O papa Francisco dedicou a missa que presidiu nesta Quartafeira (17) em Temuco (sul) às vítimas da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990), e criticou o uso da violência na luta para reivindicar os direitos indígenas, numa região em plena tensão pelo conflito mapuche
“Oferecemos esta celebração por todos os que sofreram e morreram, e pelos que, a cada dia, carregam sobre suas as costas o peso de tantas injustiças”, disse o pontífice na sua homilia na “Missa pela integração dos povos”, celebrada no Campo de Maquehue, que serviu de centro de detenção e tortura durante a ditadura militar. O papa pediu um momento de silêncio por tanta “dor e tanta injustiça”, em meio à emoção que era notável no ambiente.
Mas a região de Araucanía, onde fica Temuco, também é cenário da luta travada pelos mapuches, a etnia mais importante do Chile, que denuncia discriminação e abusos, e reclama a restituição de territórios ancestrais que hoje estão maioritariamente em mãos privadas. Francisco, que como argentino é um grande conhecedor do problema mapuche, escolheu visitar Temuco (800 quilómetros ao sul de Santiago) para ter um contacto directo com esta população.
Mas alguns grupos optaram pela violência. Horas antes da chegada do papa a esta região, ocorreu uma série de ataques contra a Polícia, três igrejas católicas e uma evangélica. Também foram danificados três helicópteros utilizados pelas empresas florestais para apagar incêndios, segundo as autoridades. Estes ataques se somam aos sofridos na véspera contra duas pequenas igrejas que ficaram completamente destruídas.
Violência chama violência
Os autores destes atentados deixaram panfletos nas igrejas que faziam alusão à demanda mapuche, que exige a restituição de terras. O papa recordou que “não se pode pedir reconhecimento aniquilando o outro, porque a única coisa que isso desperta é mais violência e divisão” e, “mais do que impulsionar os processos de unidade e reconciliação, acabam ameaçandoos”, porque “violência chama violência”, disse o pontífice.
Depois da liturgia, o papa se reunirá com um grupo de indígenas, cujas identidades ainda não foram reveladas pela organização do encontro, para posteriormente retornar a Santiago.
A “machi”, maior figura médica e religiosa do povo mapuche, Franscica Linconao, em prisão domiciliar nocturna à espera de um novo julgamento ao ser acusada pelo assassinato de um casal de idosos em 2013, esperava ser uma das pessoas que o papa receberia. Numa carta dirigida ao pontífice na qual pede que interceda junto ao governo chileno para rever a sua situação processual, assegurou que “no Chile somente aos mupuches aplicam a Lei Anti-terrorista, e não respeitam a presunção de inocência”.
O presidente eleito, o conservador Sebastián Piñera, que assumirá a Presidência em Março, também reagiu no Twitter. “Meu rechaço absoluto aos covardes e violentos ataques ocorridos no sul na véspera da visita do papa”, escreveu. Percurso no papamóvel Apesar do ambiente tenso, o papa se deslocou no papamóvel saudando as milhares de pessoas que acompanhavam a carreata até ao Campo de Maquehue. “Francisco, amigo, o sul está contigo!”, cantavam nos alto-falantes. Desde a meia-noite, milhares de fiéis iniciaram a vigília na base área, à qual chegavam depois de percorrer mais de três quilômetros a pé.
Envolvidos em cobertas ou sacos de dormir, com gorros e casacos para suportar o frio da noite no sul do Chile, os peregrinos aguardaram por horas a presença do papa Francisco, o segundo pontífice que visita a cidade, depois de João Paulo II, em 1987. “Acredito que valha a pena (o sa-crifício), porque a mensagem que o papa Francisco traz é necessária há muito tempo no nosso país. Passaram- se 30 anos desde a última visita (de um papa) e acho que isso vai encher nós, chilenos, de paz, esperança e fé”, disse à AFP Jessica Pinto, que viajou mais de três horas para poder ver o pontífice.
A visita de Francisco a Temuco “reflete sua preocupação com uma zona que viveu tensões importantes, com quem quer compartilhar uma mensagem de paz e para onde quer levar palavras de esperança que possibilitem o encontro entre as pessoas”, declarou recentemente o coordenador nacional da comissão que organiza sua visita ao Chile, Fernando Ramos.
Nesta região está a maior parte das comunidades mapuches, a maior etnia chilena, que antes da chegada dos colonizadores espanhóis no Chile, em 1541, eram donos das terras desde o rio Biobío até cerca de 500 quilómetros mais ao sul.
Após sucessivos processos, foram reduzidos a viver em cerca de 5% do seu antigo domínio. Além do conflito mapuche, a visita se viu marcada pela questão dos abusos sexuais a menores na Igreja. Na Terça-feira, o papa confessou em Santiago a sua dor e vergonha pelos abusos de padres pedófilos e se reuniu com as vítimas. Posteriormente, numa reunião com sacerdotes, pediu que tenham “a coragem de pedir perdão”.