Ouvido, ontem, em tribunal, Mauro Gonçalves, o segundo réu do caso em que três cidadãos vêm acusados de terem transferido, de modo fraudulento, fundos do Programa Nacional de Controlo da Malária, referiu inúmeras vezes que não se recordava das transferências feitas para as contas da sua empresa
Por: Romão Brandão
Dentre as transferências que constam nos autos, Mauro Gonçalves foi instado a pronunciar-se sobre os 14 milhões de kwanzas saídos da conta bancária da empresa Soccopress, pertença da sua esposa, para a conta da empresa do réu (Mauro), a Gestifontec.
A Soccopress é a empresa da ré Sónia Neves e filhos (da sua primeira relação), que no processo surge como sendo a instituição receptora da transferência da maior fatia das contas do Ministério da Saúde, mais propriamente da Unidade Técnica de Gestão do Programa Nacional de Controlo à Malária.
A Gestinfotec, embora não tenha prestado trabalho algum à Soccopress, segundo os autos, recebeu ainda uma transferência na ordem de 1.38.240Kz e, posteriormente, de 1.850.000Kz, provenientes da conta desta última. Sobre estas três transferências, consideradas pelo Ministério Público de fraudulentas, o réu refere que não se recorda.
Na instância do juiz da causa, José Cerqueira Lopes, o réu não se recordou ainda de onde saiu o dinheiro com o qual comprou as duas viaturas apreendidas, uma carrinha de marca Ford e um turismo de marca KIA Rio, bem como dos 18.450.000 Kz, ilicitamente obtidos, retirados com a ajuda de sua esposa das contas da Unidade Técnica em causa, transferidos para a conta do cidadão chinês Chong Qiang Zaio, destinados à construção de uma residência.
Por seu lado, Mauro confirma que a sua empresa recebeu 266 mil dólares, da primeira transferência, e 318.480 dólares da segunda transferência, do MINSA, para prestar serviços na área de publicidade, que não foram executados porque o mesmo ministério requereu a devolução das mesmas importâncias, numa altura em que só faltava timbrar as camisolas e chapéus.
Já não está na posse do dinheiro
“Devolvi o dinheiro todo”, declarou o réu, olhando intensamente para o seu advogado, tendo o juiz solicitado que olhasse para si quando fosse responder às perguntas. O juiz levou o réu a recordar que aquando da sua audição na Polícia, segundo os autos, respondera de forma contrária. O réu, por sua vez, refutou, alegando que devolveu, embora não se lembrasse da data. Acrescentou ainda que não se recordava de muitas das respostas que deu à Polícia, também porque estava sem o seu advogado.
Tanto a transferência de 266 mil dólares, como a de 318.480 dólares, foram também consideradas fraudulentas pelo MINSA, tendo desta vez o juiz convidado o réu a confrontar o documento em que tal facto é atestado.
O réu disse não saber como é fraudulenta, sendo que a sua empresa participou num concurso público e foi apurada pelo Ministério. Negou ter havido, da parte da sua esposa, tráfico de influências para que a Gestinfotec fosse apurada entre as 4 outras empresas que concorreram. Entretanto, reforçou que o único serviço prestado pela sua empresa ao MINSA foi na área da informática e que se consistiu na compra de produtos como computadores, impressoras, UPS, etc., tendo-lhe sido pagos 167.457 dólares.
Na instância da representante do Ministério Público (MP), Neusa Sousa, o réu foi novamente chamado a explicar o que fez com os 266 mil dólares, e, posteriormente, os 318.480 dólares ilegalmente transferidos para as contas da sua empresa, os quais o MINSA pediu a devolução. “Não me recordo”, foram estas as palavras que o julgamento voltou a ouvir, seguidas pelas “devolvi todo o dinheiro”.
Aquela quantia fora transferida a 14 de Maio de 2013 e a devolução foi feita após um ano aproximadamente (a 21 de Março de 2014), quando a Gestinfotec recebeu a carta do MINSA solicitando o dinheiro. Assim, insistentemente a representante do MP perguntou ao réu por que motivo permaneceu todo este tempo com um dinheiro que não era seu e o que terá feito com o mesmo, ao que novamente respondeu: “não me recordo”.
De tanto falar “não me recordo”, o réu disse também não se recordar dos outros clientes da sua empresa, aos quais prestou serviço, para além da Unidade Técnica de Gestão. E o juiz perguntou-lhe:“acha isso normal”? Foi então que o réu se contradisse, alegando que com os 167.457 dólares pagos pela referida unidade, comprou uma carrinha Ford e alguns materiais de que não se lembra mais.