Foi fora das nossas fronteiras que, pela primeira vez, “se demos encontro” com o João Van Dunem.
Um encontro que se prolongou por várias décadas e que foi dos mais determinantes para a estruturação da minha própria trajectória profissional, sem ignorar todas as outras incidências positivas mais pessoais/subjectivas deste relacionamento.
Lamentavelmente também foi lá, na mesma cidade, há dez anos, que me despedi dele para sempre, tendo sido até agora a única pessoa que me fez viajar além-fronteiras para tomar parte num funeral.
A doença não quis que aos 60 anos o meu amigo de todas as horas continuasse por mais tempo entre nós, onde ainda tinha tanto para dar quer como pessoa, quer como jornalista, quer como cidadão activo de uma Angola que já é muito nossa, embora nem sempre pareça que assim é, pelos resultados sociais demasiado modestos de uma caminhada que já leva 47 anos de vida e de história e que se chama “dipanda forever”.
Tinham-se passado mais de 26 anos desde aquele primeiro dia em que o vi e nos cumprimentamos algures na capital portuguesa, pois já não tenho na memória o local/rua onde ele trabalhava em Lisboa.
Conheci o João Van Dunem em Lisboa em 86/87 por intermédio do seu primo e meu amigo, o Zeca VD, que me levou a visitá-lo na redacção do “África Jornal” onde ele trabalhava na época dirigindo um dos projectos editoriais mais importantes da especialidade, que nasceram no Portugal pós-colonial.
Não tenho a certeza se foi o primeiro a surgir com o mesmo escopo e a mesma linha editorial independente, mas não tenho dúvidas em destacar que o “África Jornal” foi durante algum tempo na década de 80 uma das referências jornalísticas de leitura obrigatória, quando o assunto fosse o nosso Continente e muito particularmente o nosso país.
Não sei se alguém já fez alguma investigação sobre o papel do “África Jornal” durante o seu tempo de vida útil, parte da qual sob a batuta directa do João.
É um tema que eu teria, certamente, o maior gosto em abraçar ou pelo menos em sugerir o seu desenvolvimento pelos meios mais académicos relacionados com o ensino do jornalismo em Angola, mas não só, tendo em conta o pioneirismo e a abrangência do projecto pela chamada lusofonia africana. Seria uma grande oportunidade para também homenagearmos o papel do João Van Dunem enquanto jornalista pan-africano que teve início em Lisboa com o “África Jornal” e se prolongou depois pela sua passagem pela secção portuguesa da BBC de Londres, durante mais de 20 anos, se as minhas contas estiverem certas. Estamos a falar de uma trajectória que de produtor inicialmente, o catapultou depois para a chefia daquele programa radiofónico que também foi uma das grandes referências do jornalismo que se fazia na Europa especialmente orientado para os países africanos lusófonos.
A BBC para quem trabalhei como correspondente em Luanda por muito mais de 15 anos, desde 1989, entra na minha relação com o João Van Dunem como sendo a pedra mais importante do nosso sólido edifício comum construído desde que os nossos caminhos se cruzaram em Lisboa na década de 80.
Foi graças a ele e a influência que já tinha em Londres, que eu passei a fazer parte do projecto BBC, ainda no tempo em que a secção portuguesa era dirigida pelo bom do Manuel Santana.
Foi graças a este trabalho na BBC que eu consegui sobreviver com a maior dignidade em Angola depois de ter sido “expulso” da RNA. Na verdade e depois de tudo quanto me aconteceu naquela empresa em 91/92 só me restava pedir a minha demissão e sair de cabeça bem erguida como, felizmente, sempre andei até hoje.
Caso contrário, caso não estivesse a trabalhar para a BBC, não sei como teria sustentado a minha família, mas sei que diante do ostracismo a que tinha sido votado na época, que não teria sido nada fácil sobreviver como jornalista independente/free-lancer. Era o tempo que éramos tratados como mercenários e que as instituições oficiais agiam em conformidade. Terei sido, entretanto, dos poucos angolanos que importou divisas para pagar as suas contas em Angola e financiar os estudos superiores dos seus filhos. Por tudo isto e por muito mais, como é evidente, tenho uma eterna e impagável dívida de gratidão com o JVD. Já depois do seu definitivo regresso a Angola terei sido uma das poucas pessoas que ele consultou quando foi convidado para dirigir e relançar o projecto Média Nova. Conhecedor das suas capacidades de liderança e competências profissionais, aconselhei-o a aceitar sem mais delongas o convite, mas manifestei-lhe de imediato a minha indisponibilidade em acompanhá-lo nesse desafio.
Meio a sério, meio a brincar, comuniquei-lhe que não gostava muito de trabalhar para ou com generais.
Mesmo assim e alguns anos depois, o JVD sempre me convenceu a aceitar um contrato de colaboração com “O País” para quem semanalmente escrevia uma crónica, compromisso que depois da sua morte o seu sucessor rasgou na minha cara, alegando uma estranha incompatibilidade com as minhas novas funções enquanto membro da ERCA.
Dez anos depois da sua morte aqui estamos para lhe render esta merecida homenagem e nos associarmos à família que pretende recolher o máximo de informação sobre a sua trajectória profissional para depois a deixar disponível num site/internet onde ele poderá ser revisitado, sempre que as pessoas assim o desejarem.
Cá estarei para dar conta do andamento deste projecto memória, que poderá ajudar bastante os nossos jovens jornalistas a encontrarem no nosso passado recente referências profissionais motivadoras.
Continuamos a acreditar, apesar dos pesares, com todos os altos e baixos que se conhecem e com toda a concorrência desleal das fakenews, que o jornalismo continua a ser, no meio da nova selva mediática criada pela era digital, a melhor solução que a sociedade tem para se manter devidamente informada.
O JVD é, certamente, uma dessas referências.
Por: REGINALDO SILVA