O proprietário da clínica Daisy Well foi detido pelo Serviço de Investigação Criminal (SIC) por se fazer passar por médico embriologista e, com isso, burlado um valor superior a 400 milhões de kwanzas, subtraídos de mais de 200 cidadãos, que, esperançosos por verem resolvidos os seus problemas de infertilidade, acorreram a essa instituição
Laurindo Tchilima é, supostamente, o principal actor desta história narrada pelo SIC, em que aparece indicia- do nos crimes de burla, exercício ilegal de profissão e ofensa grave à integridade física. Para concretizar o seu intento, o suposto médico instalou a sua clínica na Centralidade do Kilamba, onde prestava serviços de saúde, sem, no entanto, possuir alguma carteira que o habilitasse para o exercício da profissão.
De acordo com o SIC, há cerca de quatro anos que Laurindo vem realizando consultas de Ginecologia, Obstetrícia, Urologia, Inseminação Artificial, e Fertilização In-Vitro a cidadãos ávidos por concretizarem o sonho de serem pais. Para atrair as possíveis vítimas, o jovem publicitava os seus serviços numa das estações radio- fónicas de Luanda. Apesar de ter o consultório numa das maiores centralidades do país, o SIC considera que as suas actividades eram realizadas em locais com condições precárias.
O porta-voz do SIC-Luanda, Fernando Carvalho, afirmou que os valores pagos por quem perpectivou conseguir um tratamento bem-sucedido, nessa pseudo-clínica, a fim de conceber e, consequentemente, ter um filho, não ficava abaixo de 2 milhões de kwanzas. “Foram vítimas desse suposto médico acima de 200 senhoras, que ali acorreram à procura de [consegui ter] um filho. Por- tanto, aleatoriamente, podemos calcular acima dos 400 milhões de kwanzas [o valor total da burla] ”, avançou.
Testemunho de três das mais de 200
Vítimas Sandra, nome fictício, chegou à clínica em Setembro de 2021, de- pois de ouvir de terceiros, que esta era especializada em fertilização In-vitro. Quando procurou o local, as instalações estavam no bairro Lar do Patriota, no Benfica, onde observou que as condições não eram adequadas para prestação dos serviços oferecidos. Porém, a vontade de ser mãe “falou mais alto”. Sandra pagou 30 mil kwanzas pela consulta que resultou na requisição de exames avaliados em mais de 380 mil, o que julgou ser bastante oneroso.
No entanto, o falso médico, convincentemente, justificou a razão do preço, alegando que os exames médicos seriam processados, no Reino de Espanha. Ela saiu da clínica consciente de que passados três dias saberia os motivos que a levavam a não engravidar e que medicação deveria seguir para ultrapassar essa barreira. No entanto, passadas semanas, Sandra não tinha notícias dos exames. Preocupada, regressou à clinica e fez pressão ao suposto médico, exigindo os resultado. Este, por seu turno, limitou-se a informá-la que padecia de “baixa reserva ovariana”, sem exibir qual-quer comprovativo.
A nossa interlocutora recorda que Laurindo aconselhou-a a dar início urgente a um tratamento através do cumprimento de uma prescrição médica, composta por um kit de medicamentos naturais, durante seis meses. Só mais tarde veio a se aperceber que havia si- do burlada. “O que me fez participar na denúncia desse individuo é salvar outros casais com o mesmo sonho, porque tem pessoas que não estão a acreditar nisso. A minha ficha caiu, porque eu estive no pro- cesso. Fiz uma análise do que ele fazia e percebi que era tudo mentira”, frisou, salientando ter gasto 6 milhões e 600 mil kwanzas.
Medicação errada origina outros problemas
Uma outra vítima, que caiu nas alegadas falcatruas de Laurindo Tchilima, é a senhora Augusta, nome fictício, uma estéril de 42 anos, que chegou à clínica em 2020, depois de ouvir um anúncio publicitário, na rádio. Em declarações ao jornal OPAÍS, contou que o falso médico deu- lhe fortes garantias de que, em um ano, o seu problema de infertilidade seria superado, e que, findo o período, conseguiria uma gravidez. Notando que conseguira mais uma vítima, segundo conta, este suposto burlador aplicou de imediato os seus métodos de “persu- asão” para extorquir os seus par- cos recursos financeiros.
Augusta recorda que antes de avançar, questionou o facto de o local para as consultas ser inadequado, em termos de higiene e de segurança, além de a assistente ser uma jovem que demonstrava a sua inexperiência, até na verificação dos sinais vitais. Mas, o discurso devidamente articulado e convincente do alegado médico, deixou- a mais tranquila, apesar de permanecer com alguns receios. Depois de ela e o esposo terem desembolsado 50 mil kwanzas pela consulta, foi-lhes solicita- da uma bateria de exames médicos, que terminou numa receita composta por vários chás naturais. Passaram um ano a cumprir a medicação.
As reclamações começaram a surgir, e o médico anunciou ter chegado a hora de retirar os óvulos, para a fertilização in-vitro. Mas, para isso, o marido foi obrigado a masturbar-se, para colher os espermatozoides. “Aquilo foi muito duro”, disse, reconhecendo que todo esforço era nada para alcançar o desejo de serem pais. “Passei mal, durante todo ano de 2022. O meu marido mandou- me à África do Sul, onde o médico disse-me que as injeções que ele aplicou-me secaram os óvulos e fizeram com que os miomas apertassem o útero.
Tinha de ser submetida a uma intervenção cirúrgica. Fui operada, no dia 4 de Fevereiro”, contou aos prantos a vítima que diz ter gasto cerca de 5 milhões de kwanzas, na falsa clínica. Gaspar, nome fictício de mais uma vítima, tem 50 anos, e somente uma filha. Mas, há nove anos que procura ter o segundo com a sua esposa, e, por questões de saúde reprodutiva, não conseguem. O cidadão conta que foi assim que, a ouvir rádio, num certo dia, apercebeu-se da clínica Daisy Well. De seguida, passou a boa nova à esposa que o encorajou a dirigirem-se ao local, onde, em vez de saúde, gastaram milhões, para, no final, contraírem outras doenças. “Não tivemos sucesso. Aqui- lo foi mais extorsão do que outra coisa. Para inseminação in-vitro, deu-me uma factura de 4 milhões de kwanzas. Mas, no total, gasta- mos cerca seis milhões”, lamentou.