Dúvidas não nos restam de que alguns grupos sociais são mais prestigiados política e economicamente do que outros.
O mundo, como se sabe, não é exactamente um mar de justiças.
Este facto social, que consiste na valorização de um grupo em detrimento de outros, acaba por se reflectir, inevitavelmente, nas línguas, que passam a ser, neste caso, veículos deste comportamento social.
Os antigos romanos, por exemplo, tinham por prática a imposição do latim aos povos que eram por eles invadidos.
E a história está repleta de exemplos como este, basta olharmos para África.
Mas, a par deste fenómeno social, há um outro, o do preconceito linguístico invertido, que mereceu igualmente a nossa atenção.
Preconceito linguístico invertido consiste, resumidamente, nas falsas conclusões a que chegam determinados linguistas (e não só) quando tratam de questões ligadas à língua.
Assim, pode dizerse que há dois “preconceitos linguísticos”: o primeiro está enraizado no DNA dos grupos que não conseguem, tal como os antigos romanos, perceber a heterogeneidade das línguas e, como consequência disso, rotulam, deselegantemente, os linguajares que se distanciam da norma-padrão.
O segundo, por outro lado, é o “preconceito linguístico invertido”, como preferimos chamar, um fenómeno forjado por alguns linguistas.
Aqui, no entanto, trataremos, rapidamente, já que a política do Jornal não nos permite escrever bastante, de alguns exemplos de preconceito linguístico invertido extraídos do livro “Preconceito Linguístico: O que é, como se faz?”, do linguista brasileiro Marcos Bagno.
No livro acima mencionado, Bagno denuncia alguns preconceitos (ou MITOS, como se lê no próprio livro) que gravitam em torno da língua portuguesa, sobretudo no Brasil.
E temos que confessar, desde já, que concordamos com muitos dos seus posicionamentos, entretanto, também indentificámos outros posicionamentos que se encaixam nas características de um preconceito linguístico invertido. Abaixo, veremos apenas um exemplo.
No mito 4, intitulado “As pessoas sem instrução falam tudo errado”, o autor defende a ideia de que as pessoas que pronunciam “bRoco”, “chicRete”, “cRáudia”, “pRanta” e outras palavras onde ocorre o rotacismo (troca do L pelo R) são estigmatizadas.
Na verdade, não temos dúvidas disso, aliás, mesmo em Angola, este fenómeno é também motivo de estigmatização, exclusão social, enfim.
No entanto, na página 41 do seu livro, o autor comete um dos vários preconceitos linguísticos invertidos.
Ele escreve: “Existem, evidentemente, falantes da norma culta urbana, pessoas escolarizadas, que têm problemas para pronunciar os encontros consonantais com L. Nesses casos, sim, trata-se realmente de uma dificuldade física que pode ser resolvida com uma terapia fonoaudiológica”.
Esta pode parecer uma simples afirmação, mas não o é, pois, para Bagno, fica claro que somente os falantes das normas não-padrão substituem, na fala, o L pelo R, o que não é verdade.
Segundo o autor, os falantes da norma culta urbana que falam daquela forma têm apenas “dificuldade física que pode ser resolvida com uma terapia fonoaudiológica”, mas, se se tratar de um falante da norma não-culta, o problema, para ele, é outro: é “atraso mental”.
Bagno foi vítima, como se vê, do preconceito linguístico invertido, pois os falantes das outras normas não são os únicos que falam daquela forma, aliás, o exemplo que ele mesmo deu de Camões, ainda na página 41, embora se trate de um caso que já idade avançada tem, é prova disso.
Ademais, também conhecemos pessoas letradas que pronunciam “baRde” (que é o mesmo fenómeno) no lugar de “baLde”, bem como há falantes da norma não-culta que dizem “baLde” e não “baRde”.
Portanto, o ideal é dizer que há mais chances de uma pessoa iletrada desviar-se da norma padrão, uma vez que esta só se ensina na escola, mas que todos podemos ser influnciados por este ou aquele fenómeno fonético.
Por: FAMOROSO JOSÉ