Alguns responsáveis desses ‘lugares santos’ abordados por OPAÍS não as negam nem as confirmam como efectivas, mas reconhecem que as senhoras têm de se desdobrar para alguns trabalhos, a fim de minimizar as necessidades por que passam diariamente
Tia Inês, como é carinhosamente trata- da por colegas, afirma-se como uma das mais antigas, já que faz parte de um grupo de senhoras que foram transferidas do cemitério da Santa Ana para o do Benfica, aquando da abertura desse campo santo, em 2014. “Quando nos falaram dessa transferência, prometeram efectivar-nos, mas chegámos aqui, há mais de oito anos, continuamos na mesma, a sofrer, e temos de nos virar, fazendo trabalho de limpeza e plantação nas campas, para conseguir algum dinheiro diário, semanal ou mesmo mensal”, disse Inês.
Embora tema que essa revelação lhe venha a custar a desvinculação total com a direcção do cemitério do Benfica, a funcionária com mais de 11 anos nessas andanças, desabafou dizendo que o seu e o sofrimento das seis colegas com quem trabalha é demais. “Alguém tem de fazer alguma coisa por nós, até porque entre nós, há uma colega que já foi tornada trabalhadora efectiva e passou a receber salário pelo banco. Também têm de nos dar esse direito, para deixar- mos de sobreviver de biscates”, desabafou a senhora.
A moradora do bairro Mulenvo, em Viana, informou que, quando a sorte está a seu favor, ela consegue levar para casa mil kwanzas, mas prefere contar mais com os 6 mil kwanzas que ganha, mensalmente, por cada campa que cuida, durante o referido período. “Eu, pela antiguidade, tenho muita gente que confia nos meus trabalhos, então, contrata-me para cuidar das campas dos seus “entes queridos”.
O contrato pode ser por semana, que é difícil aparecer, ou por mês”, detalhou a entrevistada, tendo revelado que, até à altura dessa reportagem, tinha ao seu cuidado 24 campas, o que devia proporcionar-lhe um valor considerável, na ordem de mais de 100 mil kwanzas, se todos pagassem. Pelo que a reportagem deste Jornal apurou, no cemitério do Benfica estão destacadas oito mulheres, que trabalham sob regime de turnos, divididas pela metade desse número. Curiosamente, a senhora que já aufere salário por conta do cemitério é do turno de Inês, o que a deixa ainda mais constrangida, por entender que é possível tratar-se do assunto de todas.
A senhora de 38 anos de idade contou que entrou para esses serviços por decisão própria, quando se apercebeu que, no cemitério da Santa Ana, estavam a pedir trabalhadores e foi candidatar-se, levando consigo uma cópia de Bilhete de Identidade (B.I) e algumas fotografias. O tipo de trabalho que presta não condiciona a sua convivência, nem no seio familiar, nem dos amigos e conhecidos. Aliás, disse serem poucos os vizinhos que conhecem o seu ofício actual. O receio de Inês estava nos filhos. Entretanto, até agora, nunca recebeu nenhuma queixa de ‘bulling’ na escola. A senhora tem três filhos. Parece-lhe que os mesmos também não informam sobre o trabalho da mãe.
De “parto fresco” e vassoura nas mãos
Agastada com a situação por que passam diariamente, no trabalho, Fina começou por informar que estava de parto fresco e já tinha voltado ao posto de serviço.“Mano, não adianta falar, depois vão entender tudo mal e virão contra nós. É muita coisa que nós passamos aqui. Como vê, nem posso ficar muito tempo parada”, desafogou Fina, abordada antes de Inês, já que a secção que varria antecedia a que Inês estava a limpar. Fina referiu-se sobre um sistema de solidariedade que reina entre as colegas de turno, tendo realçado que também é isso que lhes está a ajudar a ter alguma coisa para levar a casa, diariamente. Como Inês, a sua expectativa é ver a sua situação regularizada, já que trabalham há um bom tempo.
No camama, pagamento sob filtro da direcção
Contrariamente às funcionárias do cemitério do Benfica, que cobram pela prestação dos seus serviços directamente aos familiares dos falecidos, no do Camama, as senhoras reclamam por estarem a receber apenas 16 mil kwanzas mensais, por cada quarteirão que limpam. Teresa disse que muitas senhoras já fugiram do trabalho, por causa disso e que, actualmente, só esta- mos seis a trabalhar. “Aqui, os familiares pagam aos chefes e eles é que nos dão o que acharem conveniente”, reclamou Teté, tendo adiantado que, quando questionam sobre isso, os seus superiores alegam que os familiares pagam pouco.
Para ela, pelo menos algum tipo de assistência alimentar devia ser garantido, de modo a não faltar sequer água para beber. A senhora, que antes de fazer os trabalhos no cemitério, vendia refrigerante e água fresca, na rotunda do Camama, prefere não ter mui- ta expectativa de melhoria. “Acho que aqui, um dia, todos vão abandonar isso e preferir voltar a fazer negócio”, revelou Teresa, tendo assegurado que é isso que depreende das conversas com as cinco colegas restantes de um grupo de mais de 20 funcionárias.
Não temos ordens superiores para falar
Na tentativa de ouvir membros da direcção do cemitério do Benfica, a fim de apurar sobre o estatuto e as condições das trabalhadoras, um indivíduo indigita- do pelo elenco de funcionários destacados aí, ontem, disse que precisava consultar os seus superiores hierárquicos para dar qualquer informação sobre o assunto. Nas entrelinhas deixou escapar que as senhoras entrevistadas faziam parte do grupo de trabalhadores do cemitério e que mais não podia mesmo dizer. Do seu primeiro contacto telefónico com um dos seus superiores para obter o aval teve como resposta o encaminhamento a outra superiora ligada a uma suposta direcção provincial dos referidos serviços, que lhe respondeu, prontamente, que não tinham ordens superiores para falarem à imprensa.