Chama-se Daniel Vilola Francisco. É para os integrantes do grupo de humor Tuneza o Costa. Mas é, para o público, o ‘General Foge a Tempo’, personagem que se exibe num dos programas criados pelo canal ZAP TV, retratando um antigo combatente, e mostrando a sua graça em vários eventos pelo país. Licenciado em relações internacionais, o actor vai lançar no próximo mês de Setembro a sua biografia. Um livro em que conta as peripécias por que passou, quase ingressando no mundo do crime, de onde acabou sendo salvo pelo irmão e a arte de representar. ‘Eu Mudei, Tu Podes’ é o convite feito pelo artista, uma obra que pretende que sirva também de luz para jovens e adolescentes que ainda não encontraram o caminho que lhes possa indicar uma bela opção de vida no futuro
Já há uma data para o lançamento do livro?
A previsão apresentada pela editora é para o dia 9 de Fevereiro. Seria ainda para o ano de 2022, mas achei que estava muito curto. Era preciso que as pessoas primeiro tivessem contacto com a notícia de que iria sair um livro e prepararem-se para recebêlo. Não queria fazer tudo aos pontapés. Por isso, prefiro que seja lança- do apenas no dia 9 de Fevereiro.
Porque ‘Eu Mudei, Tu Podes’ para o título da obra?
‘Eu Mudei, Tu Podes’ porque reparei que nós não temos referências nacionais. E tenho dito que nós não temos tido soberania intelectual. Se conversares com qualquer jovem angolano e perguntar a ele que jovem angolano o inspira, ele não tem. Mas se perguntares em que jovem se inspira? Ele vai falar de um Messi, Ronaldo, de um actor ou cantor norte- americano. Raramente se inspiram em jovens como nós, angolanos. E depois, nós os jovens que temos alguma coisa que podemos transmitir aos outros, para transformar as suas vidas, como transformamos as nossas, não temos o hábito de escrever as nossas memórias. As nossas experiências, onde passa- mos, como superamos. Não temos o hábito de escrever isso e partilhar. Não digo que sejam segredos, porque agora já não o são uma vez que estão em livros, mas toda a fórmula da mudança que criei na minha vida.
Se comigo deu certo, então resolvi escrever, para torná-lo científico, e fazer com que os outros jovens que nasceram- e nascerão – nas mesmas condições que eu possam encontrar neste livro um caminho e uma luz para que possam seguir de rumo às suas vidas. Havia um lema que os mais velhos diziam naquele tempo: ‘estudar por-que se os filhos deles todos estão aí e vão continuar a mandar? Então, decidi mesmo escrever isso para trazer luz, porque notei que há muito desespero nos jovens angolanos. Quanto mais as pessoas reclamam, mas desespero há. E quanto mais reclamamos, esta- mos todos a nos meter na condição de vítimas e nunca na posição de quem pode trazer a solução. Então preferi não reclamar e agir por mim e pelos outros.
Há uma frase na publicidade que circula sobre o livro em que se lê que ‘não podemos ser só a luz que brilha, mas também a luz que ilumina os outros’. Quais são as referências que iluminaram o teu caminho?
Eu fui buscar a luz em muitas pessoas, sobretudo aqui no nosso mercado. Assim como o Costa (Vilola) deu certo na carreira e na vida, muitos angolanos também deram certo. Testemunhei casos de pessoas e jovens que tinham tudo para ser grandes homens neste país, mas caíram. Eles caíram numa brincadeira. Deixaram de ser pobres e passaram para desgraça- dos. Porque quando você supera a pobreza e vai para a estabilidade e lá, na estabilidade brincas, quando recuares ultrapassas a pobreza e vais para a desgraça.
Olhei para estes factos – e no livro escrevo isso- para aconselhar as pessoas a não se inspirarem só em quem deu certo. Inspirem-se também em quem um dia teve e deu errado, porque não soube gerir aquilo que teve quando Deus lhe abriu as portas. Então, ser a luz que brilha, eu sou famoso, aplaudido por todo o mundo, quando isso acontece é porque estou a ser servido pelo povo e por quem é meu fã. Acho que também devo servir as pessoas, porque este brilho que tenho não foi construído só por mim, mas pelos 24 milhões de cidadãos que este país tem, que todos os dias ligam a televisão para me assistir e compram bilhetes para assistir aos meus espectáculos, os que me param na rua para pedir um abraço ou elogiar o meu trabalho. São estas luzes que iluminam o meu trabalho. Decidi também ser a luz que vai iluminar aqueles que sem recursos esforçam-se para ver os meus espectáculos e dar forças para que não pare. Estou a retribuir este favor que me dão.
Quais são as pessoas cujos exemplos de vida servem de fonte de inspiração e os que caíram, infelizmente?
Os que caíram é melhor não falar deles. Por exemplo, tenho uma história: cresci no Sambizanga e tínhamos um vizinho que trabalhava nas Nações Unidas. Quando morreu deixou um filho que tinha 17 anos, quase a fazer 18. Conseguiu um emprego nas Nações Unidas, ficou no lugar do pai. Em seis meses conseguiu mudar a vi- da dele completa. Eu era criança, mas essa é uma das histórias que levo comigo. Não pus no livro por- que é a vida do outro, mas posso falar na entrevista. Ele tinha tudo para ser alguém. Conseguiu tudo que queria, como casa, carros, tudo em pouco menos de um ano. Mas pôs tudo por terra por causa do vício. Trabalhava como estafeta, as coisas eram feitas todas por escrito, por- que não existia movimentações via internet, então ele conseguia introduzir cheques falsos no meio dos verdadeiros.Quando foi descoberto, acabou posto na rua e hoje está na desgraça total. Então, essa é uma fonte de inspiração, mas para nos educarmos sobre a ganância e a ambição desmedida. Tinhas um salário de 1500 dólares norte- americanos, numa altura em que no país quem tinha dólar era pessoa, com apenas 18 anos, mas por causa do querer tudo rápido deitou por terra a oportunidade e hoje está na desgraça. Com esse exemplo aprendi o poder destruidor que a ganância tem na nossa vida. Levo isso comigo e passo nas palestras. É como muitos outros jovens artistas, cantores, desportistas, que eram pessoas que brilhavam, arrastavam multidões, e hoje olhamos para eles na desgraça, dependendo de ajudas. Eu, particularmente, já ajudei muita gente. Há um antigo futebolista de quem o meu falecido irmão mais velho era muito fã no 1º de Agosto. Quando ouvi a notícia sobre ele na rádio fiquei completamente triste. Fui para lá, dei a minha ajuda, comprei um fogão e a botija, arranjei um cartão para ele fazer compras no hipermercado Alimenta Angola, durante um ano, e pedi a ele para não dizer na- da, nem tornar público a ajuda que dei.
Queria até ajudar a construir a casa, mas depois descobri que era de renda. Disse que não poderia mexer, porque o dono quando vis- se que se fez obras de melhoria, iria receber a casa. O Matias Damásio depois também tentou ajudar. Por- tanto, eu ajudei mas com muita dor, porque era alguém que quando não jogasse havia problema nas rádios, jornalistas e hoje está na desgraça. Fui ter com alguns amigos e disseram : ‘ele quando era estrela não respeitava os outros e não valorizou o que ganhou’. Depois fui buscar também outras referências de jovens angolanos, que não tiveram nada, e hoje são super ricos, empresários, donos de camiões, avi- ões e tudo mais.
Falou há pouco da falta de soberania intelectual no país. Como é que se pode alcançar?
A partir da valorização do produto interno, do próprio quadro angolano e das estrelas do país. Por exemplo, vejo o nosso futebol com tristeza, porque não posso mudar. Digo com tristeza porque o nosso futebol ou desporto é uma desgraça, mas todos temos o orgulho de postar nas redes sociais o cartão de sócio de uma equipa europeia, como o Benfica ou Sporting. Neste aspecto não somos soberanos. Quando é que vamos alcançar a soberania nacional? Quando eu Costa – e não o Governo – ou cidadão amar mais o meu 1º de Agosto. Aquele dinheiro que vou tributar para o Benfica todos os meses faria diferença no meu clube 1º de Agosto. Muitos quando lhe perguntam na Europa, és de que equipa? Sou do Benfica. Mas no teu país não tem desporto? Qual é o teu actor preferido? Denzel Washington, mas no teu país não tem actores? Quem é a cantora preferida? Beyonce. Não tem cantoras no teu país? Então, neste as- pecto não tens soberania.
A partir de que momento achou que deveria escrever o livro que vai publicar?
Quando fui ao programa Zap News, com o Daniel Nascimento, a quem mando um forte abraço. É um jornalista fora do comum. Não sei onde ele conseguiu a minha história, porque era algo fora do comum e sempre tive vergonha de falar. Afinal era uma ferida que estava dentro de mim. Quando ele tocou no assunto, eu não conseguia falar. Passava mais tempo a chorar do que responder. Então quando falou daquilo, acho que criou uma comoção nacional.
O que foi que o Daniel Nascimento disse?
Falou da minha vida, do passado, da trajectoria, da morte dos meus pais, da minha irmã mais velha que cuidou de mim, mas também já é falecida. Ele começou a ir buscar coisas que eu sabia que existiam na minha vida, mas não tinha coragem de falar. Pus-me a chorar porque aquilo trouxe muitas memórias, das noites mal dormidas, do sofrimento e quando passou pela televisão criou essa espécie de comoção nacional. Comecei a receber mensagens do povo, dos fãs, a dizerem que ‘escreva isso. Deixe isso aos outros porque tens muita experiência’. Claro que não é só de sofrimento que falo no livro. Falo de superação, deixo mensagens, conselhos e ensinamentos. Então decidi escrever.
Quais foram os aspectos da trajectoria que mais difíceis de colocar no papel?
A minha infância, a morte dos meus pais, principalmente da minha mãe, assim como do meu ir- mão mais velho e da minha irmã. A minha mãe nem tanto, porque ela sempre acreditou que um dia eu seria o que sou hoje. Ela sempre que estivesse bêbeda, connosco miudinhos agarrados à saia dela, andávamos com ela nas casas de kapuka e era muito maltratada pelas minhas irmãs mais velhas. Não que não tivesse educação, mas porque era alcoólatra. E quem tem um familiar drogado ou alcoólatra sabe que são pessoas muito difíceis de lidar. Quando não tens preparação psicológica ou mesmo académica para suportar esta pessoa , então acabas agredindo-a, pensando que aquilo é um problema na tua vida.
É um problema sim, mas que se pode resolver de outra forma sem agredir. E a minha mãe sofria muito isso, porque depois já tinha vício de vender coisas, a comida que nos era dada tirava parte para trocar com bebida. As minhas irmãs que ajudavam, quando vis- sem isso, ficavam frustradas e gritavam com ela. Ela chorava e dizia sempre: ‘esses meus filhos (éramos três e graças a Deus a profecia dela concretizou-se: sou o Costa, que o país e o mundo conhece, o outro é oficial das Forças Arma- das Angolanas e outro é inspector chefe da Polícia, nos Serviços Penitenciários do Ministério do Interior) vão se tornar alguém’. Mesmo bêbeda, ela nos passou princípios: dizia-nos que não roubem dos outros, não burlem ninguém, por- que todo o homem quando trabalha e faz o gesto de sacudir o suor e limpar no chão está a abençoar o trabalho dele. Ao mesmo que está a amaldiçoar quem do seu fruto roubar e comer.
A partir de que momento percebeu que a vida estava a mudar?
Olhando para mim: a partir do momento que consegui ultrapassar todas as minhas necessidades básicas, ter a casa própria, o meu carro, formar-me, meter as minhas filhas nas melhores escolas da cidade de Luanda. Não dependo do favor de ninguém, comecei a enveredar pelo mundo do empreendedorismo, criando os pequenos negócios e deixei de pedir aos ditos kotas para me manter. Consegui criar as minhas bases. Tenho autonomia para dizer que a minha imagem dá- me muito dinheiro, porque consegui construir uma imagem que atrai marcas e atraio clientes para elas. Então digo que consegui ultrapassar a pobreza extrema e hoje estou na fase da estabilidade. Rezo para que continue só nesta fase, porque não quero ser rico.
Qual é o papel que o humor jogou no meio de todo este percurso e essa alteração de vida?
E… O papel que o humor jogou, se fosse numa escala de 1 a 10, diria 10 ou 12. O humor jogou um papel preponderante.
Não haveria o Costa Vilola que se conhece hoje sem o humor?
Não, senhor.
Como é que entra para o mundo do humor?
Eu acho que sou um humorista nato. Cresci no Sambizanga e os mais velhos no bairro sempre diziam aos meus irmãos que ‘esse menino tem muito jeito para essa coisa’. Então, eu entrei de uma forma muito engraçada. O meu falecido irmão, Ângelo Vilola, é que era actor. Como estava sob os cuida- dos dele depois da morte dos meus país, a minha irmã mais velha teve que viajar, quando tentei entrar para o mundo do crime, ele conseguiu tirar-me e era uma espécie de guarda-costas. Ele obrigava-me a andar com ele para que não voltas- se a andar com os amigos com os quais me estava a desviar. Nessa de lhe seguir, então ele entra para um grupo de teatro. Estava a ensaiar uma peça e não conseguia fazer o que o encenador queria. Então eu estava a assistir e tinha muito jeito para imitar as pessoas – e ainda tenho porque imitava todos os mais velhos, uns do Nambuangongo, Malanje, Huambo, Benguela, Caxito e Ambrizete.
Cada pessoa que citei tinha a sua forma de falar, ser e de estar. Eu conseguia imitar to- dos eles. E no bairro diziam que este miúdo é muito maluco. Então, quando estava a ensaiar a peça de teatro, havia uma senhora, a Tia Tabita, a pessoa que me meteu no mundo das artes e até hoje mantenho o contacto com ela, e eu disse ao meu irmão: ‘faz como a mãe’. A minha mãe falava 10 palavras, seis em Kimbundu e quatro em português. Se não entenderes, você desenrasca. Sobretudo quando quisesse nos ofender, ela só o fazia em língua nacional. Ela fumava, com a parte acesa do cigarro para dentro da boca.
Tinha uma forma própria de ser, por isso disse ao meu ir- mão para que fizesse como a mãe. Era uma cena em que ele tinha que ficar nervoso. E a mãe sempre que estivesse nervosa não falava português. E essa era uma das características das mães que vinham do interior. A Tia Tabita disse-me: faça como a tua mãe tem feito. E eu, numa parede, experimentei em kimbundu. Era miúdo, tinha uns 14 anos e pediram-me para voltar a experimentar e fiz. Disseram ao meu irmão: sais ainda. A moça deu o recado e tive a tal reacção.Não sei se foi o efeito da explosão que tiveram comigo no primeiro contacto, depois estavam a achar que o meu irmão já não estava a dar certo. Afastaram o meu irmão e disseram que ficava eu. Desde aquela data fiquei até aos dias de hoje. O meu irmão já é falecido, infeliz- mente, e eu continuei.
É fácil fazer humor hoje em Angola?
Não é fácil.
Como é o percurso de um humorista?
É difícil. No seu caso, também foi difícil?
Continua a ser.
O que tem sido mais difícil: afirmação ou consolidação?
Passados estes anos todos, até já não sei o que foi mais difícil, por- que a afirmação também foi um pouco difícil. Graças a Deus encontramos pessoas interessadas em nos ver crescer, como são os casos de Pedro Nzagi, Maya Cool e o Kayaya Júnior, que foi o nosso mestre. Digo mestre porque queríamos imitar o humor tipo dos ‘Kajokolos da Banda”. Foi ele que nos disse que não, que pode- ríamos fazer humor falando bom português e fazer as pessoas entenderam a vossa piada. A Karina Barbosa passou-nos conselhos muito positivos, como o Big Nelo e o Bigu Ferreira. Encontra- mos uma nata de pessoas interessadas em nos ajudarem. Quando conquistamos estas pessoas, elas próprias trataram de nos levarem até ao mundo.
Surge como Tunezas ou antes radicado num outro grupo?
Quando saio do Sambizanga para me afastarem desta cena do crime ou da criminalidade, fui viver na Ilha de Luanda. Quando chego lá tinha acabado de fazer uma formação em teatro e encenação. Quem pagou a minha formação foi a FNLA, ou seja, a JNFLA. Ha- via um senhor no nosso bairro que era da FNLA e foi-lhe dada a possibilidade de fazer a formação. Ele disse que não tinha jovens no partido, mas que conhecia jovens no bairro que poderiam cobrir o lugar para esta formação. Deu-nos a vaga sem compromisso político- partidário e nunca cobrou nada. Até hoje nunca vi o senhor. Se o vir hoje já nem me lembro da cara dele.
Mas sabia que era membro da FNLA, porque tínhamos muitos vizinhos com filiação neste par- tido. Fui em nome da FNLA. Fiz a formação aqui na União dos Escritores Angolanos (UEA) com o professor Noa Wete, Domingos Nguizane, Álvaro Casimiro Ambrósio e um frei.
A afirmação, como perguntou, saio já com esta formação. Como tinha já cartas dadas no Sambizanga, alguém avisou ao Orlando que eu estava lá e tinha uma formação e know-how para dar ao grupo. Então, fui só enquadrado nos Tunezas. Quando começamos a andar, o enquadramento não foi difícil. Os Tunezas nunca foram um projecto.Não tínhamos visão de um negócio como este trabalho que estamos a fazer hoje. Faziamos aqui- lo por mera diversão. Tanto é que actuavamos, vendia-se os bilhetes e o dinheiro ficava todo com o responsável do grupo que o ‘comia’ todo.
Quem era o responsável?
Na altura, era o Orlando. O dinheiro desaparecia, não havia banco e era tudo no caixa. Actuávamos por ano três ou quatro vezes e depois o dinheiro evaporava do caixa. Até na minha mão o dinheiro também teria evaporado. Quando as pessoas ficaram a saber que tínhamos este talento, então decidiram dar o apoio. Foi uma afirmação não muito difícil como se manter, porque quando apareces és novidade e aceite por todo o mundo. E agora que já te aceita- mos, como é?
Hoje, quando é interceptado nas ruas, as pessoas conhecem-no mais por Costa ou General ‘Foge a Tempo’?
General e até fazem continência. E é com muito respeito. Os militares então pior. E eu agradeço muito.
‘O General Foge a Tempo deu-me o que muita gente neste país não tem’
Como é que surgiu este personagem?
Foi por intermédio da entrevista do mais velho Amadeu Amorim, integrante do Processo dos 50. Na altura, o grupo já havia imigrado para Lisboa, onde pretendíamos fixar a nossa base. Quando fomos para lá surge o projecto da ZAP. A engenheira Isabel dos Santos tinha o desejo de trabalhar connosco. Orientou para que fossemos localizados. Disseram-lhe que os Tunezas não estão em Angola, mas sim em Portugal. A luta depois era tirarem-nos de Portugal. O amor à pátria falou mais alto. Se o país precisa de nós, então vamos voltar. Não voltamos só por dinheiro, mas também por amor ao país.
Quando chegamos disseram que nos querem propor um desafio: Queremos que façam algo incrível, novo, nunca visto em Angola. Não queremos aquele Tunezas fora de série. Fora do normal, meu Deus? Pedimos um mês. De- pois eles disseram que podem trazer um programa como aquele do Falabella, mas com angolanidade. Então decidimos criar uma casa que é o chamado Cubico dos Tunezas. Não poderia ser a casa por- que era um termo muito português e tinha que ser algo mais angolano.
Decidimos dar o nome de cubico. Na altura escrevemos cubico com K, mas quando foi lá para Portugal, para prepararem o programa, eles meteram C. Como já estava feito, dissemos que poderia ficar assim. E agora as personagens? Fomos andando pelas ruas e a nossa inspiração sempre foi o nosso quotidiano. Percebemos que nas famílias angolanas há sempre alguém que destabiliza. Se não é um irmão, é um tio, se não for este é um sobrinho. E as famílias nunca são nucleares, mas sim unifamiliares. É sempre aquele modelo tu e a tua mulher, um irmão da mulher, se não é um filho que fizeste lá e trouxeste em casa.
Aí começamos a criar as bases. Como sempre gostei de acompanhar a história de Angola, pela minha formação também, vi a entrevista do mais velho Ama- deu Amorim a lamentar.Ele dizia que já estamos velhos, reclamou da falta de atenção e do Estado angolano para com a preservação da história e do legado dos mais velhos, a desvalorização e desrespeito para com os antigos combatentes. Quando ouvíamos nas rádios, nunca era um antigo combatente a falar bem. Estão sempre a lamentar e nunca se levantou a voz para ajudar essa classe. Como já são antigos combatentes podem gritar, ninguém vos vai fazer alguma coisa porque já são velhos.
Resultou?
Então ouvindo aquela entrevista do mais velho Amadeu Amorim e depois de antigos combatentes na rádio, num dia em que o Banco de Poupança e Crédito (BPC), que não pagava o salário, ficaram a lamentar muito. Então propus ao grupo: que tal termos um mais velho que está sempre a reclamar dos problemas da vida? Um homem que lutou pelo país e hoje este não lhe agradece? Na altura, o Gilmário ainda estava no grupo e foi ele mesmo quem decidiu: você como gosta muito da história de Angola faz esse papel. Escrevemos a história do Filipe Manuel. E é um erro que acontece muito na dramaturgia angolana, em que se escreve a história, mas nunca o perfil do personagem. Depois o actor fica mecânico porque não conhece quem ele está a representar. Então, criamos o perfil do personagem, ensaiamos e lapidamos que tinha de ser um mais velho que está sempre a reclamar.
Na altura como já era famoso, mas não tão querido como agora, sobretudo pelos kotas, então ia às agências do BPC, sentava- se e apreciava como é que eles reagem. Como é que eles conversam? O que eles mais falam? E o que notei é que eles estão sempre a ameaçar as pessoas, a desvalorizar o nosso tempo e a exigir que todos nós temos que lhes agradecer. Todo o mais velho antigo combatente tem esse hábito. Gravei aquilo tudo e levei para o cubico. Depois, o falecido avô materno do Gilmário tinha do- ado sangue à avó materna, quando se desentendessem exigia que lhe devolvessem o sangue dele. Dizia: ‘estás a mandar boca, também esse sangue que está contigo não é teu, mas sim meu’. Havia também o meu irmão mais velho, que também é antigo combatente, quando conversa contigo também se falar 50 palavras, 30 serão sobre a guerra e 30 conversas normais. Qualquer exemplo dele, até de sexo, vai parar na guerra, não sei onde encontra tanta criatividade.E no passado já tinha feito uma brincadeira na rádio do General Foge a Tempo. Havia esquecido. Por isso, quando começamos o personagem era Filipe Manuel. Quando começo a gravar, o Miguel Neto estava na plateia e grita: Foge a Tempo. Lembrei-me e o nome mudou. Ele diz-me que quando viu aquilo lembrou-se do Foge a Tempo que fazia na LAC, Mudo o nome e passo para o Foge a Tempo que fazia na LAC.
O que o General Foge a Tempo lhe proporcionou?
O general Foge a Tempo proporcionou-me muitos ganhos. O General Foge a Tempo deu-me o que muita gente neste país não tem. Eles têm mais do que eu, ou seja, dinheiro, riqueza. Mas o Foge a Tempo deu- me algo que muitas destas pessoas não têm: o reconhecimento da sociedade.
Uma das coisas que vimos no Foge a Tempo é o conhecimento quase que pormenorizado dos acontecimentos históricos. Como se inspira e onde busca as informações? Como é que prepara uma peça ?
Se me ligarem, eu nunca actuo para quem não conheço. Se me disserem que vais actuar para o jornal OPAÍS, não vou pedir informações a vocês, posso pedir algumas básicas e o resto vou desenrascar noutras fontes. Há vezes que não durmo para uma actuação. Por exemplo, naquela que fiz para o MPLA no Centro de Conferência de Belas e no Multiusos do Kilamba não dormi. Sento-me com os mais velhos. Graça a Deus me têm passa- do muitos artigos preciosos e valiosos em que busco estas coisas. Às vezes, como quem não quer nada, sento-me em alguns sítios tipo bófia e fico a apanhar algumas coisas. Depois levo para mim.
Nunca se sentiu acossado por algo que o General Foge a Tempo tenha dito?
Já, mas nunca por ter dito algo sobre uma personalidade ou por uma termo usado. Foi por um jovem, acho que era da Procuradoria-Militar. Não sei se no princípio estava assustado com a força do personagem ou pelas abordagens, porque fiz dele um personagem livre, uma vez que falo do Savimbi ou do Holden Roberto com liberdade. Não sei o que esteve na base, mas é um jovem que tentou, sim, me ameaçar. Tentou persuadir-me a parar por- que supostamente o título de general era político. Mas disse-lhe que não iria parar.
Sente-se bem quando está trajado com aquele uniforme quase semelhante ao dos militares e os passadores vermelhos?
Sinto-me noutro mundo.
Os mais velhos antigos combatentes, que procurou representar, o que dizem quando lhe veem?
Eles chamam-me colega. Todos os generais no activo e na reserva tratam-me por colega. Até o Presidente da República também me trata por colega. Eu até digo que não sou colega, mas sim o Chefe porque dei a instrução (risos). Tratam-me com muita honra e ganhei grandes amigos e conselheiros. Um deles até é o mais velho Iías Samakuva. Assim que cheguei à casa dele para me contar a história dele, disse-me que antes te quero dar um conselho: ‘sempre te assisti e agora o faço com muita atenção, noto em ti um espírito congregador, tens vontade de juntar as pessoas e não de separar. Por isso, não deixe que mexam na tua arte e no teu coração enquanto artista. Não deixe ser manipulado por ninguém para cumprires a missão de separar os homens’. Então, ganhei muitos amigos. Os generais Eu- sébio, Nzumbi. O general Nzumbi quando lançou o livro teve uma edição só para generais e membros do Governo, eu também estive incluído. Quem foi levar o meu livro foi a própria filha dele.
Hoje como vê os colegas antigos combatentes do General Foge a Tempo em termos sociais?
Segundo o que eles me dizem, me- lhorou alguma coisa. Sentem-se mais orgulhoso e senti que exaltei a moral deles. Os filhos e os netos têm mais orgulho em dizer que o meu avô é um antigo combatente, por- que o antigo combatente hoje é uma figura pública. Não o Costa, mas o antigo combatente no geral. Agradecem-me pela luta e estão mais motivados. E a atenção que o Estado dá também melhorou muito, não sei se pela força que fiz ou coincidência, mas tenho sido agradeci- do por muitos deles e os seus familiares todos os dias.
‘Não é Angola que gostaria de ver, mas tenho muita esperança’
E como está a juventude?
A juventude angolana tem um carinho muito especial por mim. Inspiram-se muito em mim também, porque, além de artista, também sou um activista social. Sou alguém que está preocupado com o bem-estar comum. Tenho participado em muitas palestras e dado muitas gratuitas. Sou muito seguido por muitos deles, por isso resolvi lançar este livro. Aproveitar esta popularidade, o amor que têm por mim, se calhar eles vão aproveitar ouvir-me bem e melhor do que outra pessoa que não confiam.
Como está Angola?
Angola recuou. Não é esta Angola que sonhei. Não é Angola que gostaria de ver, mas tenho muita esperança. O nosso país não está bem, temos muitas crises sociais, financeiras e económicas. O país parece que recuou, nunca andou ou nos mentiam que andava. Olhando para aquilo que é o nosso país, sinto que recuamos mais dois ou três anos.
Qual tem sido o contributo da juventude para o melhoramento do país, porque durante o discurso de fim de ano o Presidente manifestou o desejo de que todos estejam unidos para que Angola consiga crescer ainda mais?
Concordo com a explanação do Presidente da República. Nas palestras que dou e disse-o no princípio da entrevista que todo o mundo reclama, assim se estão a colocar na posição de vítima. Eu sai da posição de vítima para a de solução. Precisamos de contribuir todos para o engrandecimento deste país. Esse país não depende só do Governo. É como uma família, quando o filho faz 18 anos você não pode esperar sempre que o teu pai te dê pão. Se calhar, o teu pai agora depende de ti. O pão que estás a reclamar que não tens em casa, você tem que ir trabalhar para dar ao pai. O apelo que deixo aos jovens é todos nos posicionarmos como a solução. Se somos parte do problema, como dizia Savimbi, temos que ser parte da solução. E parte da solução é nos prepararmos do ponto de vista académico, profissional para contribuirmos e tirarmos o nosso país do marasmo em que está. Às vezes, fico um pouco com receio porque o patriotismo abalou. Hoje não se sente um sentimento patriótico sobretudo da juventude pelo país. E é muito fácil atacar o nosso país com uma juventude decepcionada como está a nossa.
Os políticos têm sido bons exemplos?
A decepção da juventude vem dos políticos.
Qual é a imagem que tem dos políticos?
Não tenho uma boa imagem de todo positiva ou negativa. Eles podem melhorar mais. Quando numa casa há fome, o que acaba a fome é o afecto, abraço e amor. Então, acho que os nossos políticos poderiam ser um bocadinho mais afectivos e menos protocolares. Sinto que governam com uma distância mui- to grande do povo. É só ver pelo número de seguranças. Está bem que o poder do país deter- mina o grau de perigo que há contra as suas figuras políticas, mas acho que podiam ser mais abertos e próximos ao povo. O povo sente que o político é um Deus que o povo não sabe como vive.
Votou nas eleições passadas?
Senti-me.
Sentiu-se-bem com a opção que fez?
Senti-me. E votaria mais uma vez se me pedissem para votar.