Quando faltavam dois dias para o arranque do Entrudo na capital, no Sábado, 18, com a classe C, Infantil, os grupos carnavalescos estavam desesperados e questionavam-se sobre a distribuição de verbas pelo Ministério da Cultura e Turismo, já que necessitam da mesma para a preparação da indumentária
Esta situação os deixa desesperados, ao ponto de questionarem sobre a existência do Carnaval nos próximos anos, também pela falta de apoio das empresas que antes o faziam para maior organização. Isso porque o valor distribuído pela Associação Provincial do Carnaval de Luanda (APROCAL), entidade gestora do evento, cedido pelo ministério da tutela, não tem sido suficiente para cobrir as despesas.
Para sua preparação, os colossos do Carnaval, da classe A, este ano recebem 2 milhões de kwanzas, os da Classe B 1 milhão e 500 milhões e a classe C 750 mil. Em entrevista a OPAÍS os gestores disseram que este valor cobre apenas 20 por centro das despesas, uma vez que necessitam, no máximo, de 20 milhões de kwanzas para boa apresentação dos itens em avaliação: a canção, a dança, a corte, o comandante, a falange de apoio, a alegoria, o painel. Segundo o presidente do União Mundo da Ilha, do Distrito Urbano da Ingombota, António Custódio, detentor do título conquistado em 2020, para ir à marginal necessitam de 18 milhões. Valor proveniente da ajuda de amigos do grupo mais premiado do Carnaval de Luanda e outros fundos.
Numa altura em que os conjuntos apresentam dificuldades em conseguir apoios, preocupa-lhe o facto de a distribuição do dinheiro ser feita dias antes do evento, uma situação recorrente que os condiciona, cria constrangimentos. Esta que é a maior manifestação cultural do país, preocupa-o ainda o facto de não estar a merecer a atenção devida. “Nós recebemos uma fatia significativa, valor que utilizamos para a logística. Para a alegoria, para vestir o grupo, nós tivemos que resolver de outra maneira. Se tivéssemos que depender deste valor, hoje não teríamos nada feito. Todos os anos é sempre assim, temos de nos virar”, lamentou.
Sublinhou o facto de as em- presas apresentarem dificuldades em apoiar, o que impossibilita os conjuntos de conseguirem valores financeiros. Referiu que não sabe ao certo o que se passa com os outros conjuntos, mas acre- dita que farão um carnaval possível. Para que as coisas possam funcionar, acha necessário a implementação da Lei do Mecenato, que ajudará na questão dos apoios. Onde as empresas poderiam associar-se a um grupo e depois justificarem essa ajuda nas finanças. Lembrou que o Distrito Urbano da Ingombota possui muitas empresas e quase nenhuma patrocinou o conjunto que dirige. “Só para exemplificar, enviamos carta a uma empresa a solicitar apoios e deu-nos 20 mil kwanzas. Esse valor nem chega para comprar água para o pessoal.
Infelizmente não vamos receber, não queremos esse valor. Vamos à Marginal através dos nossos recursos”, deixou patente. Diante desta situação, aconselhou o Ministério da Cultura e Turismo a criar um bom incentivo com relação aos prémios, para que os grupos trabalhem mais e tenham maior dedicação. Alertou, caso continuarmos com essas dificuldades corremos o risco de, futuramente, não termos o Carnaval. “Os nossos gestores não estão muito ligados à cultura, por isso temos esse resultado. Nestas condições, dia mais dia não vamos ter o Carnaval devido a estas dificuldades”, asseverou.
Na Marginal
O grupo será o 6.º a desfilar, com 3 mil foliões, vai apresentar desde a alegoria, a área de xinguilamento, as varinas, as peixeiras, os pescadores, a corte, a área do batuque e a falange de apoio, através do estilo musical e dançante Semba. Iniciaram os ensaios em Outubro e neste momento estão preocupados com a logística do dia do Entrudo.
A 1.ª vez na Marginal sem o comandante Vidal Sem os apoios das empresas prestados nas edições anteriores, o União 10 de Dezembro, do Distrito Urbano da Maianga, da classe A, preparou-se para o evento através de meios próprios, já que possui um caixa para suprir algumas necessidades. O dinheiro que receberão da APROCAL servirá para os últimos arranjos, assim como o pagamento das dívidas contraídas.
Para maior celeridade, o vice-presidente do grupo, Albino Amaro Vidal propõe que as verbas sejam entregue meses antes da realização do Entrudo, para que se evitem constrangimentos aos grupos, conforme tem ocorrido nas várias edições. “Nós temos dívidas a pagar, como os trabalhadores que estão na se- de, os alfaiates que estão a fazer os trajes. Mesmo sem saber a data em que poderemos receber, corremos esse risco. Éramos apoiados pela Luandina. Liguei ao responsável da mesma em Dezembro, a pedir apoio, mas disseram-nos que não estão a produzir e não tinham como nos ajudar”, lamentou.
Para uma boa apresentação, disse, necessitam de 8 milhões de kwanzas, do qual estão desprovidos. Lembrou com nostalgia que, essas dificuldades financeiras eram resolvidas com facilidade pelo seu pai, Pedro Vidal, o comandante do grupo, falecido em 2020. “Está a ser duro para nós, sendo o primeiro ano na Marginal sem o nosso eterno comandante. Alguns amigos dele fecharam as portas. Alguns que pensávamos serem amigos, mas notamos que só faziam aquilo, porque tinham algum interesse.
Estou muito triste com isso”, contou. A par dos atrasos e do valor que considera ínfimo, enalteceu a ajuda do ministério, que tem prestado aos vários conjuntos para se organizarem, a fim de dançarem o Carnaval. Isso porque observa que muitos colegas estão desprovidos de patrocínios, dependendo apenas do valor atribuído. Para que se reduza as despesas por parte dos grupos, defende que se tire a alegoria, já que muitos não têm condições para uma boa apresentação nessa área em competição.
Este pedido foi negado ao conjunto que, a 8 deste mês apelaram APROCAL para exibirem-se, este ano, no desfile competitivo do Entrudo nas classes A, B e C, sem alegoria. “Uma alegoria custa mais que o prémio que temos recebido na Marginal, 4 ou 5 milhões de kwanzas. Essa ala soma 40 pontos. Sem ela bem apresentada perdes estes pontos. Nós temos o nosso forte que é a dança, mas tudo que tem a ver com o Carnaval temos que ter”, compreendeu. Nesta edição, o 9.º a desfilar, na sua apresentação vai abordar sobre o nosso país. Já o infantil, Cassule 10 de Dezembro sobre a origem do Semba, um género de música e de dança tradicional angolana, que se tornou popular nos anos 50.
Maravilha dos Santos preocupada com a evolução dos grupos
O União Kiela, do Distrito Urbano do Sambizanga, da classe A, também partilha a mesma preocupação, já que carece de apoio para reunir as condições necessárias para o Entrudo, na criação da indumentária e logística. Segundo a comandante, Maravilha dos Santos, os 2 milhões que lhes serão atribuídos não satisfazem as necessidades do grupo. Mesmo sem este dinheiro, trabalhou com meios próprios e com alguns recursos que conseguiu arrecadar junto de algumas empresas, para aquisição de mate- riais.
Avançou que para a devida preparação, o conjunto que íntegra- aproximadamente mil membros, necessita de 20 milhões de kwanzas, que seriam utilizados na preparação do carro alegórico, as vestes, os painéis, a alegoria, e outras itens necessários para alcançar boa pontuação. “Da forma que o Kiela prepara- se, um grupo da nossa dimensão, precisaríamos deste valor para melhor nos apresentarmos. Às vezes conseguimos metade, com o apoio de algumas empresas”, contou. Esta que é a única comandante no Carnaval de Luanda, lembrou da existência de grupos mais carentes, que dependem somente do valor cedido, por falta de patrocinadores. Com esse atraso na distribuição das verbas ficam encurralados, sem mesmo poder participar no evento.
“Nós, pelo menos temos meio caminho andado, com a ajuda de pessoas de boa-fé. Mas os outros não têm a mesma sorte. E, como é que eles ficam? Ainda não recebemos, o que é muito mal. Isso faz com que os grupos não evoluam. Devia ser dado cinco meses antes”, observou. Neste impasse, sugere que este ano a alegoria não seja avaliada, mas sim na próxima edição, para maior conforto dos grupos. Também, apela para que esta ala não seja pontuada nas próximas edições, pelas enormes dificuldades financeiras que vivem.
Evento não lucrativo
Maravilha deixou claro que o Carnaval não é um evento lucrativo, mas que têm participado por amor à camisola. Também, pelo gosto que tem por este evento cultural.
Homenagem Às Gingas do Maculusso
Nesta edição, o União Kiela, o 3.º a desfilar, vai homenagear os 40 anos das Gingas do Maculusso, porque nas suas apresentações, na Marginal, têm como preferência temas musicais deste conjunto, fundado em 1983. Vai apre- sentar a corte, os pescadores, os bailarinos, as bessanganas, tocadores, área das baianas e a alegoria.
Tony Mulato sugere criação de fundos
Com todo o aparato organizado e o apoio da Administração de Viana, o União Nzinga Mbande, da classe A, e o Jovens da Cabecinha, da Classe C, infantil, têm tudo pronto para o desfile, sem o apoio de nenhuma entidade empresarial. Preocupado com as dificuldades apresentadas pelos grupos carnavalescos, o presidente do conjunto, António Domingos “Tony Mulato”, aconselha para que criem fundos durante o ano, com a possibilidade de utilizar nas próximas edições do Entrudo. Um processo que pode ser concretizado, também, com o valor recepcionado na Marginal de Luanda. De igual modo, aconselha que solicitem apoios antes mesmo da véspera do evento.
“O Carnaval não é um emprego, é uma festa. Quem não participar é porque não está organizado. Os outros grupos pensam que o dinheiro da APROCAL ou da Cultura é que faz o Carnaval, mas não. Também, os fazedores do Carnaval têm mui- ta vontade de se organizar, mas não têm como. Não há abertura”, disse. O também comandante sugere que sejam definidas metas sobre a instituição que atribui as verbas aos grupos. Pelas dificuldades vividas, alega que o evento, que é a maior manifestação cultural do país, é realizado pelos grupos por amor à camisola.
“Devemos definir às metas, se é a APROCAL que vai distribuir as verbas ou a Cultura. Temos que acabar com a palavra eu e depois sermos nós. Ai vamos conseguir acertar. O Carnaval é dirigido pelos dirigentes do Carnaval. Achas que 2 milhões de kwanzas é suficiente para um grupo se preparar? É só nos respeitarem como dirigentes”, disse. O conjunto, o 5.º a desfilar, com- posto por 3 mil cidadãos, vai homenagear o Primeiro Presidente de Angola, Doutor António Agostinho Neto. “Se dançarmos o Carnaval na 1.ª ou na 3.ª posição não haverá mais Carnaval. Isso porque o ritmo, o batuque, o estilo de dança Cabecinha… Vamos fazer a nossa festa e o júri vai fazer o seu trabalho. Vamos mostrar ao público que estamos vivos. O mais importante para mim é estar na Marginal e brincar o Carnaval”.
União Mundo da Ilha: o mais premiado
Detentor do título, conquistado no último evento realizado em 2020, desde a sua fundação que o grupo União Mundo da Ilha mantém a mesma designação. Um dos fundadores foi António Miranda (falecido), pai da actual vocalista principal, Tonicha Miranda. A agremiação tem ainda uma categoria especial, a de conselheiras, atribuída aos mais velhos, entre os quais constam nomes como Maria da Conceição João, Madalena Lourenço “Nga Muturi”, Beatriz Domingos António “tia Loló” e Esperança Miguel Pascoal.
O grupo surgiu na década de 60, quando a juventude se deslocava até à Samba para assistir várias manifestações culturais. Com o passar dos anos, estes jovens juntaram-se e formaram grupos de bailarinos. O projecto como grupo carnavalesco ganhou corpo em 1968 e embora haja algumas divergências entre as “conselheiras” quanto ao dia e mês da fundação, há unanimidade em relação ao ano (1968), como explicou a anciã Nga Muturi. Os registos indicam que o grupo é fruto de uma fusão dos Evita da Ilha e Invejados. Actualmente, é um dos mais premiados do Carnaval de Luanda, com 14 títulos.
APROCAL garante atribuição das verbas aos grupos
O secretário-geral da APROCAL, António de Oliveira “Delon” em conversa com o jornal OPAÍS, na Quinta-feira, 16, antes do fecho desta edição do jornal, garantiu que os procedimentos estavam a ser concretizados para que as verbas fossem atribuídas, nesse dia, aos grupos O responsável reconhece que o atraso da sua entrega condiciona os grupos, mas explica que tudo depende do ministério da tutela, já que têm apenas a missão de fazer a distribuição do dinheiro, uma vez que lidam directamente com os grupos. Explicou que em Junho do ano passado possuíam o dossier do Carnaval fechado, tanto o programa geral, como o orçamento, que foram apresentados, com o objectivo de distribuir as verbas em Novembro.
“Trabalhamos no sentido de, em Novembro termos a possibilidade de fazer essa movimentação. Infelizmente, não aconteceu conforme o planeado. A associação está aqui para defender os interesses dos grupos e não podemos, de maneira nenhuma, prejudicá-los”, deixou claro. O também actor avançou que, independentemente do direito de apoiar, financeiramente, os grupos trabalham ainda no sentido de orientá-los na questão de organização e administração. Isso implica que devem trabalhar todo o ano, para que encontrarem parceiros, com a possibilidade de angariar fundos. “Isso para que, quando chegar o período possam ter capacidade de arrancar. Também temos estado a trabalhar com os nossos patrocinadores para que além de patrocinar a organização façam-no também com um ou dois grupos. É as- sim que tem estado a acontecer”, avançou.
Devido a esta ocorrência, considera a presente edição atípica, mas pretende corrigir as falhas no próximo ano. Quanto à necessidade de se aumentar ainda mais o valor de apoio, para maior produtividade, disse que estão a trabalhar na questão do mecenato cultural, que ainda não é funcional, dado a APROCAL não ser uma instituição de utilidade pública. “Tem sido uma situação de aflição, que cria grandes constrangimentos no seio dos grupos. Tão logo comece a funcionar a Lei do Mecenato e a APROCAL seja essa instituição, talvez assim poderemos alocar aos grupos aquilo que é de direito. É claro que neste momento há grupos que estão a gastar acima de 5 milhões de kwanzas”, explicou.
Premiação
Quanto ao valor de premiação nas edições anteriores ficou as- sim definida: classe A 3 milhões de kwanzas, a classe B 1 milhão e 500 mil e a classe C 1 milhão, disse que em função do orçamento que vão receber, apesar de não precisar o valor, haverá um acréscimo.