Ausentes da pista da Marginal de Luanda durante dois anos devido à pandemia, os grupos carnavalescos da classe A voltaram a exibir-se, ontem, no desfile competitivo, neste palco, apesar do fraco apoio financeiro que tiveram para a sua preparação
O evento foi dominado pelas vá- rias cores de tecidos com as quais foram produzidos os trajes dos 13 grupos, com realce para panos africanos.A pista foi descerrada pelo União Twabixila, do município de Via- na, que com 400 foliões desfilou- com trajes de cor amarela, branca e laranja, dançando ao ritmo da Dizanda, através da canção intitulada “Mulher com dois maridos”, da autoria de Milda Abel. Com essa música, o conjunto fundado em 2004, que tem como rainha Celma Zua e rei Fortunato Silvestre, alertava para a gravida- de da situação de uma mulher que adopte esse modo de vida. O comandante Benedito Joaquim disse que no bairro em que vivem é recorrente esse tipo de atitude por parte das mulheres.
No final da exibição, afirmou que a par das dificuldades que enfrentaram para preparar o grupo, conseguiram fazer uma apresentação possível, tendo em conta as condições que possuíam. “Foi muito fácil nos prepararmos para estar hoje aqui, porque as ajudas começaram a chegar tarde. Mas, ainda assim conseguimos fazer alguma coisa, embora não tenha sido fácil. Espero que nas próximas edições as coisas melhorem”, disse. Com a intenção de reconquistar o título de 2014 e 2015, o União Sagrada Esperança, com 150 foliões, ao passo da dança Semba, com trajes coloridos, homenagearam o Governo Provincial de Luanda pelos trabalhos que, conforme disse o comandante, tem desenvolvido nos vários municípios.
De igual modo, prestaram tributo, a título póstumo, aos fundadores do conjunto pelos anos de trabalho realizado em prol do mesmo. Nas alas apresentaram as varinas, os bailarinos, os pescadores, as bessanganas e a área de xinguilamento, além da falange de apoio. “Viemos mostrar o Semba, mas a música foi feita em português e em Kimbundu. Vamos ver no que vai dar a nossa apresentação, já que trazemos o Carnaval do Rangel”, frisou o comandante. Acrescentou de seguida que “são muitos anos de carreira, enfrentamos várias batalhas e hoje estamos aqui. Vamos mostrar que sabemos dançar o Carnaval e que não vamos desistir agora, apesar das dificuldades”. O União Kiela, comandado pela Maravilha dos Santos, homenageou as Gingas do Maculusso, pelos 40 anos de existência.
Este tributo deve-se ao facto de nas suas apresentações terem como preferência trechos das suas canções, que ser- vem de mensagem ao público. A comandante contou que tiveram algumas complicações na criação da indumentária e da logística, uma vez que o conjunto integra aproximadamente mil membros e não foi um processo fácil “vestir” a todos. Apresentaram, nesta edição do Entrudo, a corte, os pesca- dores, os bailarinos, as bessanganas, tocadores, área das baianas e a alegoria. O desfile prosseguiu com o União Povo da Quiçama, que através da dança Sambalage fez o público vibrar, com um tema que apelava à protecção da natureza. Deste mo- do, procuraram chamar a atenção ao Governo para que reforce a segurança do espaço [Parque da Quiçama].
O apelo que resulta no facto de, segundo o presidente do conjunto, Rufino Gonçalves, o Parque da Quiçama, assim como outos, serem frequentemente invadidos por caçadores furtivos, que abatem várias espécies demodo anárquico. “Por isso, pedimos socorro na canção para que as autoridades percebam que o parque está a ser devastado. Mostramos no nosso carro alegórico a mata, os caçadores furtivos a caçarem e os fiscais a actuarem”, explicou. Como em qualquer concurso do género, onde são avaliados por uma equipa de jurado, o líder do União Povo da Quiçama acredita que apresentaram um trabalho que será bem apreciado. Sobre os preparativos para a presente edição do Carnaval, disse que ocorreu com muitas dificuldades, por terem ficado desprovidos de apoios.
Para ser mais preciso, afirmou que necessitariam no mínimo de 5 milhões de kwanzas para uma boa apresentação. No entanto, agradeceu aos amigos que prestaram apoio ao grupo, o que possibilitou que pudessem representar condignamente o município da Quiçama. “Não há dinheiro. Tivemos que nos virar. Não recebemos apoio financeiro por parte da Administração da Quiçama, apenas apoio logístico. Gostaríamos ainda de receber apoio financeiro porque o que deu a APROCAL não foi suficiente para aguentar o embate”, lamentou
Outras exibições
O desfile prosseguiu com o União Nzinga Mbande, composto por 3 mil cidadãos, que homenageou o Primeiro Presidente de Angola, António Agostinho Neto, exibindo toques da dança Cabecinha, vibraram na pista da Marginal, evidenciando a exposição de produtos do campo. Já o União Mundo da Ilha, que revidou o título nas edições anteriores brindando o público com os exuberantes carros alegóricos, nesta não o fez, ao que parece, como resultado do fraco apoio ao conjunto. Na sua apresentação, ficou evidenciada as exposições de diferenciados animais vertebrados e aquáticos (peixes). Segundo o seu presidente, António Custódio, apresentaram também na pista produtos nacionais.
O União Recreativo do Kilamba optou por se exibir na Marginal de Luanda com trajes de diversas regiões do país, como as Lundas, Huambo, Huila e Benguela, com realce para representação das vestimentas da Muana Puó. Esta edição ficou marcada também com a despedida do Poly Rocha como comandante, que garantiu continuar na direcção do conjunto, tendo passado o legado a um jovem. “Vou deixar o papel de comandante, mas não da direcção do Recreativo do Kilamba.
Desde já, dizer que não me arrependo de maneira nenhuma, passar o meu legado a um jovem, porque também entrei nas mesmas condições”, frisou. Acrescentou de seguida que “temos que tirar esse conceito de ficar com o título até à eternidade. Achei momento certo para o feito”. Desfilaram ainda o União Etu Mudietu, do Distrito Urbano do Sambizanga, União 10 de Dezembro, do Distrito Urbano da Maianga, o União 54, do Distrito Urbano da Maianga, União Jovens da Cacimba, do mesmo Distrito, União Amazona do Prenda, também, da Maianga e o União Giza, do Rangel.
Tributação das empresas no Carnaval
Questionado sobre o valor de um milhão e 500 mil kwanzas, atribuído aos grupos, considerado demasiado baixo, o ministro da Cultura e Turismo, Filipe Zau, justificou, que no país há questões mais urgentes a serem resolvidas, o que faz com que a Cultura absorva uma fatia menor, conforme acontece em vários países. “Claro que quando temos situações ainda delicadas, de educação, saúde, pobreza, a Cultura acaba por ser sempre prejudicada. Mas, nós temos que nos acostumar também a ver a Cultura como factor de desenvolvimento. Se assim for, de certeza que encontraremos formas de contribuir melhor para este sector”, frisou.
A par da Lei do Mecenato, considerou ainda necessário encontrar outras formas de se conseguir viabilizar actividades culturais e recreativas, através do turismo. No seu ponto de vista, ambas possuem uma relação dialéctica, que pode ser aproveitada para o bem- estar social. Sobre o apoio das empresas, manifestou ser importante para melhorar o Carnaval, uma vez que, futuramente, as que assim procederem beneficiarão de vantagens como a redução da sua tributação. “Há uma participação do Estado, mas vimos que hoje em dia as empresas começam a participar bastante. Há troca de publicidades e penso que é importante.
Se fosse só com o dinheiro da Cultura não víamos roupas como vimos aqui e adereços que são importantes para melhorar o nosso Carnaval”, enalteceu. O dirigente da Cultura exaltou o facto de os grupos abordarem sobre questões éticas, nas suas apresentações, a par dos aspectos culturais. E, também, por terem recreado com o sentido de cidadania. “Penso que Sua Excelência, o Senhor Presidente da Republica e a 1.ª Dama deram nota que realmente gostaram da forma como decorreu o evento. Sobretudo, é bom esse sentido de unidade e diversidade. Houve também atitudes muito claras de manifestação e de ética, ao que me parece que é determinante para a nossa sociedade”.