Também morri e foi antes de morrer que tudo aconteceu.
Não haviam soluços e tampouco dor, apenas risos ternos como se soubéssemos que era o nosso último dia na terra de ninguém.
Tudo corria bem até ao momento que Pedro decidiu levantar e ausentar-se. Segui-o com os olhos até vê-lo sumir das minhas vistas.
Qual é o destino desses passos que me fazem pensar que existe algo mais do que uma simples pressa? me indaguei e, em seguida me distraí com o louvor entoado pelo coral. Minutos depois os meus olhos cruzaram com os de Pedro que estava diferente de quando saiu.
Trajava uma batina que, pelo tamanho, poderia caber ao Padre Afonso que embora pesasse mais do que ele, tinha uma altura semelhante.
Nunca o vi daquele jeito, era tudo novo e estranho, pois desde que o conheci nunca mo falou que estava interessado em seguir a vida sacerdotal.
As pessoas mudam e, as vezes, para melhor pensei.
O Pedro segui em direcção ao altar e parou onde estaria o Padre Afonso.
Deu um toque de palma no microfone para testar se funcionava.
O ruído confirmou que sim e logo em seguida disse olhando para multidão sentada: Odeio a Igreja, o credo, as crenças e pessoas que a dirigem.
A multidão unissonamente entoaram ruídos de desaprovação, mas Pedro prosseguiu.
A Igreja desorientou a minha sexualidade, fez-me experimentar o que em circunstâncias normais eu não experimentaria com homem igual.
Quem me conhece desde a infância sabe que a dado momento afastei-me da Igreja e de religiões organizadas.
Durante anos tive dificuldades de entrar numa igreja, agoniava-me pensar na possibilidade de um dia regressar.
Meu menino toca aqui, faz assim, encoste a cabeça aqui assim dizimavam a minha alma.
A Luzia coitadinha, também fazia o que eles orientavam.
A palavra deles era uma ordem.
Ela era pequenita, estava só e abandonada com a avó que nada percebia.
Não digas a ninguém senão vais direitinha ao inferno diziam para lhe calar e, em seguida acrescentavam: estiveste bem, tu és especial, Deus está orgulhoso de ti.
Enquanto Pedro tentava seguir com o discurso, sentimos um tremor de terra, a capela desabou e foi como se o inferno tivesse aberto as portas para nos acolher.
Como todos naquela paróquia Pedro morreu com a migalha de vida que teve.
Sabemos que o universo pertence a um ser justo e compassivo, que não mo deu o catálogo da vida, mas deu-me a chance de renascer, noutro corpo com vários “eus”.
O Pedro renasceu em mim, não mais um menino de cinco ou seis, mas uma mulher batendo a porta dos trinta, sem saber o que lhe espera, se mais uma morte, ou seguir no corpo de uma prostituta que escreve sem pudor de confessar que, de quando em vez, deita na cama deste que pensa nela enquanto prega para os enfermos d’alma.
Por: Dito Benedito