A primeira mulher, a mais adulta, tratada por mãe grande, tem 52 anos de idade. A última esposa tem 21. Das oito esposas, nenhuma trabalha. Parte dos filhos não estudam e só conseguiram registo por “gentileza” do Estado. Apesar das dificuldades, André Mucazo, de 59 anos, pretende chegar à meta dos 100 filhos e dez esposas
Bairro da Paz, casa número 97-S-7, Rua N-3, Zango 4, é o endereço físico da casa de André Mucazo, o homem que coabita no mesmo espaço com oito mulheres, 52 filhos (20 meninas e 32 rapazes) e par- te dos 21 netos. A casa, à beira de ser engolida por uma gigantesca ravina, está quase que isolada em meio a um matagal.
A maioria dos vizinhos de André abandonou a zona por conta da ravina que segue em velocidade acelerada, derrubando tudo o que econtra pelo trajecto: a via principal de terra batida, casas, equipamentos sociais e até mesmo o único colégio da zona, em que estudavam os filhos e netos de André Mucazo, não foi poupado. Para chegar à casa do homem, mecânico de profissão, é necessário esforço e paciência. O caminho que nos levou até lá é acidentado. Para além da temida ravina, o trajecto é embrulhado por areias, ma- to e lixo que é depositado nas vias principais.
Na zona, a comunicação telefónica é débil. Para nos dar o endereço certo, tio André, como é vulgarmente conhecido no bairro, teve de escalar uma montanha que fica ao lado de casa. De outra forma, não séria possível. “Aqui é assim, filhos. Não é fácil falar ao telefone. É preciso paciência”, começou por falar o homem das oito mulheres no primeiro contacto com o jornal OPAÍS. Antes de abrir a porta do seu “batalhão”, como o próprio faz questão de tratar a casa da alargada família, André nos mostra, paciente- mente, a tenebrosa ravina, que está a escassos metros de engolir a única residência que construiu ao logo dos seus 59 anos de vida.
Fora os lamentos, André assegura ser um homem feliz.O sotaque de um português arrojado, denúncia que André não é de Luanda e num instante da conversa diz, com orgulho, ser do Luau, província do Moxico, de onde saiu em 1997 com as duas primeiras esposas; Maria Upale, de 40 anos, e Isabel Marta, de 52 anos. Está última, tratada por mãe grande, é a que gere as outras esposas e o espaço aonde todas elas vivem. Foi, igualmente, ela que orientou as outras mulheres a tratarem da equipa do jornal OPAÍS, limpando as humildes cadeiras de plástico e varrer o quintal, com chão de areia, em que nos acomodamos, na manhã fria de Sábado. No dia em que escalamos a casa, a maior parte do agregado ainda estava a dormir.
O homem, magro, alto e clarinho, em casa é tratado como rei. Ao acordarem, quando se dirigirem a si, todos os filhos e esposas têm a obrigação de se ajoelharem sobre os seus pés. Ninguém está autorizado a falar com ele em pé. A casa, em condições débeis e inacabada, alberga a família toda. Algumas esposas repartem o mesmo quarto. A mulher mais adulta tem 52 anos e a mais nova tem apenas 21. Esta é tratada por todas por cassule. Anália Florinda é o seu nome e está a viver com o André há um ano. Fruto do relacionamento o casal tem um filho de um ano. Mas é com a senhora Noémia Tchitela, de 25 anos, sétima esposa, que André tem o filho cassula de cinco meses.
Já houve mais
O agregado de André Mucazo ja foi mais extenso; os filhos eram 64 e as esposas perfilavam um número de 12. Mas, alguns foram embora e outras morreram, à semelhança dos outros 12 filhos que, por infelicidade, partiam para outra dimensão da vida.
Por dentro da família
O dia em casa de André Mucazo começa cedo. Grande parte dos filhos não estudam nem trabalham. Os mais adultos ajudam as mães nos deveres domésticos. Nenhumas das esposas exerce alguma actividade comercial. Todo o sustento vem do punho de André que ajeita a vida numa pequena oficina que fica junto ao mercado do Zango 4. “Se eu não sair, para concertar um ou outro carro, cá em casa ninguém come.
É uma vida difícil, mas boa porque luto para a minha família”, orgulha-se tio André, que se considera ser um homem feliz. A pequena árvore, no centro do quintal, é o ponto de encontro de todos os membros da família. É la onde são servidas as refeições. Para sustentar a família toda, Andre faz uma ginástica enorme. Cada esposa tem a sua respectiva cozinha. Algumas que vivem juntas no mesmo quarto, como é o caso da “Mãe Grande” e da esposa cassula, partilham uma só cozinha. Massa, pão, peixe lambula (sardinha), funge e arroz é a base da alimentação da família. Não são todos os dias que a comida chega, a julgar pelo número do agregado.
A título de exemplo, o saco de arroz de 25 quilogramas, que é repartido por todas as esposas de for- ma equitativa, não demora acima de dois dias. Quando o matabicho é pão, são necessárias duas caixas de 50 unidades cada uma. “Essas duas caixa é somente para um dia. Estamos a falar dos pães normais que vendem 3/100 nas cantinas. Por serem muito leves, então cada criança come dois ou três. E nós, as mães, comemos o que sobrar”, diz Isabel Marta, conheci- da como a Mãe Grande. Leite, queijo, peixe grosso, carnes são coisas do “outro mundo” para os filhos de André. Inclusive o frango, a chamada coxinha, passa pelo agregado quando os biscates do chefe de família dão lucros maiores.
O Segredo
André considera-se um homem temente a Deus. É na igreja do Sétimo Dia que está enraizada a sua fé. Diz que a igreja não o proíbe de ter a quantidade de mulheres que carrega, desde que arque com as consequências. A este nível, o homem diz que a base para aguentar as oito mulheres e os respectivos 58 filhos é ter capacidade mental, o mínimo de capacidade financeira e sexual. Neste último item, André diz nunca ter recorrido a nenhuma fonte alternativa para manter a sua vida sexual activa. Ao longo dos seus 59 anos de vida, jura nunca ter consumi- do álcool nem cigarro e que toda a sua força sexual é natural.
Vontade própria
Sobre a quantidade de mulheres, André diz ser vontade própria e que herdou do seu pai que teve quatro esposas e uma infinita quantidade de filhos, em que ele é o cassula. Conforme contou, apesar das dificuldades que passa para sustentar os filhos, ainda as- sim, a meta é atingir as 10 mulheres e 100 filhos. De acordo com André Mucazo, um homem que não procria não é bem-vindo aos olhos de Deus. “Por isso é que eu tenho a quantidade de filhos e ainda vou aumentar porque fazer filhos é bíblico. A minha meta é chegar aos 100 filhos e 10 mulheres”, frisou o chefe de família.
O pedido de socorro
André garante que nunca se arrependeu nem desistiu da família que tem. Disse que os pequenos biscates sempre deram um jeito no sustento da família. Mas, agora, com parte dos filhos crescidos, André pede ajuda do Estado e da sociedade no sentido de estenderem as mãos, sobretudo no que a formação e emprego diz respeito para os filhos. O bairro onde vive, comandado pela delinquência, quem tem à testa jovens, André pede ajuda de formas a que os seus filhos não caiam na criminalidade. “Esses filhos já não são apenas meus. São da sociedade. E toda a ajuda no sentido de apoiá-los a serem homens de bem é sempre bem-vinda”, implorou.
Isolados
Também, os mais pequenos, nunca saíram de casa para um passeio ao final de semana, tendo em conta que André não tem condições materiais nem de transporte para levar o grupo todo. Em casa, as dificuldades são enormes, desde a alimentação, saúde, vestuário, registos e escolas para as crianças. O motivo de a maior parte dos filhos não estudar é justamente a falta de condições financeiras. Já o registo civil para uma parte dos 52 filhos foi feito, recentemente, com a ajuda do Estado, por via da administração municipal de Viana que, ao saber da história, decidiu estender as mãos.
O dia-a-dia dos menores é brincar perdidamente no mato adentro junto de casa e escalar as montanhas e ravinas, sem me- do do perigo, com a natural inocência. Numa dessas brincadeiras, um dos filhos de André, de apenas 9 anos de idade, chegou a partir uma perna. Hoje, ainda com sequelas, a mãe, Esperança Paulo, a quarta mulher de André, diz que o filho tenta seguir a vida, com muitas dificuldades porque não há dinheiro para a continuidade dos tratamentos. “O miúdo partiu a perna direi- ta enquanto brincava. E mesmo devido as dificuldades não conseguimos dar continuidade aos tratamentos”, lamentou a progenitora.
A complexa felicidade
Apesar das dificuldades, todas as oito mulheres e parte dos 52 filhos são unânimes em dizer que vivem felizes. Madalena Manuel, de 45 anos, terceira esposa de André, com quem tem cinco filhos, disse sentir-se feliz ao lado do homem que escolheu para partilhar a vida. Juntos há mais de 15 anos, Madalena disse não se incomodar com as outras esposas e que partilham o espaço com a mais pura irmandade. “Aqui, entre nós, já não existe ciúmes. Nos tratámos como irmãs. Aonde come uma comem todas. Nos sentimos bem e felizes”, disse a mulher visivelmente alegre.
Marido carinhoso e pai amado
Apesar da quantidade de mulheres que já encontrou e outras que vão seguindo, Ginga Alfredo, de 39 anos, reconhece em André a capacidade de um marido carinhoso e pai que ama os seus fi- lhos acima de tudo. Ginga, que é a quinta mulher de André, disse que o marido, todos os dias, antes de sair de casa, procura saber sobre o estado de saúde de todos. “Quando o André dorme comigo, antes mesmo de sair de casa, visita todos os outros quartos para saber se os restantes dormiram bem. Qualquer dificuldade ele está pronto a ajudar. Essa atenção e amor é que me fez apaixonar-me por ele”, explicou Ginga.
É o marido da minha vida
Por seu lado, Anália Florinda, a mulher mais nova, de 21 anos, considera André o marido da sua vida. Anália foi pedida (casamento tradicional) em Julho de 2021. No acto matrimonial, todas as outras sete esposas participaram na cerimónia e muitas delas ajudaram na conquista da família, passando uma imagem positiva sobre o esposo. A viverem juntos há um ano, Anália Florinda disse ser bem tratada em casa da extensa família que a tem como filha. “Temos um filho que já fez um ano. Apesar de ele ser muito ciumento, mas me trata bem. As outras mamas (esposas) também me tratam bem. Elas já não são minhas rivais, são minhas mães”, frisou a jovem.