ligeiro ajuste ao calendário académico.
Pode-se, através de um acerto entre o Ministério da Educação e o Ministério do Ensino Superior, dilatar o período que vai do final do ano lectivo no ensino secundário e o inicio das inscrições no ensino superior.
Isso daria mais tempo às instituições para emitirem os certificados e aos estudantes tempo suficiente para efectuarem as suas matrículas.
Penso ainda que o Ministério da Educação pode ser um pouco mais radical e descentralizar a emissão de certificados conferindo assim maior celeridade ao processo.
Enfim, pensei só. Ainda assim, com os pais já cansados, preocupados e desesperados, a gala prosseguiu. Fiquei curioso em aferir a qualidade dos estudantes que agora terminavam mais um ciclo.
Esperava ver uma exposição com trabalhos académicos e/ ou artísticos produzidos pelos estudantes, um jornal mural, ou ao menos uma demonstração qualquer de inteligência talvez, ao estilo do concurso “Quem sabe, sabe”.
No entanto, a gala teve nada de académico, apenas números infindáveis de Kuduro. Era como se assistíssemos ao encerramento do ano lectivo numa escola de dança, porque, neste quesito, os estudantes nada deixaram de fora, nem mesmo aqueles movimentos obscenos muito característicos do Kuduro que se dança hoje-em-dia.
Devo dizer que me senti desiludido. Os únicos sinais da qualidade que foi incutida àqueles estudantes foram dados pelo apresentador (simultaneamente professor da escola) que, volta e meia, dava uns valentes pontapés à Língua Portuguesa e umas frases com vários erros de gramática espalhadas pelas paredes da escola. Mas a gala prosseguia.
Ao longo dos discursos, proferidos sobretudo por professores, pais e direcção da escola, as mensagens que mais se repetiram foram as de que não é facil ensinar os nossos jovens, que estes não se dedicam aos estudos, que as escolas não têm condições de trabalho e que aqueles estudantes terão de se esforçar muito se quiserem ter um futuro individual com alguma dignidade porque o nosso futuro colectivo parece cada vez mais penoso.
O zénite deste momento, de alguma angústia, foi o apelo (quase uma súplica) que o director da escola fez aos estudantes para que estes não escolhessem os Punivs para seguir os seus estudos, como se estes tivessem muitas possibilidades de escolha.
Apeteceu-me perguntar: O que celebrávamos, então?
Mas lembreime que o país agora é assim: celebramos mesmo quando nada alcançamos e nos consolamos com frases rebuscadas do tipo: “é melhor isso do que nada”, “temos que celebrar as pequenas vitórias” e outras tantas que só nos fazem continuar neste marasmo do qual parece que ninguém quer sair.
Celebramos tudo. Instituições que passam anos sem prestar um serviço de qualidade aos seus utentes realizam galas de arromba por ocasião de mais um aniversário ou da visita de um chefe máximo, serviços que mal conseguem dar condições de trabalho aos seus funcionários gastam milhões em festas por motivos banais, pais insatisfeitos com o rendimento e o comportamento dos filhos pagam para festas apenas por que é bonito, escolas que mal formam, mal educam, onde professores estão insatisfeitos com os alunos e vice-versa dão festas apenas porque é aquilo que todos fazem, familias fazem contribuições para dar festas de casamento de arromba a adolescentes que engravidaram
mesmo quando esses mal estudaram, não trabalham e nem têm qualquer perspectiva de futuro.
Porque celebramos tanto, afinal? Que motivos temos nós para celebrar?
O que alcançamos nós?
Que futuro temos?
Talvez seja esta nossa mania de celebrar que já não nos permite almejar coisas maiores e melhores porque, quando se celebra tudo, parece que tudo está bem.
Por: SÉRGIO FERNANDES