Começa-se aqui uma reflexão sobre o verbo e a pessoas, um dos casos de relação abusiva e romântica, dependentes das circunstâncias apenas para a sua classificação.
A priori, deve-se considerar, sem serpear, que o verbo não tem autonomia em relação às pessoas, pois trata-se de um objecto “per alter ” e não “per si”, que mendiga a boa vontade das pessoas para ser respeitado e deleitar-se de um prestígio maior.
Os gramáticos e os dicionaristas, em princípio pessoas do bem, procuram sempre colocar o verbo sob uma perspectiva de “amor”, apelando à compaixão por esta entidade que passa por muito.
Eles arrumam os como as domésticas, colocando os verbos nos seus respectivos lugares, segundo a sua hierarquia.
Dizem-nos que verbo é “vocábulo que exprime o modo de actividade ou estado que apresentam as pessoas, animais ou coisas de que se fala; em português, os verbos no infinitivo têm as terminações ar, er ou ir (sejam exemplos rezar, compreender, partir)”.
A vaguear o coitado do verbo “ser”, às vezes, confundido no presente do indicativo, primeira pessoa do singular pelo advérbio “só”; as abusadas crianças dizem mesmo “samos”, na primeira pessoa do plural, presente do indicativo.
Sem olvidar o seu conjuntivo e imperativo flexionado em “seje” pelos doutores, “não seje assim!”.
Socorro! Então, não é que João comeu o verbo “perder” quando, eufórico, declarou em bom tom: “eu perdo muito com isso”.
Gabriel Tomás, pessoa do bem, sempre chama atenção aos aspectos que têm que ver com a gramática, sobretudo quando for para redigir um documento oficial.
Tolerância, clamou amargamente o verbo “poder ”, após ser agredido pela Inês, conjugando-o “podo” no presente do indicativo, primeira pessoa do singular.
Por que tanta maldade? Não nos vem outra resposta à mente que não seja “ignorância e hesitação à norma”.
Ressalta-se que o modo verbal mais afectado é o conjuntivo, seguido do imperativo.
Tanto é que se propõem reformas, para esconder os maus tratos.
Não é que o verbo “assistir”, no sentido de ver, contemplar, esteve em apuros, quando o André decidiu “assistir o jogo do Real Madrid”.
E o golpe duro que recebeu o verbo “namorar”, quando foi acusado de ser seguido pela preposição “com”, perdendo a sua transitividade directa.
Agora ninguém quer mais “namorar a Felícia”, todos estão preocupados em “namorar com a Patrícia”.
Talvez seja pela beleza que ela ostenta.
Para nós, o verbo “ir” foi obrigado a reger a preposição “em”, sob fortes ameaças da sua exclusão do seio social.
Agora “vamos na escola”, com entusiasmo de aprender.
Quem diria que o verbo “fazer” fosse de tal modo corrido do círculo “fizesse”, acabando por se acostumar com a boca da Joana que diz “se fazasse falta…”! Uma situação realmente de tristeza.
Lá estava em prantos o verbo “dar”, implorado para hospedar as visitas “deia e dassem” na sua cabana de um centímetro de largura e um de comprimento.
Os pares de verbos “trazer e levar”, “afastar e encostar” vêemse a estar num casamento sem amor, mesmo se detestando profundamente.
Para terminar a nossa incursão, não poderíamos deixar de agradecer ao verbo brincar e criar, pois foram eles que nos permitiram trazer esta reflexão às pessoas do bem, aquelas que se preocupam com a erudição no quesito linguístico.
Por: MANUEL DOS SANTOS