Apesar do Instrutivo do Banco Nacional de Angola (BNA), que determina a cobrança de apenas um 1% de comissão, na província de Luanda os proprietários de Terminais de Pagamento Automático (TPA) continuam a inflacionar o preço cobrando 10% por cada operação ou por cada nota de mil kwanzas
Uma ronda feita pela equipa de reportagem do Jornal OPAÍS em alguns mercados informais, armazéns de frescos e locais de aglomeração populacional, dominados sobretudo pelo comércio informal, constatou-se que, por cada nota de mil kwanzas levantados, os clientes são obrigados a deixar 100 kwanzas a quem lhes presta o serviço, um valor que sobe para mil caso se deseja levantar 10 mil kwanzas. A este jornal, comerciantes justificam que cobram a taxa de 10% por cada levantamento porque os clientes já estão habituados.
Outros alegam que o banco comercial em que estão domiciliados cobra-lhes uma taxa mensal pelo uso dos TPA ´s, o que deixaria o negócio sem lucro caso recebam a comissão de 1% como determina o BNA. Nestes locais, o instrutivo do Banco Central não tem nenhum poder diante da necessidade de levantamento dos cidadãos, sendo que a lucrativa actividade fez com que muitos comerciantes, dentre eles os vulgos “mamadous”, que receberam as máquinas de bancos comerciais para facilitar os pagamentos de clientes nos seus estabelecimentos comerciais, decidiram também entrar no negócio.
Sem revelar os lucros mensais deste negócio, kinanvuidi Massoxi disse que “os clientes aqui no mercado já estão cientes dos 10% que cobramos pelo serviço, por isso não baixei”. “Nunca vi sequer o Instrutivo do BNA, mas mantenho a cobrança dos 10% para conseguir comprar o papel e a tinta que gasto com as operações, bem como liquidar a taxa cobrada pelo banco no uso dos aparelhos”, atirou o comerciante do mercado dos Correios, reforçando que “temos gastos e precisamos de os liquidar”. Apesar de inflacionado, considera que ele e outras pessoas que exercem esta actividade têm esta- do a desempenhar um papel importante para atender a demanda das pessoas em terem dinheiro em mãos.
Enchente e falta de dinheiro nos ATM ́s
Mesmo sabendo da medida do BNA, Martinho Ngola, usuário do serviço de levantamentos em TPA ́s, disse que não se vê mais a viver sem este serviço pela escassez de dinheiro e enchentes nos ATM ́s que se tem verificado no Bairro Malanjino, no Golf 1. Este serviço veio para aliviar o meu stress de ter de lidar com as filas intermináveis e com pessoas mau humoradas e cheias de problemas que encontramos nos ATM ́s. Já Joana Sanambelo, usuária de serviços do TPA na Vila de Viana, disse não se importar de pagar mil kwanzas se precisar levantar 10 mil kwanzas para não percorrer longas distâncias a procura de ATM ́s com dinheiro.
“Para mim, esta é a melhor alternativa que consegue responder à demanda devido às poucas máquinas automáticas operacionais disponíveis aqui na nossa zona de residência”, refletiu Neidinha, usuária do serviço e moradora do bairro Cawelele, no Zango 3. “Recentemente, estava muito aflito e precisava de ter muito dinheiro em mãos para conseguir comprar o motor da minha viatura, que de tanta inundação das chuvas acabou por se estragar.
Fui girar nos bancos e estava uma enchente que era de assustar”, disse outro interlocutor. Com algum receio e na aflição, continuou, foi falar com um comerciante para ver se lhe podia ceder o levantamento de dois milhões de kwanzas para a compra do motor para a sua viatura, sendo que pagou 200 mil kwanzas de comissão do TPA para ter o dinheiro em mãos. “Senti que estava a ser roubado em hasta pública”, lamentou Walter Piedoso ao tentar usar o serviço pela primeira vez.
Levantar o salário no TPA
Jéssica, usuária do serviço na Centralidade do Kilamba, disse que já chegou a pagar 200 kwan- zas por cada nota de mil kwanzas. “Sei que estava a perder algum dinheiro, mas a aflição era tanta que não medi esforços para conseguir o dinheiro que precisava”, sublinhou. Houve alturas em que tive de chegar até ao centro da cidade onde há maior oferta de máquinas para conseguir dinheiro para fazer as compras de casa, e este serviço veio apenas nos socorrer, mesmo que estejamos a pagar mais do que o estipulado pelo BNA, segundo Salita Ndole. Um caso curioso que chamou atenção da nossa equipa de reportagem é do cidadão João Silva, residente na Vila de Viana, que diz ser prática, no final de cada mês, levantar o seu salário junto de um proprietário de TPA para evitar as filas nos ATM’s.
Segundo o interlocutor, para manter segurança, por causa dos assaltos, fechou um acordo com um comerciante da sua confiança a quem desembolsa 60 mil Kwanzas de comissão mensalmente para ter o seu salário. Na Sanzala, no município de Viana, Natinho, como é conhecido, diz que nunca deixará de usar os serviços de levantamento em TPA ́s, pela necessidade em ter valores em mãos sempre, por- que continuamos viver com a informalidade no mercado. “Por isso, aceitamos situações como esta”, relatou. Mas adverte que tem de haver fiscalização, pois considera que “estamos a ser roubados aos olhos do Governo e ninguém faz absolutamente nada.
segundo ele, as autoridades responsáveis devem prestar atenção a esta prática para exigir o cumprimento do instrutivo. O Instrutivo Nº 12/2021 de 14 de Setembro, no ponto nº 6, determina que as operações de levantamento, que não estão associadas a uma compra, com ou sem cartão, é cobrada uma comissão de Serviço ao cliente de 1% do valor de operação, com o mínimo de 50 Kz, que será automaticamente transferido para a conta bancária do comerciante.
O BNA ditou regras à prática, mas os comerciantes não cumprem, sendo que muitas vezes estes clientes não conseguem levantar o dinheiro nos multicaixas que, ou estão sem dinheiro, ou estão fora de serviço. Quando o banco central fez sair este Instrutivo criou-se a expectativa de que estes serviços esta- riam obrigados a cumprir a norma, sendo que, para o início deste serviço, os estabelecimentos comerciais, como cantinas, lojas e vendedores do mercado informal, devem celebrar um contrato de aceitação com o banco comercial que disponibilizar o Terminal de Pagamento Autorizado (TPA).
Aumentar ATM’s com dinheiro
Em reação, o economista Marlino Sambongue considera que o BNA ao estabelecer a norma quis regular um negócio que era feito pelos comerciantes de forma desordenada e também aumentar os canais para o levantamento de dinheiro e outras operações. Entretanto, sublinha que ao cobrarem mais do que o estabelecido estão a lesar os consumidores dos serviços financeiros que se sujeitam a estas taxas porque querem ver resolvidos os seus problemas, sem muitas vezes denunciarem este comportamento ao BNA, que tem uma área específica para tratamento destes casos.
Marlino Sambongue aclara que os TPA’s são instrumentos modernos de facilitação das transações financeiras, mas que começa a haver escassez destes equipamentos por serem importados. “A resolução deste problema não é um assunto que se ultra- passe da noite para o dia, por isso, é necessário haver uma análise mais concisa aos critérios de atribuição de TPA ́s em função do volume de negócios efectivo”. Por outro lado, Sambongue sublinha que se pode utilizar instrumentos ainda mais modernos para realizar pagamentos em unidades comerciais sem custos adicionais consideráveis, como a utilização dos próprios telefones como TPA ́s, desde que tenham a aplicação correcta para reconhecer e fazer a leitura dos cartões.
Já o economista Carlos Lumbo refere que o que está em causa é o serviço a prestar com base no direito de uso do TPA. Entretanto, as autoridades públicas têm de estar conscientes de que o preço de um serviço privado tende sempre a depender da relação entre a oferta e a procura, chegando, naturalmente, por questões psicológicas, a superar preços impostos por leis ou por normativos. Por isso, rematou, ao invés de impor limites de preço por lei, as autoridades deviam melhorar as condições de oferta, promovendo a existência de mais ATM’s com dinheiro e mais TPA’s, aumentando a importação e melhorando a distribuição dos referidos aparelhos pelo país.
POR: Francisca Parente