Homens e mulheres, na idade jovem, residentes nos bairros formados por casas de chapas de zinco, no distrito urbano do Zango, têm sido forçados a mergulhar no mundo da prostituição e das drogas, a fim de amenizarem a vida sofrida, na comunidade, onde falta de tudo um pouco
“Seja bem-vindo ao distrito urbano do Zango”, lê- se as boas vindas da administração daquela circunscrição do município de Viana, numa pequena placa afixada logo à entrada do território. Pelo caminho, o percurso é lindo. Edifícios residenciais e comerciais, árvores e passeios, ladeiam uma estrada sem muitos sobressaltos. A ideia de que se está por dentro de uma verdadeira urbanização é inequívoca.
No entanto, esta percepção começa a ser conspurcada por algumas ruas atoladas pelas chuvas precipitadas sobre a capital, nos últimos dias. O cenário é de charcos e de pessoas a arrojarem- se em caminhos de pedras.
O trajecto continua, e, para trás, já ficaram os prédios do condomínio Vida Pacifica. Um pouco mais à frente desse projecto habitacional, entre 500 metros e um quilómetro, depois, a impressão de um verdadeiro distrito urbano fica mais fragilizada, e, aos poucos, vai desvanecendo, com a aparição de casas de chapas a darem nas vistas dos transeuntes.
A estrada é longa, e, seguindo- a, chega-se até à última paragem do Zango 3. À esquerda da faixa de rodagem está o Bairro Kitondo 1A, enquanto à direita está o Kitondo 1B. Ambos construídos de chapas de zinco. No primeiro lado, está um grupo de moradores na rua.
Prenúncio de chuva entristece moradores
Os seus rostos estão contritos. Há nuvens negras no céu. O código da mensagem é simples de desmistificar: é o prenúncio de chuva sobre a terra. O fenómeno natural constitui a causa do abatimento dos moradores, que conhecem bem os estragos provocados pelas quedas pluviométricas, na zona. Todos estão ávidos para expressar a angústia que lhes vai na alma. A situação de vida desses moradores constitui um verdadeiro calvário, onde o peso da dura cruz é agudizada, quando as enxurradas caem. Nessas ocasiões, as pessoas são obrigadas a abandonar a casa, porque uma inundação está à vista.
“Aqui, quando chove, os povos procuram sítios para ficar, ou dormir, até que a chuva pare. Quando chove, aqui é um rio, ninguém sai. A água chega até aqui, onde está esse risco, apontou com o dedo indicador a um metro de altura de um casebre. Os bens adquiridos perdem- se em cada época chuvosa. Londa António, de 39 anos, lamenta o facto de ter perdido arcas, tele- visores, e outros aparelhos electrodomésticos, além de roupas e calçados, por conta do caudal das águas pluviométricas. Nas últimas chuvas, por exemplo, Londa foi despertado do sono, pela água, que o encontrou por cima da sua cama, de pelo menos 50 centímetros de altura.
Pela manhã, teve de calçar os ténis molhados, para seguir o seu percurso em cumprimento das actividades laborais. “Quando chove, perdemos as nossas coisas. Desde calçados, televisores e arcas. Todo aparelho elétrico, quando atingido pela água, é complicado. Os recém- nascidos, se a mãe e o pai estiverem fora, eles não conseguem livrar-se das águas, e é muito perigoso”, avançou. A situação das casas é compro- metedora. Os casebres de chapas com pouca altura não oferecem dignidade para a vida humana. Um colchão e um fogão inoperante são as mobílias que adornam a maior parte das residências.
Por esta zona, as pessoas sobrevivem de pequenos negócios feitos, nos passeios que ladeiam a estrada. Normalmente, estes não passam de vendas de tomates, ou de outros produtos agrícolas, num pano estendido no chão, em substituição de uma bancada.
O rendimento, segundo os moradores, é baixo. Por isso, não serve para muita coisa, senão, para uma refeição, num dos períodos do dia. Jantar tem sido a preferência em detrimento do peque- no-almoço e almoço. Os pais são obrigados a levantar cedo e regressar tarde à noite, em busca de formas para o sustento dos seus agregados. No bairro com apenas uma escola pública, a maior parte das crianças ficam fora do sistema de ensino, e, consequentemente, desocupadas e expostas aos perigos da rua, onde são deixadas pelos seus tutores.
Prostituição e drogas usadas para amenizar a fome
Por outro lado, da história de vida desses moradores, está os que não têm a possibilidade de conseguir um negócio, sendo, forçosamente, obrigados a sobreviver à fome. A realidade leva muitos a procurarem caminhos espúrios para resistir à penúria vivida, na circunscrição. “Aqui temos um sítio chamado de Boca Mine. As crianças, de dia, estão em casa, mas, à tarde, vão fazer vida (prostituição), porque não têm como se alimentar, por vezes. Ali, cada um faz vida, tem o seu dinheiro, e volta.
É a vida que levam”, descrever Josefina Mito, de 50 anos, 14 dos quais a residir na zona. Apesar do cenário, Mito confessa ser verdade que muitas crianças e jovens com idades compreendida entre 12 e 30 anos, pelo menos, têm visto na prostituição o caminho para conseguirem dinheiro, que permita ter uma refeição. “Vendem os seus corpos a troco de 500 ou mil kwanzas”, lamentou. Josefina está a cogitar abandonar o bairro, por temor de que a filha de 19 anos venha a ser influenciada pelos costumes do bairro, onde se contam aos dedos as meninas que preservam ainda uma vida de princípios e valores morais.
Por outro lado, o consumo de drogas por parte, principalmente, dos jovens, constitui o meio através do qual estes encontram coragem para enveredarem, pelo mundo crime, roubando do pouco que os seus companheiros daquela trincheira conseguem. Os moradores contam que a pobreza extrema com que se de- batem tem estado a aumentar o índice de criminalidade infanto- juvenil. Os jovens vêem no roubo uma forma de ganhar dinheiro, ilicitamente, para dar conta das suas necessidades, nas quais englobam as fisiológicas. “A criminalidade aqui é alta. De noite, os miúdos daqui, que são mesmo os filhos dos nossas vizinhas, assaltam as nossas casas, e roubam o bocadinho do que temos. Ou, também, ao chegarmos à noite, podemos ser assaltados”, conta Joaquim da Mata.
Promessas do Executivo reacendem esperanças de vida melhor para mais de 900 famílias
A Comissão de Moradores do Bairro foi contacta- da pela Administração do Municipal de Viana, logo após o anúncio de que o Presidente João Lourenço autorizou a construção de um projecto de habitações sociais, com 1.500 residências, para realojar famílias residentes em tendas e casas de chapas, entre o Zango 3 e 5. De acordo com a coordenadora adjunta do Bairro, Rosa Monteiro, no encontro a Administração baixou orientações precisas, para realização de um novo cadastramento de todos os moradores, da zona.
“Esse novo anúncio reacende a esperança dos moradores. Está todo mundo alegre, está todo mundo com esperança de nos tirarem daqui”, disse com alegria, para depois garantiu que “não há possibilidade de entrarem casas novas, aqui. Está tudo subcontrolo. São 930 casas. Eu tenho a lista”, avançou. Faustina de Mota está com 65 anos, e vive há 22 anos, nessa zona. A anciã recorda que as suas lavras foram recebidas, quando pretendiam organizar as terras, de uma forma que permitis- se, também, que os camponeses pudessem ali viver. No entanto, nesse período, conta que pessoas com poderes desejavam o espaço, e, quando menos esperavam depararam-se com polícias e militares, que invadiram as terras.
Foi assim, que, nesse período as pessoas viram as lavras desaparecer e a dar lugar a construções. Para prevenirem-se, adiantaram a montar tentas e a construir casas de chapas, a fim de verem os seus terrenos protegidos. Porém, sem mais os espaços de cultivo, a vida tornou-se um autêntico calvário, que terminar com o anúncio do Presidente da República. “Há tempos, antes da tomada de posse do nosso Chefe [de Estado] João Lourenço, a Administração disse que, em pouco tempo, mexeria. Mas, depois, ficamos assim. Agora, continuam a dizer que vão mexer. Esta- mos a espera de que isso se realize, porque é muito sofrimento”, frisou