Ciente de que deveria abluir-se antes de se jogar no leito, Aleixo levantou do sofá e foi ao WC fazer o que devia. Ao sair lembrou-se de que tinha de remover também as impurezas bocais, jogou a pasta de dentes na escova e começou a lavar-se.
Terminada a higienização levou o rosto ao espelho a ver se enxergava melhor, abriu a boca para conferir se os dentes estavam limpos e, num descuido qualquer, escorregou. Ao cair tentou apoiarse a parede, mas sem sucesso.
Tombou. Com ele caiu o espelho que se estilhaçou e rasgou-lhe a pele da perna esquerda.
Saiu do compartimento e dirigiu-se a sala-de-estar para dar a notícia à esposa que o aguardava. Assustada, a esposa viu o fluxo de sangue e esforçou-se em fazer os primeiros socorros conforme vira na TV.
Tendo conseguido pediu que Aleixo aguardasse o amanhecer para ir ao hospital receber os devidos cuidados.
No dia seguinte Aleixo seguiu ao hospital. Enquanto aguardava o atendimento, passou o polegar na tela do telemóvel e viu o caos causado pelo inspector chuva, rolou para cima e viu Excelências envolvidas em escândalos empresariais.
“São esses que fabricam a fome” lamentou e, de seguida jogou os olhos na porta do consultório onde viu sair a enfermeira que, respondendo a quem estava no interior, disse: Ele alugou a família, doutor! Senhora, me desculpe, como é que se aluga uma família? E para quê!? inqueriu Aleixo.
O senhor já será atendido, o médico vai explicar-lhe melhor respondeu-lhe a profissional. Aleixo aguardou ser chamado.
Logo que adentrou anunciou: Doutor, a enfermeira disse que o senhor iria-me explicar como e para quê se aluga uma família.
Vamos antes resolver o que lhe trouxe aqui, Senhor disse o médico sorrindo e indicando o a maca para que Aleixo se sentasse.
Vamos precisar cozer, aqui vão dois pontos.
Não vai doer, vamos aplicar a anestesia.
Está bem, doutor. Mas… desculpe a minha insistência, como é isso de alugar família? Dizem que eu deveria ser escritor porque passo a vida a contar histórias aos pacientes.
Graças a preguiça eu não sei escrever e acho difícil levar as ideias para o papel. Mas para você entender tenho de contar a história, o fio da conversa.
Esteja à vontade, doutor – disse o Aleixo.
Tenho um amigo, o Carlos, que conheceu uma senhora num casamento no qual foi sem a mulher.
A senhora estava acompanhada do esposo, e ambos ocupavam a mesma mesa que ele.
Pelo que me contou, a senhora olhava-o indiscretamente e, astuto como é, logo pegou recado e ausentou-se da mesa ciente de que a senhora lhe acompanharia. Ela encontrou-o estacionado junto ao quarto de banho.
Tão logo a viu disse-lhe que não podia lá estar por muito tempo, pois sabia que a senhora estava com esposo. Pediu-lhe o contacto e ela cedeu.
No dia seguinte ligou e descobriu que o casal vivia em Benguela e viera à capital para assistir ao casamento do irmão da senhora.
Ao telefone o Carlos ofereceu-se a levar o casal ao terminal para que pegassem o autocarro de volta.
No dia agendado surgiu na hora e local combinado. Enquanto transportava o casal, o esposo da senhora o questionou se era o mesmo que estava no casamento no dia anterior. Carlos confirmou que sim, e acrescentou que no mesmo dia descobriu que a senhora era, afinal, filha de sua malograda tia Katia.
O esposo agradeceu o gesto do Carlos e, semanas depois arrependeu-se de não ter percebido que as boas ações, quase sempre, vêm mascarar a malevolência dos ardilosos.
Volvido uma semana, Carlos foi à Benguela e confirmou as suspeitas do esposo da senhora que decidiu assinar os papéis da separação após ver a esposa no carro de quem se fez seu cunhado em Luanda.
Após conseguir que o casal se separasse, Carlos disse a esposa que iria viajar à Benguela para fazer consultas de oftalmologia no Centro Oftalmológico.
Na ida à Benguela, Carlos alugou uma família e levou-a para fazer o alambamento a senhora que, sem saber que ele tinha uma esposa, publicou as fotos nas redes sociais, revelando o que devia estar oculto e fazendo o corpo do Carlos receber o carinho agridoce dos jovens de Benguela.
Por: DITO BENEDITO