Realiza-se, durante três dias, isto de 17 – 19 de fevereiro, a trigésima sexta cimeira da União Africana e a questão da paz em África bem como a de criação da Zona de Comércio Livre estarão entre os principais temas a serem discutidos pelos Chefes de Estado e de Governo.
São dois assuntos estruturantes que se interligam a tantos outros e que têm, de forma particularmente marcante, dominado os múltiplos contextos sociológicos de África e das suas populações.
Neste texto, procuraremos falar sobre as duas questões e concentraremos as nossas atenções primeiro na que se refere a paz no continente e deixaremos a relacionada a Zona de Comércio Livre continental para o final.
Deste modo, começamos por assumir a ideia de que sem paz no continente africano ou seja em boa parte dos países não há como pensarmos, como Organização Continental, em termos grandes avanços no capítulo do desenvolvimento e, muito menos, de vermos, integralmente, implementado a Zona de Comércio Livre com uma abrangência continental.
Ou seja, ausência da paz tem dificultado a mobilidade comercial entre países, condicionado a observância e/ou respeito pelos valores democráticos e tem, há mais de 40 anos, contribuído para o crescimento permanente de fluxos de refugiados e de (e)migração de africanos para os países mais desenvolvidos.
Há mais de 45 anos que parte substancial dos países africanos caminham desafiados entre o ambiente de estabilidade e o de instabilidade, entre a guerra e a paz, entre a normalidade constitucional e a anormalidade constitucional, entre o combate a corrupção e o nepotismo e a implementação de um ambiente de respeito pelas regras constitucionalmente estabelecidas.
E agora? O que esperar da 36ª Cimeira da União Africana no que a paz em África diz respeito? Será que devemos esperar mudanças de vulto nesta cimeira? Apesar de ser do interesse de qualquer africano ver mudanças importantes na estrutura funcional da União Africana e mais acções na forma como lida com os assuntos relacionados com a resolução de conflitos, democracia, paz e segurança em África, a verdade é que ao tentarmos fazer um breve balanço em relação as cimeiras anteriores poderemos, entretanto, chegar à conclusão de que as mudanças alcançadas são bastante tênues. Ou seja, falou-se muito mais e fez-se pouco ou muito pouco em termos concretos.
Veremos, agora, a realização da 36ª cimeira e a nossa leitura, baseada na experiência das cimeiras anteriores, leva-nos acreditar que não teremos, outra vez, mudanças consideráveis, pelo menos a curto e médio prazos.
Quando falamos de mudanças, referimo-nos de alterações internas que todos os Estados membros da União devem ou deveriam implementar fruto dos alinhamentos político-estratégicos que são desenhados nestas cimeiras.
É, pois, residual o número daqueles que operam alterações internas como resultado dos alinhamentos que se pretendem e que visam, fundamentalmente, reforçar o quadro das dinâmicas internas para que a Organização continental se veja mais reforçada e com maior capacidade de « agir e reagir».
O que dizer sobre a paz no continente africano? Será que nesta 36ª cimeira teremos soluções extraordinárias?
O nosso cepticismo não tem como não se manter pelas seguintes razões: 1 Não é a primeira vez que se discute, a mais alto nível, sobre a paz em África ou, se quisermos, nos países africanos; 2 os vários factos políticos que têm tido lugar no continente têm demostrado que toda luta pelo alcance da paz e da estabilidade político-social , isto em determinados países, tem sido minado pela ineficácia diplomática da organização continental; 3 Muitos líderes africanos que participarão na cimeira, que terá a paz em África como uma das discussões centrais, são, nos respectivos países, promotores activos de ambientes que comprometem, seriamente, a unidade política e a própria paz; 4 Há mais de 20 anos que a União Africana, antiga OUA, luta, sem sucessos, para que os países membros, abraços com vários problemas políticos sobretudo, consigam assegurar um ambiente que proporcione a paz e o desenvolvimento sustentável. Logo não há como alimentar expectativas que possam reforçar a nossa convicção de que a discussão sobre a paz, em África, seja uma daquelas que possa mobilizar o interesse efectivo de algumas «lideranças» africanas.
O que parece óbvio é a noção de que o ambiente de instabilidade tem sido a porta de enriquecimento de muitos dirigentes em África e, ao mesmo tempo, a porta aberta para um empobrecimento progressivo da maioria dos cidadãos africanos.
Não parece sensato e coerente que individualidade que têm contribuído para o travão da democracia e alimentado «o caos social e político», nos seus respectivos países, sejam, incrivelmente, os mesmos que vão discutir mudanças que «eles» impedem de acontecer.
A presença destas individualidades nas cimeiras da União Africana tem demostrado que a paz no continente não tem como vincar, pelo menos por agora, e que as populações africanas não têm como olhar para a Organização continental como uma das fontes de reivindicação dos excessos e abusos cometidos pelos seus líderes e instituições.
Não há como discutir a paz em África quando as individualidades que deveriam ser os seus garantes são, lamentável e permanentemente, os que determinam a sua asfixia e perpetua a sua condenação.
E os poucos líderes que têm tentado influenciar mudanças nas discussões da Organização continental e dos respectivos países perdem apoio no âmbito dos debates nestas cimeiras por serem poucos.
Estes líderes não têm, efectivamente, como influenciar agendas e muito menos mudar o ponto de vista daqueles que têm na guerra e na instabilidade como as principais fontes de enriquecimento.
É uma equação política bastante complexa mudar o curso dos acontecimentos em muitos países africanos e tornar-se muito mais complexa, ainda, quando as mudanças para um África mais unida e coesa dependa, sistematicamente, da vontade de poucos e não de uma larga maioria que prefere aprisionar a vontade das respectivas populações. De qualquer modo, esperamos ver mudanças profundas – apesar de não ser tão fácil assim e «comprometimento das vontades».
Se as vontades não estiverem comprometidas e muito menos manifestarem o interesse em manter o mesmo foco em direcção a paz e a estabilidade em África continuaremos a viver os mesmos dramas e a discutir coisas que poucos querem que mudem e muitos querem que se mantenham.
A paz em África, de um modo geral, dependerá das opções políticas que os povos fazem e do futuro que pretendem partilhar.
É possível mudar o curso dos acontecimentos, mas é, igualmente, fundamental solidificar o edifício da unidade africana que precisa de continuar a ser construído não só pelas lideranças políticas, mas também pela sociedade civil africana que deve encontrar novas dinâmicas na relação com os vários Órgãos da União Africana. Agora o que dizer da Zona de Comércio Livre?
A Zona de Comércio Livre pode ser um grande pulmão para dinamizar as relações interafricanas e contribuir para a geração de mais empregos.
Os mercados africanos têm vastos espaços que podem ou precisam ser muito bem preenchidos pelos agentes económicos africanos e assim mudar o curso da dinâmica comercial.
A ser, novamente, objecto de discussão entre as lideranças africanas nesta 36ª cimeira é um sinal positivo.
Para que ela seja, na verdade, uma Zona de Livre Comércio na perspectiva que a União Africana pretende é fundamental que se leve, com a devida seriedade, a questão da paz no continente.
O comércio não combina com ambiente de guerra e muito menos com o de instabilidade daí, portanto, a necessidade de os próprios Estados trabalharem duramente na garantia de ambientes favoráveis ao comércio.
E um olhar atento ao continente nos faz crer que a Zona de Comércio Livre, ao ser implementada, será, inevitavelmente, assimétrica a julgar pela realidade dos países e referidos mercados.
Há mais do que certeza de que uns ganharão e outros perderão – o que poderá exigir outros enquadramentos e desafios no futuro.
Não é difícil perceber, todavia, que as economias mais bem estruturadas terão, no capítulo meramente estratégico, vantagens substanciais e conseguirão ter os seus agentes nos principais mercados africanos ao passo que aquelas menos robustas ou estruturadas poderão ficar condicionadas e destinadas, mesmo que transitoriamente, a serem mercados de escoamento de produtos das outras.
Apesar disso e de fazermos uma leitura com pouca profundidade, uma vez que a implementação da Zona de Comercio Livre Continental exige uma leitura económica profunda, temos de convir que as variáveis políticas acabam por ser determinantes para que se possa pensar no funcionamento de uma verdadeira Zona de Comércio Livre.
Neste contexto, a intenção pela sua imediata implementação é boa, sobretudo pelas razões que apontei e outras de maior interesse, mas o seu alcance poderá ficar condicionado por questões políticas (guerras, instabilidades, etc.) tal como fizemos questão de referir.
O certo seria termos estabilidade nos mercados para que os Estados membros pudessem, todos, beneficiar dos retornos económico -financeiros deste passo tão importante da integração económica.
Os retornos, como é óbvio, não seriam proporcionais devido a forma como cada Direcção política se posiciona e os apoios ou incentivos que assegura aos seus agentes económicos.
De qualquer modo e em relação a Zona de Comércio Livre o maior desafio não será apenas as assimetrias que podem ser identificadas.
O maior desafio estará na forma como o próprio comércio interafricano lidará com os produtos que provirão de outros mercados internacionais e com as multinacionais que já operam em África.
O período pós-guerra Rússia Ucrânia vai reconfigurar, certamente, a dinâmica comercial e os mercados africanos, que já têm merecido crescente atenção das grandes economias, serão palcos de uma elevada competição que poderá, caso não haja uma leitura atempada, sufocar os agentes económicos africanos muitos dos quais sem quaisquer apoios dos respectivos governos.
O outro desafio que as vezes não merece tanta atenção das lideranças africanas, muito focados na rápida implementação da Zona de Comércio Livre Continental, é político- estratégico: é a questão da soberania económica.
A Zona de Comércio Livre Continental apesar de ser aplaudida e colocada no topo da agenda africana ela exercerá, ao ser implementado e no futuro, pressão no controlo da soberania económica.
Isto pressupõe dizer que, no futuro, determinados países poderão ficar condicionados e facilmente cederão a pressão de outros que têm os seus agentes económicos a exercerem o domínio fundamental nos seus mercados.
Daí a razão de os países terem uma melhor organização interna e uma classe empresarial capaz de garantir o domínio, pelo menos, dos principais mercados ou, se possível, de todos: é um desafio de gigantes basta entender as razões que forçaram o Reino Unido a sair da União Europeia e o controlo estratégico feito quer pelo Estados Uinidos quer pela China para evitar o sequestro das respetivas soberanias.
Portanto vamos ouvir e acompanhar as discussões que serão produzidos a respeito nesta 36ª cimeira da União Africana.
Por: LUTINA SANTOS