Assinala-se hoje o Dia Mundial de Tolerância Zero à Mutilação Genital Feminina, prática também conhecida como “circuncisão feminina”. Esta prática já foi realizada em mais de 100 milhões de mulheres no Mundo. Entretanto, especialistas angolanos defendem a denúncia, por parte da sociedade, caso se registe no nosso país
Por: Afrodite Zumba
A Mutilação Genital Feminina (MGF) consiste na remoção parcial ou total dos órgãos sexuais externos, nomeadamente o clítoris, os grandes e pequenos lábios vaginais, com auxílio de um objecto cortante, alterando deste modo a sua anatomia. Existem várias formas de ser feita, mas a técnica mais comum é aquela em que clítoris é seguro entre o dedo polegar e indicador, puxado para fora e amputado com um corte.
Em entrevista ao jornal OPAÍS, o jurista Hélder Ludi afirmou que a Constituição da República de Angola (CRA) opõe-se veemente à Mutilação Genital Feminina, por ser uma prática que atenta contra os direitos à vida e a integridade pessoal, salvaguardados nos artigos 30º, 31º.
Por isso, realça que, se por ventura for registada tal prática, em determinada região do país, por alegadas questões culturais ou religiosas, deve ser denunciada. “Em momento algum os hábitos e costumes devem sobrepor-se à lei, porque o Estado angolano é Soberano, tem leis e o povo deve submeter-se”, disse, fazendo referência ao artigo 7º da CRA.
Ao se verificar este tipo de prática, o Estado acciona os mecanismos de defesa, de actuação com base a lei, de forma a inibir este tipo de acção, bem como pode responsabilizar criminalmente as pessoas que a praticam. Sobre as molduras penais a serem aplicadas, Hélder Ludi explicou que depois de analisada a natureza da acção criminal desencadeada, os prevaricadores poderão responder pelos crimes de ofensas corporais nos termos dos artigos 359º e 360º do Códi-go Penal.
“Formado o corpo de delito e atendendo os elementos do tipo, aí sim, observar-seá o caso concreto e aplicar-se-á a pena correspondente a natureza do crime cometido pelo agente”, disse.
Crenças religiosas e questões culturais no cerne da questão
A mutilação genital é um procedimento realizado sobretudo em crianças e adolescentes ou, ocasionalmente, nas mulheres em idade adultas, por alegadas questões culturais, crenças religiosas e mitos, muitos dos quais afirmam que “a mulher que não for circuncisada, não está preparada para casar e ter filhos e que tal prática também é uma forma de preservar a honra da mulher”.
No caso de Angola, podemos afirmar que, no Sul do país, os povos da cultura Tchokwé e Nhaneca-Humbe adoptavam este procedimento, num ritual que marca a transição da mulher da puberdade à idade adulta. Além do continente africano foram registadas ocorrências em países da Ásia, no Médio- oriente, América Latina e América do Norte devido ao fluxo migratório. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), estimase que no mundo mais de 100 milhões de mulheres, de diferentes faixas etárias, tiveram a sua genitália mutilada.
A probabilidade de adquirir infecções como HIV/SIDA, Hepatites B e C, problemas ginecológicos, traumas psicológicos, ou até risco de morte, são alguns dos factores apontados pela referida organização como forma a desaconselhar esta prática.
Caso real
Hibo Wardere nasceu na Somália e aos 6 anos foi submetida a uma mutilação genital, na qual os seus lábios vaginais foram cortados, costurados e reduzidos a apenas um buraco minúsculo que compara ao tamanho de um palito de fósforo.
Em depoimento ao canal televisivo e radiofónico BBC, afirmou que nem o seu clítoris foi poupado, pois que também foi removido. “Uma ferida aberta na qual esfregaram sal ou pimenta, era isso que parecia”, foi deste modo que descreveu a sensação ao urinar depois da circuncisão.